A Fórmula 1 conheceu até ao momento quatro pilotos portugueses. Os nomes de Pedro Matos Chaves, Pedro Lamy e Tiago Monteiro são provavelmente os mais conhecidos, mas na semana passada foi notícia a morte de Nicha Cabral, o pioneiro nesta especialidade rainha do desporto automóvel. O piloto natural do Porto estreou-se aos 25 anos, ao volante de um Cooper Maserati T51, no Grande Prémio de Portugal ganho pelo britânico Sterling Moss no circuito de Monsanto, em Lisboa, em 1959. Foi a primeira das quatro provas do piloto português e a única que conseguiu terminar, alcançando um 10.º lugar..Só que dois anos antes da epopeia de Nicha Cabral Portugal perdeu aquela que era a grande esperança para entrar no circo da Fórmula 1, que estava a dar os primeiros passos. António Joaquim Borges Barreto era natural de Évora e perdeu a vida a 30 de maio de 1957, quando disputava as Seis Horas de Forez, prova de resistência que se realizava nos arredores da cidade francesa de Saint-Étienne, num circuito que ligava as localidades de La Baroy a La Massardière, numa distância de 5,7 quilómetros..A tragédia aconteceu à 20.ª volta, numa altura em que chovia muito, quando o italiano Piero Carini perdeu o controlo do seu carro na única curva rápida do traçado e, a 210 km/h, o automóvel ultrapassou os arbustos do separador central e foi embater em cima do Ferrari branco com uma listra vermelha, número 58, de Barreto, que seguia no terceiro lugar, à mesma velocidade do italiano. Os dois pilotos tiveram morte imediata..Adrian Conan Doyle, filho do escritor criador de Sherlock Holmes, foi um dos pilotos que participaram nesta corrida e testemunhou o acidente. "O Ferrari de Carini mais parecia um ovo frito após o acidente. O carro de Barreto partiu-se em dois e foi parar ao fundo de uma ravina com mais de 15 metros. Achei a pista molhada pela chuva tão traiçoeira que a dada altura da corrida pensei em desistir. Foi a pista mais traiçoeira onde já corri", explicou o piloto inglês..Nesse dia terminavam todos os sonhos de Tó Quim Barreto, como também era conhecido, e que passavam por presenças no Grande Prémio de Portugal, em Monsanto, e nas famosas 24 Horas de Le Mans. O Ferrari que estreara naquele dia - tinha vindo diretamente da fábrica no próprio dia - era o último que seria pilotado oficialmente por um português..Oito meses antes do fatídico acidente, em entrevista ao jornal Volante, anunciava ter-se tornado piloto oficial da Ferrari. "Vou para Itália, onde me demorarei poucos dias, apenas o tempo necessário para alguns treinos na Ferrari. Depois sigo para França, onde, em Saint-Étienne, disputarei uma prova de circuito na qual devem correr todos os 'bons' e em que eu correrei oficialmente pela Ferrari", atirou, deixando a certeza nas Dez Horas de Messina, em Itália, onde foi terceiro classificado. Já tinha corrido pela Ferrari, mas agora seria "verdadeiramente oficial" a sua presença na equipa. "Com a equipa da Ferrari, juntamente com Phil Hill, Harry Schell e Alfonso de Portago, irei em novembro à Argentina e ao Brasil", acrescentava, entusiasmado..Fotografia no livro de honra da Ferrari.Quatro dias depois da tragédia, o corpo de Borges Barreto chegou a Lisboa e foi levado para a Igreja de São João de Deus, onde no meio das muitas coroas de flores se destacava uma da Ferrari, que continha um cartão escrito e assinado pelo próprio Enzo Ferrari, fundador da marca italiana, e pela família de Piero Carini..Após a missa de corpo presente, o caixão foi coberto pelas bandeiras do Clube 100 à Hora e do Lusitano Ginásio Clube de Évora e seguiu para Évora, onde decorreu o funeral, que foi recordado por muitos anos devido ao elevado número de pessoas que participaram na última homenagem ao piloto, com a urna a ser transportada em ombros desde a igreja da Praça do Giraldo, no centro da cidade, até ao cemitério, localizado já fora das muralhas da cidade. Afinal, a morte de Tó Quim Barreto causou um enorme choque entre os eborenses, que viam partir um ídolo..Curioso é que Borges Barreto jamais foi esquecido pela Ferrari, uma vez que a sua fotografia surge no livro de honra dos principais pilotos da escuderia italiana, com uma legenda que diz tudo sobre o carácter do eborense: "Tinha coragem e paixão: morreu com apenas 26 anos.".O apoio do marquês de Fronteira.A paixão de Tó Quim Barreto pelos automóveis nasceu aos 18 anos, quando geria o stand de automóveis do pai em Évora e participava em algumas provas de ralis no Alentejo. Os amigos costumavam dizer que ele conseguia percorrer a distância entre Évora e Lisboa em apenas uma hora, numa altura em que não havia autoestrada..A sua primeira experiência em competição não podia ter sido melhor, pois na VI Volta a Portugal, em 1954, Barreto saiu vencedor com apenas 23 anos. "Sou estreante. Nunca entrei em provas e quis avaliar o prazer destas andanças. Agora não desisto mais", afirmou no final da prova ao Diário de Lisboa..Motivado pelo triunfo, decidiu por isso continuar a competir com o Ferrari 250 MM que tinha comprado a D. Fernando de Mascarenhas, o marquês de Fronteira, que foi o grande impulsionador da sua carreira e que voltou a vender-lhe, a preço acessível, segundo os relatos da época, um Ferrari 750 Monza, com que ficou em 4.º lugar no Grande Prémio do Porto. Aliás, D. Fernando de Mascarenhas teve uma curta carreira de piloto e, como tal, tinha vários carros de corridas. E foi ao volante de um Porsche 550 Spyder que arrancou um terceiro lugar no Circuito de Monsanto, prova que foi vencida pelo britânico Stirling Moss..No entanto, foi com um Ferrari 500 TRC que Borges Barreto iniciou a sua carreira internacional, com um terceiro lugar nas 10 Horas de Messina, prova em que venceu a Taça dos Novos, que lhe permitiu entrar para a equipa oficial da mítica marca italiana, pela qual acabaria por fazer apenas mais uma corrida, fatídica, em Saint-Étienne.