Aviões a 100%. Expliquem-me, como se eu fosse uma criança

Publicado a
Atualizado a

As mensagens para que mantenhamos a distância social proliferam em todos os meios e serviços, e bem, uma vez que se teme uma segunda vaga de contágio à medida que o desconfinamento avança. Agravamento das situações de contágio como a da Azambuja devem manter-nos alerta. O plano tem de continuar a ser gradual e prudente.

Todos os setores preparam-se, o melhor que podem, para tirar a economia do ventilador. Os hotéis lutam pelo selo Clean & Safe. O pequeno comércio e os restaurantes cumprem as regras e têm fiscalização permanente aos dois metros de distância entre mesas, no interior dos estabelecimentos (exceção feita para as esplanadas, sem limitações). É louvável o esforço dos hoteleiros, dos lojistas e dos empresários da restauração para garantir formas seguras de servir os clientes.

Também as construtoras, e muitas delas nunca pararam, fizeram um esforço de adaptação e passaram a ter custos superiores no transporte dos trabalhadores, optando por aumentar o número de carrinhas em circulação e limitando o número de pessoas por cada veículo, a fim de evitar o contágio.
Teatros, cinemas e outras salas de espetáculo também estão a fazer tudo para se ajustarem e abrirem em junho. Irão prescindir de muitas receitas por não ser permitida a lotação completa.

Nas praias, as normas serão apertadíssimas. Além da toalha de banho e do chapéu de sol, a partir de 6 de junho os banhistas terão de levar um livro de instruções com 78 normas. Entre elas estão a distância de dois metros, o limite de pessoas por chapéu de sol, a não permissão para jogar raquetes de praia, etc. A lista é extensa e ainda haverá semáforos a dificultar a vida aos veraneantes.

Estes são apenas alguns exemplos dos esforços que são pedidos a vários agentes económicos, e aos cidadãos, e que até aqui têm sido bem atendidos.

Se não pode haver exceções (apesar de já termos assistido a um 1.º de Maio excecional), expliquem-me, como se eu fosse uma criança, por que razão o Governo recuou e permite agora que os aviões transportem a lotação máxima de passageiros? Um avião não será mais seguro do que uma praia.

Um avião também não é uma esplanada, mas um sítio fechado - como é um restaurante e no qual são obrigatórios os dois metros de distância. Permitir a lotação máxima num avião significa, como sabe quem habitualmente viaja neste meio de transporte, voltar à chamada "lata de sardinha", com os passageiros colados uns aos outros e a respirar um ar forçado, durante horas a fio. E é contraditório encontrar outdoors espalhados pelos aeroportos a apelar ao "distanciamento social" e, afinal, dentro da aeronave vai tudo junto, como era no "velho normal".

Permitir a lotação máxima nos aviões é uma decisão que poderá traduzir-se num erro, com um custo caro a pagar já num futuro próximo. Por outras palavras, corrobora esta minha convicção o médico Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública e médico de epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Abrir esta porta ao contágio por coronavírus é também ir contra todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

O Governo estará a dar o seu melhor no combate à pandemia e a crescente popularidade do primeiro-ministro revela o reconhecimento de uma boa parte da população. Mas é preciso ter muita cautela, pois nunca, como agora, economia e saúde tiveram tantos vasos comunicantes.

É fácil compreender o sufoco em que vivem hoje as companhias aéreas e é fácil imaginar as fortes pressões que essas companhias estarão a exercer sobre o Governo português e sobre as autoridades europeias para uma reabertura a 100%, mas é muito difícil entender esta medida. Nos céus não vale tudo.

Jornalista

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt