A Amazónia será o fio condutor do discurso de Jair Bolsonaro, na abertura da 74.ª Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira, em Nova Iorque. E, através da floresta tropical, o presidente brasileiro aproveitará para discorrer sobre os esforços históricos do país na preservação do meio ambiente e para atacar o seu homólogo francês Emmanuel Macron, sem jamais o nomear para evitar novos conflitos diplomáticos. Pelo meio, fará investidas contra os regimes de Nicolás Maduro, na Venezuela, e de Cuba, fiel ao seu ideário político e às expectativas do seu aliado Donald Trump, líder dos EUA.."Vou falar em soberania nacional, que sempre esteve ameaçada", afirmou Bolsonaro, durante a sua tradicional comunicação semanal nas redes sociais. "Claro que vou ser cobrado, porque dizem que eu sou culpado pelas queimadas. Estou a preparar-me para o discurso, bastante objetivo, ao contrário de outros presidentes que me antecederam." Para o presidente, outros países movem campanha negativa sobre a floresta para se beneficiarem: "Se eu resolvesse, amanhã, assinar decretos para demarcar 20 reservas indígenas, o incêndio acabaria imediatamente. Eles estão a comprar a Amazónia. Fico triste por os brasileiros me estarem a atacar pelas queimadas."."Eu acho que o recado número um será de que a Amazónia é nossa, contra essa questão de soberania limitada ou de ingerência além daquilo que os tratados internacionais, que o Brasil subscreve, preveem. O segundo recado: ela é nossa e compete-nos a nós protegê-la e preservá-la", acrescentou, em entrevista ao jornal Correio Brasiliense, o vice-presidente general Hamilton Mourão, na semana passada..O general Augusto Heleno, ministro da Segurança Institucional e um dos principais conselheiros de Bolsonaro, diz que "o essencial é deixar muito claro que não tem essa coisa de património da humanidade". "As informações sobre a Amazónia na maioria do mundo são tão ingénuas e precárias, tão desprovidas de conteúdo, que é ótimo que voltem as atenções mesmo para o Brasil.".O discurso de Bolsonaro não impedirá que grupos de ambientalistas, de defensores dos direitos humanos, de indígenas, de organizações não governamentais e de políticos se manifestem, tanto nas ruas como nas salas de reunião da ONU, contra Bolsonaro..Os atos começaram ao longo desta semana - com o debate "porquê #cancelarBolsonaro", com uma reunião sobre a violação de direitos humanos no país, a cargo do Conselho Indigenista Missionário e da Rede Eclesial Panamazónica, e com a Marcha da Juventude - e prosseguirão mais intensos na véspera e no dia da assembleia geral..Há também uma carta assinada por mais de mil pessoas e entidades a exigir que o secretário-geral da ONU, António Guterres, repreenda formalmente o presidente brasileiro..Por outro lado, o jornal Folha de S. Paulo noticiou nesta semana que a ONU vetou o discurso do Brasil na cúpula do clima, previsto para a véspera da assembleia geral, "porque o país não apresentou um plano que aumente o compromisso climático", diz fonte da ONU. O objetivo da cúpula convocada por Guterres é que os países aumentem a ambição e compromissos com o clima, pois o acordo firmado em Paris, em 2015, não foi o suficiente para impedir o aumento da temperatura média do planeta..A lista dos países que farão discursos na cúpula também não inclui Estados Unidos, Arábia Saudita, Japão, Austrália ou Coreia do Sul. Ao todo, 63 países devem ir ao púlpito, entre eles, França e Reino Unido..O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil teme ainda enfrentar dificuldades para organizar os tradicionais encontros bilaterais pelo facto de os chefes do Estado não desejarem ver a sua imagem associada à de Bolsonaro, hoje no papel, que no passado pertenceu a Hugo Chávez, Mahmoud Ahmadinejad ou Donald Trump, de "vilão" do evento..Reuniões bilaterais com nações como Peru, Ucrânia e África do Sul foram canceladas mas há ainda a expectativa de o país de manter conversas paralelas para fortalecer acordos económicos, como o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, assinado no dia 28 de junho..Por causa dos protestos e por estar ainda em convalescença da quarta operação em virtude da facada sofrida em campanha eleitoral há um ano, o presidente brasileiro cogitou não ir a Nova Iorque. A confirmação da visita só aconteceu, pelo porta-voz Rêgo Barros, na noite da última quarta-feira..Além de queimadas, incêndios e desmatamentos, Bolsonaro falará também na sua comunicação da diminuição de 20% da taxa de homicídios no Brasil ao longo do primeiro trimestre - numa reação às declarações de Michelle Bachelet, alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos..A ex-presidente chilena denunciara casos de violação dos direitos humanos na forma de assassínios cometidos por polícias sob o atual governo brasileiro. Bolsonaro reagiu atacando o pai de Bachelet, vítima da ditadura de Augusto Pinochet no país, mas desta vez, tal como nas indiretas a Macron, não a vai nomear para não alimentar mais polémicas. Com o presidente francês, a controvérsia começou quando o europeu apontou o dedo à política ambiental brasileira e prosseguiu com piadas de Bolsonaro e do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, à aparência da primeira-dama francesa..Outros pontos do discurso são a defesa da democracia e das instituições, para fugir da imagem de autoritarismo que construiu como deputado e já na presidência, momento em que aproveitará para atacar a Venezuela e Cuba..Bolsonaro tentará ainda durante a sua comunicação promover a aproximação à OCDE e à NATO, organizações de que o Brasil não faz parte. E pode voltar a referir-se a um objetivo histórico do país, o de integrar, como membro permanente, o Conselho de Segurança da ONU, sob o argumento de que a atual composição - China, Reino Unido, Estados Unidos, França e Rússia - não reflete a importância das nações emergentes. Para já, é apenas membro rotativo mas desde o biénio 2010-2011 que não o integra..Essa ausência é considerada, nos meios diplomáticos, a razão para o Brasil ser, tradicionalmente, o primeiro país a discursar nas assembleias gerais - seria uma forma de compensação. Outra versão para essa tradição, não escrita, é o papel decisivo de Osvaldo Aranha, que presidiu ao organismo em 1947 e 1948, na aprovação da solução do estado de Israel..Outro desejo antigo brasileiro na ONU, hoje com António Guterres no comando, é a adoção do português como língua oficial da instituição..Ao todo, cerca de 150 dos 193 países que fazem parte das Nações Unidas já confirmaram a presença dos seus chefes de Estado na assembleia geral.