A Catalunha perdeu o lugar de maior potência regional da economia espanhola, vendo-se agora ultrapassada pela Comunidade de Madrid. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgados na última sexta-feira pela imprensa espanhola, o produto interno bruto da capital ascende agora aos 230,794 milhões de euros, contra os 228,682 milhões da comunidade liderada por Barcelona. Desde 2012 que a Catalunha figurava, anualmente e sem exceção, como a comunidade com a economia mais rica de Espanha. E é apenas a terceira vez, desde o ano 2000, que Madrid ascende à primeira posição..Se os dois mil milhões de diferença no PIB já são significativos, a troca de lugares tem uma relevante expressão política e simbólica, na medida em que a queda da economia da Catalunha acontece na sequência do processo de independência lançado pelo governo catalão com o referendo a 1 de outubro de 2017, que viria a culminar na declaração de independência unilateral da Catalunha (embora com efeito suspenso)..A economia. A região mais rica de Espanha.Com cerca de 7,5 milhões de habitantes (12% da população espanhola), a Catalunha vale 19% do PIB total de Espanha - um quinto da riqueza do país. Para se ter uma ideia, o PIB da Catalunha é superior ao português, que em 2018 foi de 201,612 milhões de euros..Mesmo que Madrid não se distancie muito, a região que tem como capital Barcelona tem sido a mais rica de Espanha ao longo dos últimos anos. E esta não é uma questão menor - a partilha de recursos com o restante território espanhol é um dos argumentos usados em defesa da independência da Catalunha, com muitos independentistas a advogarem que os recursos da região devem ser reinvestidos na própria comunidade..O processo que culminou com a declaração unilateral de independência por parte de Carles Puigdemont, então presidente do governo regional e hoje exilado na Bélgica, não será de todo alheio ao abrandamento da economia catalã. Na sequência da consulta popular - considerada ilegal pelo Tribunal Constitucional espanhol ainda antes da sua realização -, muitas empresas terão abandonado a Catalunha, fragilizando a economia regional..Pouco mais de um mês depois do referendo, o El País noticiava que mais de mil empresas tinham mudado a sede fiscal para outras regiões de Espanha. Nas semanas posteriores à consulta, o ritmo terá chegado a atingir a saída diária de 60 a 80 empresas. As vendas declaradas pelas empresas sediadas na região caíram três pontos percentuais na segunda semana de outubro..Segundo avança o mesmo jornal nesta sexta-feira, desde o último trimestre de 2017 o PIB catalão ficou sempre abaixo da média do país, quando no ano anterior se situava nos 3,4%, acima dos 3% do todo nacional. E a tendência manteve-se ao longo de 2018. Isto enquanto Madrid mantém uma tendência de subida ininterrupta desde 2016..Também a criação de emprego mostra uma travagem brusca no final de 2017, novamente em sentido contrário ao crescimento que se verificava em Madrid..E o mesmo aconteceu com o turismo, um dos setores-chave da economia catalã, que representa 12% do PIB da região. A instabilidade política e social que se instalou após o referendo, com gigantescas manifestações que várias vezes ficaram marcadas por episódios de violência - e que voltaram a ganhar expressão recentemente, após a condenação dos líderes separatistas a pesadas penas de prisão -, parecem ter afastado um número considerável de turistas de Barcelona e da Catalunha. Logo em novembro de 2017 o número de visitantes caiu 2,3% em comparação com o período homólogo do ano anterior - foi o pior novembro no turismo catalão desde 2014. Neste mesmo mês, a Espanha registava um aumento de 7,4%. Madrid e a Comunidade Valenciana registaram acréscimos acima dos 10%..A política. Uma história de séculos de rivalidade.O antagonismo entre a Catalunha e Madrid perde-se no tempo, com a capital espanhola a representar para os catalães o centralismo que sempre travou as aspirações de autonomia e independência da região..Em 1640 - precisamente no mesmo ano que os portugueses - os catalães rebelaram-se contra a coroa espanhola. A rebelião haveria de durar 12 anos, e a Catalunha chegou a ser, nesses anos, uma república autónoma sob proteção francesa. Mas o ano de 1652 marcou o fim da revolução, com a Espanha a reocupar o território..Foi com esta memória que a Catalunha apoiou os Habsburgos contra os Bourbons de Felipe V na Guerra da Sucessão espanhola. Um apoio ao pretendente derrotado que viria a sair caro a Barcelona, com um cerco à cidade (em 1713-14) que terá provocado perto de 20 mil mortos e a posterior supressão do Parlamento, proibição do uso do catalão nas instituições do Estado e a abolição de qualquer sinal de autonomia..O século XIX marcou o reflorescimento da Catalunha, quer em termos económicos quer em termos culturais, com o nacionalismo catalão a ganhar expressão. A região voltou a ganhar alguma autonomia durante a II República espanhola, no início dos anos 30, mas foi sol de pouca dura. Em 1936, Barcelona estava ao lado das forças republicanas contra as tropas do general Franco - foi, aliás, um dos grandes bastiões da resistência - e, novamente do lado dos derrotados, viu o regime franquista suprimir todos os sinais de autonomia. A língua catalã foi novamente proibida, uma imposição que só viria a ser revogada pelo regime democrático..Hoje, a questão catalã ameaça mesmo ter implicações na formação do novo governo de Madrid. Ou não dependesse Pedro Sánchez, apesar do acordo com o Podemos, da abstenção da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) para conseguir ser investido primeiro-ministro. Ora, a ERC suspendeu as negociações com os socialistas após um tribunal do Luxemburgo ter decretado na semana passada que Oriol Junqueras, líder da ERC, tinha imunidade como eurodeputado desde o momento em que foram proclamados os resultados eleitorais e devia ter sido libertado quando estava em prisão preventiva..Real Madrid vs. Barcelona. Muito para lá do futebol.É o grande espelho da rivalidade entre a Catalunha e a capital espanhola - os jogos entre o Real e o Barcelona transcendem em muito o futebol. Se alguma dúvida houvesse, a partida que opôs as duas equipas na última quarta-feira tê-las-ia desfeito: 4000 efetivos foram mobilizados para o Camp Nou, face à ameaça de o estádio se transformar num palco de contestação contra a condenação de vários dirigentes catalães a penas de prisão efetiva até 13 anos, devido à organização do referendo de 1 de outubro, uma sentença que levou a protestos em massa na cidade..Os independentistas catalães, através do movimento que recebeu o nome de Tsunami Democràtic, exigiram que o Barcelona aceitasse a exibição de faixas pró-separatistas na relva e nas bancadas do recinto sob a ameaça de bloquear o acesso ao estádio. "É muito fácil que o jogo decorra normalmente: garantindo a presença do [slogan] #SpainSitAndTalk nas bancadas e no campo. Essa é a proposta que fizemos ao Barcelona Football Club", escreveu o movimento no Twitter..Desde há muito que a política também entra em campo quando Barcelona e Real se defrontam. Em 1941, na sequência da vitória de Franco na Guerra civil espanhola, o Barcelona viu-se obrigado a mudar o nome (que teve de passar de catalão para castelhano) e o símbolo. Em 1936 uma milícia franquista tinha executado o presidente do clube, Josep Sunyol, que era também membro da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC)..Outro episódio que pouco contribuiu para as boas relações entre os dois clubes foi a transferência de Alfredo Di Stéfano. O argentino, que viria a transformar-se numa lenda do Real Madrid, chegou a disputar alguns jogos particulares com a camisola do Barcelona, mas o Real reclamava também direitos sobre o jogador, e o ministro dos desportos do regime decidiu que Di Stéfano jogaria alternadamente nos dois clubes, quatro anos num, quatro anos noutro. O Barcelona recusou e Di Stéfano viria a jogar 11 temporadas no Santiago Bernabéu, colocando o Real no topo do futebol espanhol e europeu..Já no início do milénio um português sentiu na pele todo o desagrado com que os adeptos barceloneses olham para o Real Madrid, um espelho da forma como veem a capital de Espanha. Luís Figo, então um ídolo em Camp Nou, protagonizou em 2002 o que foi então a maior transferência no futebol, mudando-se para o Real Madrid. Um gesto sem perdão para os catalães, que colaram a Figo o epíteto de "pesetero", brindando-o com constantes assobios quando pisou Camp Nou com a camisola do Real - até uma cabeça de porco foi atirada para o campo..Muito recentemente, já na sequência do referendo de 1 de outubro, foi o defesa catalão Gerard Piqué a sentir a ira dos adeptos, neste caso da seleção espanhola. Depois de se ter manifestado publicamente a favor do referendo na Catalunha e de ter criticado a atuação das forças de segurança, que no dia da consulta investiram sobre grupos de pessoas que se preparavam para votar, Piqué - campeão mundial e europeu por La Roja - foi recebido com vaias, gritos e insultos nos treinos da seleção. "Piqué, cabrão, esta é a tua nação" foi um dos "mimos" que lhe foram dedicados.