O fundador da WikiLeaks, detido na prisão de alta segurança londrina de Belmarsh, enfrenta a partir desta segunda-feira um processo de extradição para os EUA. Acusado de 18 crimes do outro lado do Atlântico, relacionados com a divulgação de documentos secretos, arrisca uma pena até 175 anos de prisão caso seja julgado pelos norte-americanos. O australiano, de 48 anos, alega que em causa está a liberdade de expressão e de imprensa..A primeira fase do processo de extradição, no tribunal de Woolwich, durará uma semana, devendo a segunda fase começar apenas a 18 de maio, quando se espera que o procedimento dure mais três semanas. E qualquer decisão poderá ser alvo de recurso..Nesta semana, os advogados de Assange, que se queixam de ter pouco acesso ao seu cliente, vão alegar que não há provas contra ele, que o fundador da WikiLeaks é alvo de perseguição política por parte dos EUA e que não poderá receber um julgamento justo. Vão ainda repetir, como revelaram numa audiência prévia na semana passada, que o presidente norte-americano, Donald Trump, "ofereceu a Assange um perdão se ele negasse as ligações russas" à divulgação de e-mails democratas durante as eleições presidenciais. Uma mensagem que terá sido alegadamente transmitida pela ex-congressista Dana Rohrabacher, que visitou Assange em agosto de 2017, quando ele estava ainda refugiado na embaixada equatoriana em Londres..Assange saltou para a ribalta em 2010, quando a WikiLeaks publicou um vídeo do exército norte-americano que mostrava o ataque de um helicóptero Apache que matou uma dúzia de pessoas (incluindo dois jornalistas da Reuters) em Bagdad. É acusado pela justiça norte-americana de 18 crimes, 17 dos quais relacionados com espionagem. Entre estes inclui-se conspirar com Chelsea Manning para aceder a um computador governamental, ajudar e fomentar o roubo de informações secretas e revelar imprudentemente fontes confidenciais. Crimes que podem resultar numa pena de até 175 anos de prisão..Manning, ex-analista dos serviços militares de informação, foi detida em maio de 2010 e condenada em tribunal marcial em 2013 por espionagem, por causa das revelações da WikiLeaks. Antes de deixar a Casa Branca, o ex-presidente Barack Obama reduziu a sua pena de 35 para sete anos de prisão, mas Manning já foi várias vezes detida depois de ser libertada por se recusar a testemunhar no processo de Assange..Além do vídeo do ataque em Bagdad, as informações recolhidas por Manning permitiram divulgar um conjunto de dossiês secretos: dos registos da Guerra do Afeganistão aos da Guerra do Iraque (que revelaram que o número de mortes de civis nestes conflitos era muito maior do que o que se pensava), passando pelo Cablegate (a divulgação de documentos diplomáticos norte-americanos que deixou a nu a forma como os EUA viam inimigos e aliados) e pelo Manual de Instruções para o Centro de Detenções de Guantánamo. Mais recentemente, em 2016, a WikiLeaks divulgou os e-mails da campanha presidencial democrata..Segundo os seus apoiantes, em causa está a liberdade de expressão e de imprensa. "[Uma condenação] vai estabelecer um precedente de que se tu és um jornalista que faz alguma coisa que ofende qualquer governo do mundo, então enfrentas a possibilidade real de ser extraditado para esse país", indicou um deputado australiano, Andrew Wilkie (independente), que visitou Assange nesta semana.."Este é um caso político e o que está em jogo não é só apenas a vida de Julian Assange. É sobre o futuro do jornalismo", acrescentou, considerando que o australiano enfrenta uma "pena perpétua que se pode dizer que é uma sentença de morte" e pedindo ao primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, que trave o processo..A cumprir pena no Reino Unido.O fundador da WikiLeaks está a cumprir 50 semanas de prisão no Reino Unido (onde neste sábado teve lugar uma manifestação em seu apoio) por ter violado os termos da sua liberdade condicional no processo em que estava a ser investigado pela Suécia referente a crimes sexuais. Em 2012, Assange optou por se refugiar na Embaixada do Equador em Londres em vez de enfrentar o processo de extradição para a Suécia (sempre alegou que o objetivo final era ser entregue à justiça dos EUA), mas em 2019 o novo presidente equatoriano, Lenín Moreno, revogou a autorização de asilo que lhe tinha sido concedida pelo antecessor, Rafael Correa, e o australiano foi preso a 11 de abril..Depois de ele sair da embaixada, a Suécia reabriu a investigação às acusações de que teria violado uma mulher durante uma visita ao país. Assange sempre negou as acusações e o processo seria fechado pelas autoridades suecas em novembro de 2019..Na prisão de alta segurança de Belmarsh, onde está detido, Assange passou tempo em isolamento na ala médica, sendo contudo transferido para junto de outros presos após a pressão da sua equipa de defesa e até de outros reclusos..Mais recentemente, um grupo de mais de uma centena de médicos de 18 países apelou ao fim da "tortura psicológica e negligência médica" de que Assange tem sido alvo, depois de o relator especial das Nações Unidas para a Tortura ter visitado o australiano. Nils Melzer escreveu no seu relatório que Assange apresentava sinais de exposição prolongada a tortura psicológica, incluindo stress, ansiedade crónica e trauma psicológico..Numa das vezes que apareceu em tribunal, em outubro, estava visivelmente afetado, com dificuldades até em lembrar-se do nome e d idade e dizendo-se incapaz de pensar corretamente. Contudo, a sua saúde terá melhorado desde então, depois de ter sido transferido para uma cela normal..Apesar de ter nacionalidade australiana (renovou o passaporte em 2018), Assange tem rejeitado a assistência do governo australiano, temendo que este passe informação aos serviços de informação norte-americanos.