O presidente da Comissão Europeia recebeu na quarta-feira a primeira-ministra britânica, a poucos dias da cimeira em que deverá ser dado o aval político ao acordo de retirada do Reino Unido da União Europeia (UE)..Theresa May falhou a pontualidade britânica, tendo chegado ligeiramente atrasada ao encontro para negociar os termos da declaração política, a partir da qual será trabalhada a futura relação entre Londres e o bloco europeu. O texto dessa declaração, porém, ainda não existe, devendo apenas estar concluído no final desta semana, sexta-feira, na reunião dos representantes dos líderes europeus, na qual será ultimado o Conselho Europeu de domingo..A primeira-ministra britânica deixou Bruxelas muito satisfeita com a "ótima reunião" e com a promessa de voltar "no sábado" para conversar com Jean-Claude Juncker. "Espero que sejam capazes de resolver os problemas remanescentes e que o trabalho comece imediatamente", afirmou May, numa declaração oficial distribuída por escrito, no final da reunião em Bruxelas, sem concretizar quais as "questões pendentes" a que se refere. "Demos orientações suficientes aos nossos negociadores para que possam resolver os problemas restantes", declarou..May espera que a declaração sobre as relações futuras - um documento político de cerca de 20 páginas, que deve ser aprovado lado a lado com o acordo de saída de 585 páginas - ajude a conquistar apoio suficiente em Londres..Texto inexistente.O dado mais concreto sobre as negociações, para os termos da declaração política, partiu do comissário do Euro, Valdis Dombrovskis. "Sem mais pormenores", Dombrovskis adiantou que o texto da declaração política, na realidade, "ainda não existe"..Até ao Conselho Europeu de domingo, a Comissão deverá "dar luz verde" ao texto dessa "declaração política sobre a futura relação". Recorrendo a uma expressão que lhe é conhecida, nas inúmeras vezes que pediu esforços estruturais aos países, Dombrovskis rematou com "We are not there yet", isto é, "ainda não estamos nesse ponto", neste caso, referindo-se à aguardada declaração..O ponto dedicado ao Brexit, na reunião semanal do colégio de comissários, resumiu-se por isso a uma exposição do negociador chefe da União Europeia para o Brexit sobre o atual estado das negociações..A declaração terá de estar fechada na sexta-feira, na reunião dos negociadores. Já nesta quinta há uma primeira reunião de representantes de cada país. "Claro que teremos de a apreciar antes de ser aprovada", lembrou Dombrovskis, advertindo indiretamente para a urgência em fechar um acordo sobre o documento que - a par do texto para a retirada - também terá de ser objeto de aprovação política, na cimeira de domingo. "A Comissão fica [por isso] preparada para apreciar o texto e tomar medidas a todo o momento", disse o comissário..Gibraltar atravessa-se no caminho.Um dos temas sobre o quais Juncker e May trocaram impressões foi sobre o diferendo de Gibraltar, já que o presidente da Comissão estaria interessado em que a situação não inflamasse mais..O ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros, Josep Borrell, reiterou na quarta-feira que Madrid não dará apoio ao acordo sem garantias de que as conversações sobre os futuros laços entre o Reino Unido e a União Europeia não incluam Gibraltar, "que esta seja uma negociação à parte". E que a questão fosse tratada no encontro entre a chefe do governo britânico e o presidente da Comissão. Na segunda-feira, apurou o DN, houve contactos ao mais alto nível entre Berlaymont e Moncloa..Se a Espanha se recusasse a subscrever o acordo no domingo, o processo seria interrompido por falta de consenso e teria de existir negociações adicionais. Não é de esperar que o Conselho Europeu extraordinário continue agendado para domingo se até lá as arestas não forem limadas. O Conselho Europeu foi convocado para demonstrar o compromisso de ambos os lados..Um diplomata comentou à Reuters: "Acompanhamos os últimos desenvolvimentos com crescente preocupação. Ninguém quer reabrir o acordo de retirada."."As duas equipas de negociadores assumiram as próprias responsabilidades. O governo britânico assumiu as suas responsabilidades", avisou o negociador europeu, Michel Barnier, na primeira oportunidade em que apareceu em público, para anunciar que em Bruxelas também há entendimento sobre o resultado dos 17 meses de negociações, "e agora, todos, de ambos os lados, têm de assumir as suas responsabilidades"..Pressão alemã.Entretanto, nos bastidores, as negociações ganharam um novo tom, com indicações da chanceler alemã aos seus diplomatas em Bruxelas. O objetivo é que a coreografia da cimeira não contemple hesitações e que as negociações estejam "fechadas em 24 horas", noticiaram as agências britânicas..Numa corrida contra o tempo, Theresa May procura de ambos os lados do canal da Mancha demonstrar que está a trabalhar pelo melhor acordo de retirada possível. A seguir ao encontro de ontem, com o luxemburguês, a primeira-ministra britânica encontra-se hoje com o chanceler austríaco, Sebastian Kurz..Contradições e apoios para novo referendo.Ontem, antes de seguir para a capital belga, May esteve na Câmara dos Comuns para responder às perguntas dos parlamentares, e não deu sinal de qualquer dúvida sobre chegar a bom porto. "Continuamos a negociar o relacionamento futuro para conseguir o acordo que acreditamos ser certo para o Reino Unido." Mas entre uma intervenção e outra acabou por cair em contradição ao pedir aos deputados para apoiarem o seu plano ou "não haverá Brexit" e, minutos depois, garantir que a saída vai acontecer no fim de março de 2019..O dia ficou ainda marcado pelos apoios da nova ministra do Trabalho, Amber Rudd, e do deputado Damian Collins para que, caso o acordo não passe, haja lugar a um novo referendo. "Tudo pode acontecer", disse a ministra. Já o deputado foi mais claro: "Eu acho que, enquanto Parlamento, não se pode ficar a ver o país cair da beira do penhasco sem perguntar ao povo se esse era o passo que queriam dar.".Parlamento é prova de fogo.Se o Conselho Europeu se realizar no domingo e der luz verde ao acordo, a palavra será dada aos deputados britânicos. Aqui reside o maior obstáculo para a aprovação do acordo do Brexit..Se a primeira-ministra acabou por não ver o seu lugar contestado formalmente devido à inexistência de 48 cartas de deputados conservadores a pedir uma moção de censura, a sua carreira está em sério risco nesta votação. Há um conjunto de tories que não aceitam os termos do acordo, pelo que o projeto pode sucumbir nesse dia..Segundo o BuzzFeed, há 83 conservadores (quer a favor do Brexit quer contra) em 315 que já sinalizaram estar contra o acordo em questão. Como se ressalva no texto que lista os tories em desacordo, é de esperar que alguns acabem por votar ao lado de Theresa May. Mas com os votos contra das principais bancadas (ainda que não seja surpreendente alguns trabalhistas ignorarem a indicação de voto de Jeremy Corbyn), a meta dos 325 votos parece difícil de alcançar.