Aproximação de Costa a Macron expõe divisões dentro do PS

Há quem não goste no PS das aproximações de Costa a Macron. Pedro Nuno Santos, guardião no PS do espírito da geringonça, verbalizou-o, na terça-feira. Na quarta, o cabeça-de-lista do PS atacou os parceiros da geringonça.
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"Precisamos de construir uma grande coligação de democratas e progressistas."

Ou dito por outras palavras: "Ao nível europeu, é absolutamente necessário edificar uma aliança progressista e democrática no momento em que a extrema-direita está a construir a sua internacional."

Ou ainda: "Temos de trabalhar em conjunto na Europa e garantir que, a partir da próxima segunda-feira, entre as diferentes famílias políticas, há capacidade de diálogo que permita uma grande união entre democratas e progressistas na Europa [...] Quando vemos a extrema-direita a construir uma internacional à escala europeia, é tempo de compreender que independentemente das diferenças entre uns e outros, todos os democratas e progressistas sejam capazes de ter uma visão comum que responda de uma forma positiva aos anseios e necessidades dos cidadãos."

Enfim: "Temos de ter um diálogo com toda a gente, e enquanto primeiro-ministro de Portugal eu falo com todos os que se sentam no Conselho Europeu porque é assim que tem de se produzir o diálogo e construir as soluções políticas [...] A Europa, hoje, está muito pulverizada em termos políticos." E "da mesma forma, enviei uma mensagem a Alexis Tsipras [primeiro-ministro grego do Syriza], é preciso construir no seio do Conselho Europeu uma grande frente para o futuro da Europa".

Tudo isto foi dito por António Costa em Paris, falando lado a lado com o presidente francês Emanuel Macron - que o recebeu de braços abertos, acolheu positivamente a ideia da tal "grande aliança" e até o sublinhou, em português (versão Google Translate...), na sua página pessoal no Facebook.

Tantas aproximações fizeram soar os alarmes nos setores mais à esquerda do PS - setores de que Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e ex-secretário de Estados Parlamentares, é agora o líder incontestado.

Putativo candidato à sucessão de Costa na liderança do PS quando a altura chegar, Pedro Nuno Santos aproveitou um comício do partido na terça-feira à noite em Aveiro para lançar o aviso, sob a forma de pergunta: "O que ganhou o movimento socialista europeu com uma aproximação ao centro, com uma adesão ao liberalismo, com uma indiferenciação face ao centro-direita?"

E deu a resposta: "Em muitos países os partidos socialistas eram fortes e praticamente desapareceram. Apesar de termos dos mais elevados níveis de adesão em toda a Europa, nós também cometemos erros, desde logo as privatizações que fizemos durante anos."

Isto é: "Uma resposta liberal não diminuirá o populismo, mas, pelo contrário, aumentará a insegurança, a incerteza e o medo - fatores dos quais se alimenta o extremismo de direita."

Isto foi na terça-feira. Ontem, em campanha pelo seu distrito natal, Setúbal - que é também o distrito do país onde o PCP tem mais força -, Pedro Marques, o cabeça-de-lista do PS ao Parlamento Europeu, fez algo que nunca tinha feito na campanha: criticou os parceiros do PS na geringonça.

"O PCP fala explicitamente em saída do euro e o Bloco de Esquerda, por via de Catarina Martins, falou em preparação para a saída do euro. Por isso, gostava de dizer aos portugueses que a saída do euro é a desvalorização das nossas pensões, dos salários e dos nossos depósitos bancários", afirmou, num almoço com apoiantes no Barreiro. "É preciso explicar aos portugueses que essas ideias que parecem simples, como falar da saída do euro, podem representar um grande perigo."

Antes já tinha afirmado que "à nossa esquerda havia quem dissesse que rasguem os compromissos com a Europa, não cumpram os tratados orçamentais, não cumpram as regras europeias, caso contrário não conseguiremos fazer nada". Mas - assegurou - "o PS é sempre o guardião da responsabilidade orçamental, provando ao mesmo tempo que é possível mais emprego, menos pobreza e com as contas em ordem" e "isso está a crédito do PS - e nem a esquerda nem a direita podem reclamar para eles esse património, que é deste governo e de António Costa".

Numa aparente indireta a Pedro Nuno Santos, afirmaria ainda: "Quando ouço fazer perguntas sobre onde está o PS em matéria de coligações, digo que estamos coligados com a Europa. Estamos onde sempre estivemos: Somos o partido de Mário Soares."

Ao mesmo tempo, Marques fez também questão de defender a ideia da "grande coligação" nos exatos termos em que António Costa o tem vindo a fazer. "Temos de construir uma coligação de europeístas contra a extrema-direita, contra os nacionalistas, contra a xenofobia. Essa coligação pode incluir gente da minha família política, gente da família conservadora, gente da família liberal, desde que não se passe essa barreira da xenofobia da extrema-direita, dos nacionalismos."

A grande aliança progressista proposta por Costa já provocou reações de outros partidos. Paulo Rangel (PSD) disse que Costa "tem dois amores", a geringonça em Portugal e os liberais na Europa. Já Marisa Matias (BE) preferiu salientar que concorda com Pedro Nuno Santos mas não com o líder do PS.

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