Quase uma semana passada sobre as declarações de António Ventinhas, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, na SIC Notícias (na terça-feira) e reiteradas na Sábado no dia seguinte - acusando PSD, PS e "os políticos" em geral de quererem "exercer represálias" sobre o MP devido "às investigações que visaram pessoas colocadas nos patamares mais elevados da nossa sociedade", e considerando tratar-se as ditas "represálias" de "uma reação normal do poder político ao combate à corrupção" -, não se ouviu dos partidos ou do PR um ai..Entendamo-nos: estar de acordo ou em desacordo com a proposta do PSD de alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) - que desencadeia a fúria de Ventinhas - é para o caso irrelevante. O ponto é que o sindicalista correu todos os políticos com o labéu de corruptos ou mandatários de corruptos. Incluindo, naturalmente, o PR..destaqueEstar de acordo ou em desacordo com a proposta do PSD de alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público - que desencadeia a fúria de Ventinhas - é para o caso irrelevante. O ponto é que o sindicalista correu todos os políticos com o labéu de corruptos ou mandatários de corruptos. Incluindo o PR.esquerda.E porquê? Passo a explicar. O CSMP tem 19 membros. Desses, cinco são-no por inerência: a procuradora-geral da República, que preside, e quatro procuradores-gerais distritais. Dos restantes 14, sete são magistrados do MP eleitos pelos pares; dois são nomeados pelo Ministério da Justiça e cinco eleitos pela Assembleia da República..Temos pois 12 magistrados. Na composição atual, todos os outros membros são também juristas; seis advogados e uma ex-juíza do Tribunal Constitucional e penalista da Faculdade de Direito de Coimbra (nomeada pela ministra da Justiça). Dos advogados, três não têm atividade política conhecida e os outros três são um ex-ministro num governo PS, um ex-deputado do PSD e um ex-candidato a eurodeputado nas listas do PCP..Na proposta do PSD, o conselho passaria a ter uma maioria de membros designados por órgãos com legitimidade democrática. Para tanto, os procuradores-gerais distritais deixariam de ter nele assento e o MP elegeria seis membros, em vez dos atuais sete..O parlamento passaria a eleger seis (são cinco agora) e o Presidente da República designaria dois. O Ministério da Justiça manteria os dois e a procuradora-geral, que continuaria a presidir, nomearia outros dois. Haveria pois 11 membros designados por órgãos com legitimidade democrática - incluindo a procuradora, que, relembre-se, é indicada pelo governo e nomeada pelo PR - e oito eleitos pelo MP e designados pela procuradora..Naturalmente, nada impediria que o presidente nomeasse magistrados (tem sido tradição fazê-lo no Conselho Superior de Magistratura, órgão similar para a judicatura) ou que a procuradora designasse não magistrados. Num entendimento saudável da vida em democracia, essa possibilidade deveria estar presente na apreciação da proposta do PSD. Mas Ventinhas - e pelos vistos a procuradora-geral, Lucília Gago, que ameaçou, em nome da "autonomia do MP", demitir-se caso a proposta vá para a frente - vive em lógica de barricada: de um lado os procuradores, puros, sérios, incorruptíveis; do outro os órgãos democráticos, coio de corruptos..Sendo a "maioria de nomeados por políticos" na proposta social-democrata apenas de mais um, é óbvio que a acusação de compadrio com corruptos lançada pelo sindicalista atinge tanto os partidos como o PR. Como compreender então o silêncio deste e daqueles?.Diga-se aliás de passagem que as declarações de Ventinhas não atingem só a honorabilidade dos representantes eleitos pelo povo, já que o CSMP não tem qualquer modo de intervir em investigações concretas ou de determinar prioridades gerais. Ao argumentar que ao nomear dirigentes do MP vai impedir a continuação do combate à corrupção está a dizer que a capacidade de cada procurador para fazer o seu trabalho com respeito pela verdade e aplicando a lei depende exclusivamente do que a hierarquia quer. Ou seja, que são paus-mandados, sem qualquer autonomia nem consciência profissional - e, a ser assim, o problema será não o CSMP mas o próprio corpo de funcionários que Ventinhas representa..destaqueNão se trata de um qualquer "colete amarelo" aos berros no Marquês, a vociferar insultos aos políticos e que "é só corruptos". É o detentor da ação penal que pela voz do seu representante sindical o faz, com o aparente respaldo da procuradora. O que, sendo assim, não é só difamante e injurioso; traz em si uma ameaça implícita. E como se constata pelo silêncio do PR e partidos, a ameaça funciona.centro.Também por isso deveria haver uma reação enérgica e dura do poder democrático: não se pode admitir que tal descrédito do sistema judicial fique sem resposta. É que não se trata de um qualquer "colete amarelo" aos berros no Marquês, a vociferar insultos aos políticos e que "é só corruptos". É o detentor da ação penal que pela voz do seu representante sindical o faz, com o aparente respaldo da procuradora. O que, sendo assim, não é só difamante e injurioso; traz em si uma ameaça implícita - porque se alguém cuja função é perseguir criminosos apelida de criminosos, por princípio, todos os que desenvolvem atividade política, não só é claro que não tem condições para ser rigoroso e imparcial quando tenha de investigar um caso que os envolva como temos de suspeitar que se encarnice em conferir densidade às suas imputações..Mas, como se constata pelo silêncio de PR e partidos, a ameaça funciona. Se o terror do PS, fragilizado pelo caso Sócrates, já não surpreende (por lamentável e exasperante que seja), o do PR e dos outros partidos, misturado com oportunismo, é evidência de que é mesmo preciso fazer alguma coisa em relação ao Ministério Público. Quem nesta semana se congratulou por o populismo não ter ainda chegado a Portugal desengane-se: temos o sistema democrático bloqueado pelos coletes amarelos do MP.