Trump transformou Mar-a Lago num clube privado. Agora vizinhos não o querem lá

O presidente norte-americano ainda não reconheceu a derrota mas já estará a fazer planos para se mudar para Palm Beach, na Florida. O problema é que o acordo que assinou em 1993 impede que transforme o seu clube na sua residência oficial.
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Todos os dias, cerca de 800 pessoas começam a chamar "casa" ao estado da Florida, muitas delas reformados que vêm atrás do calor e das facilidades fiscais (mais de 20% da população tem mais de 65 anos). A 20 de janeiro de 2021, entre esses 800 poderá estar o presidente norte-americano, Donald Trump. Mas os seus planos de viver em Mar-a-Lago, o seu clube em Palm Beach, podem esbarrar na recusa dos vizinhos em o ter lá.

Nesta quarta-feira, Trump começou as suas férias de Natal voando para a chamada "Casa Branca de inverno". Os seus apoiantes em Palm Beach terão recebido um e-mail na segunda-feira que os convidava a "saudá-lo quando ele tirar uma dúzia de dias de férias na sua casa de inverno antes de começar o segundo mandato".

Trump ainda não reconheceu oficialmente a sua derrota para o democrata Joe Biden e também por isso ainda não se sabe quais são os seus planos para o futuro. Mas existem sinais de que Mar-a-Lago poderá ser o seu destino: a zona destinada à família terá tido obras e a primeira-dama, Melania Trump, estará a ver escolas para Barron Trump, o filho de 14 anos de ambos (a escolhida terá sido a exclusiva Pine Crest, em Fort Lauderdale, a 40 minutos, que custa 35 mil dólares por ano).

O problema é que o presidente terá assinado, em 1993, um acordo com as autoridades locais, que lhe abriu a porta transformar a antiga mansão da empresária e filantropa Marjorie Merriweather Post num clube privado. Uma das cláusulas estipula que nenhum dos membros do clube pode ficar no espaço durante "três períodos de sete dias não consecutivos durante um ano". O mesmo acordo proibia a construção de um heliporto, cujo uso acabaria por ser autorizado, mas apenas durante o período que Trump estivesse na presidência.

Trump terá assinado um segundo acordo, em 2002, com o Fundo Nacional para a Preservação Histórica (uma organização sem fins lucrativos destinada a preservar locais históricos), transferindo os direitos de desenvolvimento da propriedade. Obteve novamente benefícios fiscais em troca da promessa de "abdicar para sempre do direito de desenvolver ou usar a propriedade para outra coisa que não um clube".

O advogado da família DeMoss, que tem uma propriedade ao lado de Mar-a-Lago, já enviou uma carta aos serviços secretos - alguns dos membros já terão sido questionados sobre a possibilidade de se mudarem para a Florida - e às autoridades locais a lembrar isso. E reiterou que nos últimos anos Trump já tem violado várias vezes o acordo, para desagrado dos vizinhos que tiveram de lidar com o caos ao nível de tráfego e de ruído, mas que nada foi feito porque ele era presidente.

"Ao abrigo do acordo de 1993, Mar-a-lago é um clube social e ninguém pode residir na propriedade", lê-se na carta do advogado Reginald Stambaugh, citada pelo The Washington Post, pedindo às autoridades locais que lembrem isso mesmo a Trump "para evitar uma situação embaraçosa para todos e dar ao presidente tempo para fazer outros planos na área. E acrescenta: "Palm Beach tem muitas propriedades maravilhosas à venda e certamente que ele poderá encontrar uma que se adeque às suas necessidades."

Ao jornal The Miami Herald, o gerente da localidade, Kirk Blouin, confirmou ter recebido vários pedidos de informação sobre o facto de Trump querer fazer de Mar-a-Lago a sua residência depois de deixar a presidência. "A cidade não conhece as intenções do presidente a este respeito e não tem provas que apoiem tal afirmação. Se e quando a cidade souber, de facto, que o presidente Trump planeia viver em Mar-a-Lago, irá tratar do assunto de forma apropriada nessa altura", acrescentou.

No ano passado, Trump mudou a sua residência fiscal de Nova Iorque, onde nasceu e vivia antes de vencer as presidenciais, para a Florida, onde já votou neste ano, precisamente porque neste estado não tem de pagar impostos estaduais sobre o rendimento nem o imposto sucessório. Trump queixou-se de ser "maltratado" pelos líderes políticos da cidade e do estado, sendo que estes desejaram-lhe boa viagem: "Não é que Trump tenha pagado impostos aqui de qualquer maneira", disse por exemplo o governador Andrew Cuomo.

Construída em 1927 numa mistura de estilo espanhol, português, veneziano e mourisco, a propriedade de oito hectares da antiga herdeira Marjorie Merriweather Post (antiga dona da General Food Inc) fica em Palm Beach, num pedaço de terra entre o oceano e o lago Worth. Daí o nome Mar-a-Lago (do espanhol).

A propriedade de 114 quartos, que inclui uma torre de mais de 22 metros de altura e 36 mil azulejos (alguns datados do século XV), foi comprada por Trump em 1985, por dez milhões de dólares. Post tinha morrido em 1973 e o clube tinha passado para o governo federal, para ser usado como um retiro diplomático ou presidencial, mas os custos de manutenção obrigaram à venda.

Após dez anos como residência privada, Trump transformou o espaço num clube em 1995. Os seus membros (no máximo 500 segundo os acordos com a cidade, mas não existem dados há quatro anos e desde que Trump chegou à presidência houve um interesse redobrado) pagam anualmente cerca de 200 mil euros. Podem usufruir de piscina, spa, campos de ténis e de croquet ou dos salões de festas. A cinco minutos de distância fica um dos campos de golfe do presidente.

A "Casa Branca de inverno", como foi apelidada, recebeu vários líderes políticos, como o presidente chinês, Xi Jinping, em 2017, ou o então primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, em 2018. O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, também jantou lá, em março deste ano, num encontro que terminou com vários membros da delegação brasileira com covid-19.

Mas Donald e Melania Trump não são os únicos da família a mudar-se para a Florida. Ivanka Trump, a filha mais velha do presidente norte-americano, comprou uma parcela de terreno em Indian Creek, uma ilha exclusiva em Miami Beach, ligada a esta por uma única ponte. Fica a pouco mais de uma hora de distância de Mar-a-Lago.

O lote de 7200 metros quadrados na ilha exclusiva pertencia ao cantor Julio Iglesias, que comprou há muitos anos uma casa e várias parcelas de terreno com a intenção de os filhos construírem nelas as suas residências. A filha do presidente e o marido, Jared Kushner, terão pagado 30 milhões pela propriedade.

A ilha exclusiva tem apenas 34 casas, todas viradas para a água, estando no centro um campo de golfe. Além de Ivanka, os mais recentes moradores são a modelo brasileira Gisele Bündchen e o marido, o jogador de futebol americano Tom Brady. Mas já viveram lá Beyoncé e Jay Z ou Ricky Martin. O local tem segurança privada e só podem entrar residentes ou convidados.

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