Helen Mirren lê Anne Frank para as novas gerações

A atriz britânica é a convidada de honra de<em> #Anne Frank - Vidas Paralelas</em>, um documentário no rasto da adolescente que se tornou símbolo do Holocausto, e com vozes de outras mulheres sobreviventes. Em estreia nas salas.
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"Quero continuar a viver mesmo depois da minha morte." O desejo de Anne Frank, inscrito nas páginas do seu diário, realizou-se e mantém-se protegido por todos aqueles que a leram (e ainda vão ler) ou ouviram falar da sua história. Desta vez, a garantia de que a memória continua viva surge na forma de um documentário assinado por duas italianas, Sabina Fedeli e Anna Migotto. #Anne Frank - Vidas Paralelas cruza a frescura e a lucidez das palavras desta adolescente com os testemunhos de quem foi criança na mesma altura que ela, fazendo incidir o olhar no presente através da leitura apaixonada de excertos do livro diarístico, por Helen Mirren, e de outra adolescente que endereça o seu pensamento a Anne Frank na contemporânea linguagem abreviada das redes sociais.

Sem surpresas, Mirren é o maior trunfo do filme. Dentro do anexo - reconstruído em detalhe - que serviu de refúgio à jovem judia durante a perseguição nazi em Amesterdão, a atriz de A Rainha lê excertos do Diário de Anne Frank como quem procura despertar nas novas gerações a admiração pela vivacidade e a esperança de alguém que, ao mesmo tempo, era capaz de revelar uma consciência límpida e madura sobre a realidade à sua volta. Confinada naquele espaço apertado, que condensa os relatos de uma existência demasiado breve, Mirren, profundamente comprometida com o projeto, é de uma empatia desarmante a dar expressão àquelas palavras escritas em clausura, mas plenas de liberdade.

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E tal gesto de leitura intercalada não só abre a porta ao trajeto biográfico de Anne, desde a infância na Alemanha até à morte no campo de extermínio de Bergen-Belsen, em fevereiro de 1945, como estabelece um diálogo com cinco mulheres sobreviventes dos campos de concentração, que tiveram "vidas paralelas" à da menina-ícone do Holocausto. Vozes que, pela força do testemunho, acrescentam peso humano ao documentário, ao lado de historiadores, arquivistas, ou ainda figuras como uma violinista e um fotógrafo que acabam por ser guardiões da memória da shoah na manifestação da sua arte - da mesma maneira que nos desenhos de uma das sobreviventes se encontra o ADN de um tempo vivido.

A fazer a conexão entre passado e presente está, finalmente, uma jovem (a atriz Martina Gatti) que justifica a hashtag do título. Ela percorre de comboio vários locais históricos, museus e memoriais, de Bergen-Belsen a Amesterdão, refletindo sobre o legado de Anne Frank em postagens curtas nas redes sociais; espécie de diário digital que busca a identificação íntima com uma tragédia que não pode ficar arrumada nos livros de História.

É talvez por este pormenor da necessidade de comunicar com a juventude que #Anne Frank - Vidas Paralelas suplanta a sua simples vocação televisiva. Há no modo de ligar os factos e a análise dos especialistas ao discurso de Anne e das cinco sobreviventes uma energia moderna, uma discreta visão pop feminina que consegue servir qualquer público, sem amenizar a dimensão do horror, mas também sem a explorar à exaustão. Sabina Fedeli e Anna Migotto perceberam muito bem que, de geração para geração, foi, e é, a partir do quarto de Anne Frank que se "vê" o Holocausto, porque ninguém se identifica com a realidade desconhecida a não ser pela experiência "secreta" do outro. E com isso em mente, a viagem do documentário torna-se valiosa e emotiva.

Publicado em 1947, o Diário de Anne Frank foi um fenómeno desde o início e continua a ser um dos mais importantes depoimentos dos dias da Segunda Guerra Mundial, uma obra literária que se tornou símbolo do trauma humano do século XX. O realizador George Stevens, que carregou consigo para o resto da vida fantasmas do que vira e filmara em Dachau, assinou em 1959 uma adaptação cinematográfica. À semelhança dos colegas John Ford e William Wyller, queria tocar nas feridas da sua própria experiência da guerra... É, pois, através destes e de outros olhares, mas sobretudo dos leitores do diário, que Anne Frank vive para além da sua morte.

*** Bom

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