Desperdícios
Uma escritora irreverente (e de direita, já agora) disse num almoço que, antes do 25 de Abril, quem comia bem eram os pobres, pois podiam deliciar-se com um entrecosto enquanto os ricos eram desgraçadamente alimentados a soufflés e empadões. Perdoe-se-lhe a desfaçatez com o sentido de humor. Efectivamente, eram tempos em que se trocavam os punhos e os colarinhos das camisas para durarem mais um ano e Salazar mandava virar os fatos do avesso quando começavam a ficar coçados do direito. Em nossa casa - e vivíamos sem austeridade - éramos, no mínimo, sete à mesa e, como tal, praticava-se essa cultura de aproveitamento que produzia refeições incríveis com as sobras da véspera: fatias recheadas com carne, passadas por ovo e farinha e depois fritas; pastelão com frango desfiado; pudim de peixe; batatas e tomates no forno com picado - enfim, um sem-número de receitas que evitavam desperdício alimentar e faziam jus à expressão "economia doméstica". Além disso, bebia-se água da torneira (refrigerantes às refeições?); lanchava-se pão com manteiga (as bolachas estavam guardadas numa lata e eram distribuídas com parcimónia); comia-se sobremesa apenas aos domingos; e, uma vez por outra, lá se levava para a escola uma sombrinha de chocolate dentro da bolsa do guardanapo de pano com o nome bordado. Também por isso, quando havia festas, sabiam melhor os pãezinhos de leite com fiambre, as sanduíches de queijo em triângulos, os suspiros, a mousse, os petit fours, o pudim flã e aquele bolo com cobertura de glacé no qual se espetavam as velas.
Hoje - que andamos todos a correr - já quase não se faz novo com o velho; e, não havendo paciência para comer dias seguidos a mesma coisa, na maioria das vezes deita-se fora. Cozinha-se uma peça de carne para, logo a seguir, a (des)fazer em croquetes; e os miúdos levam para a escola bolachas embaladas três a três, sumos e leites em pacotes individuais com palhinha de plástico, guardanapos de papel, em suma, toda uma cultura de desperdício. E, se a variedade de produtos à mão podia constituir a grande vantagem do presente, também não sei se compensa...
Na festa de uma pirralha de 7 anos, a mãe esmerou-se com uma mesa a abarrotar de delícias, mas as meninas depenicaram a gelatina de morango e pouco mais - um desperdício. Espantada, perguntei a uma delas se almoçara tarde e estava sem fome. Fez que não com a cabeça e explicou-me, com ar grave, que não queria engordar por nada deste mundo. Aos 7 anos? Adeus, futuro.
Editora e escritora. Escreve de acordo com a antiga ortografia.