Nuno Villa-Lobos: "A justiça não se compadece com dúvidas"

Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa admite que "clamor público sobre as PPP é justificado".

Foram aprovadas, em fevereiro, várias alterações ao regime de arbitragem tributária. A ideia-base parece ter sido evitar mais os conflitos de interesse. Isso significa que havia conflitos de interesse?
A intenção não foi corrigir um problema, foi fortalecer o regime, isto é, blindar mais ainda a forma como são indicados os árbitros. Foi o conselho deontológico do CAAD que estimulou esta mudança em sede parlamentar, mudança que depois foi concretizada na Assembleia da República. Desde a nossa fundação, há 11 anos, que nos colocamos como obrigação permanente refletir sobre a justiça e, em particular, sobre a arbitragem, procurando dar a resposta adequada às questões que se levantam ou podem levantar. Temos procurado construir uma base de regulamentos e regras muitíssimo exigente do ponto de vista deontológico e procedimental. A transparência é uma condição essencial para o bom desempenho da missão de interesse público que nos foi confiada pelo Estado. A autoimposição de um acervo de regras que evite os possíveis conflitos de interesse é o resultado desta atitude de exigência máxima. A justiça não se compadece com dúvidas.

Como reagiram os árbitros a estas mudanças ? Estas limitações excluíram muitos deles?
Não fazemos essa aritmética. Claro, queremos ter uma base de candidatos a árbitros que nos deem a garantia de qualidade e conhecimento, mas ter muitos árbitros não é um objetivo. Eles sabem que a melhor defesa para o trabalho difícil que desempenham é beneficiarem de um enquadramento que expurgue as dúvidas, por pequenas que sejam. Como sabe, até aos 60 mil euros o tribunal é singular. A partir dos 60 mil euros, é composto por três árbitros, dois adjuntos e um presidente. O facto de haver árbitros com a profissão de advogados podia, no limite, levantar algumas questões quanto a um eventual conflito de interesses. Por isso mesmo, há muito que o CAAD impede a sua designação quando o escritório a que pertencem tenha processos no CAAD. Qualquer pessoa percebe a força desta medida.

E resulta?
É uma espécie de cerco ético, um muro de transparência que decidimos fortalecer mais um pouco. Os árbitros presidentes passam, agora, a ter de cumprir um período de exclusão de dois anos e só podem constar da lista de árbitros presidentes os juristas com experiência anterior na magistratura ou com doutoramento em económico-jurídicas que, nos últimos dois anos, não tenham integrado escritórios de advogados com processos no CAAD. Há ainda outra limitação: os nomes que constam da lista de árbitros presidentes não podem ser designados pelas partes.

A Associação Portuguesa de Arbitragem escreveu ao presidente do parlamento a lamentar não ter sido ouvida e deixou claro que considera que a alteração não se aplica à arbitragem administrativa...
O regime que aplicamos na arbitragem fiscal é aplicado também à nossa arbitragem administrativa. Não podia deixar de ser assim: por que razão iríamos facilitar na arbitragem administrativa, por que motivo iríamos facilitar precisamente numa área, a administrativa, que tanta polémica tem levantado fora do CAAD? Não temos uma única daquelas arbitragens que tem levantado dúvidas, as que envolvem as famosas PPP. A razão para não nos escolherem ultrapassa-me, mas sei que a nossa missão só será cumprida se estivermos à altura das responsabilidades. Nivelamos sempre por cima e o que se aplica à arbitragem tributária aplicamos naturalmente à arbitragem administrativa.

A APA discorda...
O CAAD não interfere neste assunto, até porque não fazemos parte da APA, temos uma razão de ser e natureza diferentes. Posso apenas desejar que todos os agentes da justiça entendam a responsabilidade que têm sobre os ombros. O interesse público, tema, aliás, da nossa conferência anual que se realiza na terça-feira [amanhã], exige transparência, autoexigência e regras claras. As PPP têm provocado um terrível desgaste para a justiça. As regras que blindam mais o corpo de árbitros só pode, por isto mesmo, ser útil e bem-vinda.

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