Marcelo irá "divertir-se" a dar voz a Ana Gomes, a Ventura e a todos os que entrarem no jogo das presidenciais?
As presidenciais terão com certeza pairado sobre a reunião da Comissão Política do PS, embora nem constem da agenda. António Costa desencadeou uma pequena tempestade, numa aberta da crise da pandemia, ao apontar na semana passada o apoio à recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. O que fez a socialista Ana Gomes posicionar-se para a corrida a Belém e levantou vozes críticas de figuras como o histórico Manuel Alegre. Mas politólogos ouvidos pelo DN consideram o apoio do PS a Marcelo natural, mesmo perante a hipótese da diplomata ser candidata.
"No nosso regime sempre que há um recandidato as presidenciais não são uma eleição com alternativas", afirma José Adelino Maltez e frisa que "é natural" que o partido que está no poder, mesmo não sendo da cor política do recandidato, o acabe a apoiar. "Estas eleições presidenciais acabam por ser meio monárquicas", diz o politólogo com ironia. E insiste na ideia de que as eleições para Belém 2021, em janeiro, são "condicionadas" pela recandidatura do Presidente em exercício e, sobretudo, porque não houve qualquer movimento de contestação à esquerda ou à direita ao seu mandato.
António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais, lembra que as eleições presidenciais em que um Chefe do Estado concorre a um segundo mandato são sempre "escassamente participadas", menos do que a média que já é baixa, porque "existe um vitorioso à partida que é o Presidente em exercício". Daí que seja expectável que acabe por recolher o apoio dos dois maiores partidos, no caso o PS e o PSD, do qual Marcelo foi presidente.
As alternativas que se apresentarem na corrida a Belém serão sempre "marginais", garante José Adelino Maltez, seja a de André Ventura, o líder do Chega que já se assumiu como candidato, ou da hipotética Ana Gomes. Candidaturas que diz são sempre para obter "contabilidade" de votos nos partidos ou em movimentos que venham a gerar. "Ainda vamos ver Marcelo a divertir-se a dar-lhes voz", continua o politólogo, porque a sua reeleição está mais do que garantida. "A não ser que nos próximos seis meses a crise ainda fosse mais séria, com uma rutura na União Europeia e sinais de forte agravamento da crise económica e social."
Ainda assim, António Costa Pinto vê vantagem na multiplicidade de candidaturas, que também reconhece serem apenas para aproveitar o espaço político e tirar daí alguma vantagem partidária, porque, assegura, promove mais a participação eleitoral já que mobilizam sensibilidades diversas. E esse é o grande desafio dos candidatos alternativos a Marcelo, "o de mobilizarem outros eleitorados".
O politólogo recorda as palavras de alguém que disse que se na corrida presidencial entrar "Marcelo, Ana Gomes e André Ventura será uma variedade de populismos".
Marcelo Rebelo de Sousa congrega, afirma José Adelino Maltez, características que são vistas como "positivas" por uns e "negativas" por outros. E dá o exemplo da postura "fala-barato" que tantas vezes lhe é apontada, por gostar de comentar tudo o que acontece na vida nacional. "Para uns isso é uma qualidade, para outros um defeito", frisa. Mas a sua grande vantagem é que "é um produto" político conhecido e todos já sabem as expectativas que podem ter sobre a sua prestação.
De André Ventura, que é candidato já assumido e visto como o mais populista dos que se prefiguram para Belém - o presidente do governo regional da Madeira, o social-democrata Miguel Albuquerque também abriu a porta à corrida presidencial e fala-se também do centrista Adolfo Mesquita Nunes, que representaria uma ala mais liberal -, Adelino Maltez diz que é um candidato "duplo", que só vai a jogo em janeiro do próximo ano para consolidar um espaço político e tentar fazer crescer o Chega. "Agora tem o problema de deixar de ser comentador na CMTV, por isso as presidenciais ainda são mais importantes para ter palco", sublinha. De positivo na sua candidatura também encontrão facto de não ter de inventar nada de novo para se afirmar, basta manter o mesmo discurso com que conseguiu ser eleito para a Assembleia da República.
Sobre Ana Gomes, que eventualmente poderá tentar a ponte entre setores do PS e do BE e alguma gente de centro-direita que não se identifique com Marcelo, o politólogo afirma que se avançar terá de fazer o esforço de passar do papel de comentadora para o de candidata, tendo de moderar o tom.
Mas António Costa Pinto até vê vantagens no facto da antiga embaixadora em Jacarta ter um discurso judicialista e de ser uma personalidade política que se destacou nos media pela acutilância das suas intervenções e críticas, mesmo ao seu próprio partido. "Esse seu discurso, em particular contra a corrupção, tem uma dimensão transversal ao eleitorado", diz.
Lembra, no entanto, que a sua base eleitoral só teria potencial caso os restantes partidos à esquerda não apresentassem candidatos. O que não parece ser o caso do Bloco de Esquerda, que deverá ter voz própria nas eleições presidenciais - nas anteriores foi a da eurodeputada Marisa Matias - e do PCP, que tem sempre um candidato oficial para marcar o seu próprio terreno. "Sendo assim, Ana Gomes terá uma margem muito mais escassa nas eleições."
Tanto José Adelino Maltez como António Costa Pinto desvalorizam a possibilidade de Miguel Albuquerque vir a assumir-se como candidato a Belém. Isto porque, "não tem a voz nacional que Alberto João Jardim tinha, nem no PSD", garante Maltez.
Também a possibilidade do centrista Adolfo Mesquita Nunes protagonizar uma candidatura à direita é vista como remota pelos dois politólogos. A começar pelo facto, sublinha Adelino Maltez, "do seu perfil não estar em consonância com a atual direção do CDS". Rejeita, no entanto a ideia, de que o facto do antigo dirigente centrista e ex-ministro ter assumido a sua homossexualidade pudesse ter interferência na sua eventual candidatura. "É um dado que já não surpreende e não estamos em tempo de ver essa opção como uma rutura. Além disso, conseguiu transmitir um discurso com uma linha coerente que transcende tudo o resto, só que também não tem dimensão nacional como tinha Paulo Portas."
Neste ponto sobre o impacto da opção sexual de Adolfo Mesquita Nunes, António Costa Pinto diverge. "Não há dúvida de que se se candidatasse teria peso, sobretudo para alguns segmentos da direita liberal mais conservadores."
E se os politólogos traçam o perfil dos potenciais candidatos, nos partidos há já movimentações para os abater ou promover. Em particular no PS, onde o presidente do partido fez pontaria a Ana Gomes. No programa semanal Almoços Grátis, na TSF, Carlos César recusou-se a apoiar um candidato presidencial que esteja longe das pessoas e que seja "rude". "Não votarei num candidato ou candidata que me pareça distante das pessoas, rude, divisionista", disse sem nunca mencionar o nome de Ana Gomes.
"As alternativas são simples: uma é patrocinar e apoiar uma candidatura, outra é apoiar simplesmente uma candidatura que esteja presente e outra é definir com muita clareza o seu entendimento sobre o próximo mandato presidencial, sem vinculação do partido e com liberdade de opção dos militantes. Eu, pessoalmente, prefiro esta última opção", afirmou.
Lembrou ainda que já há um candidato "conotado com a extrema-direita" [André Ventura] e que deverá haver um do PCP e outro do Bloco de Esquerda. Carlos César sublinhou que fica a faltar "uma candidatura ou candidaturas que preencham as preferências dos eleitores de centro-direita e centro-esquerda, o grande espaço eleitoral do país". Na qual encaixou o perfil do atual Presidente da República: "Marcelo Rebelo de Sousa é um dos candidatos que preenche potencialmente esses espaços".
Quem mantém em aberto a possibilidade de vir a correr para Belém é o presidente do Governo Regional da Madeira. Miguel Albuquerque, afirmou esta quinta-feira ter a vida "completamente limpa e transparente" em questões de negócios privados e afirmou que a sua candidatura à Presidência da República é uma hipótese.
"O que posso dizer, neste momento, é que tenho sido contactado e que não descarto essa hipótese", disse o chefe do executivo madeirense, de coligação PSD-CDS, à margem da inauguração de um arruamento em Câmara de Lobos, na zona oeste da ilha.
A questão das presidenciais dentro do PS foi desencadeada na semana passada por António Costa, na qualidade de primeiro-ministro, durante uma visita que fez à fábrica da Autoeuropa, em Palmela, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Num breve discurso, António Costa disse que contava voltar à fábrica de Palmela com Marcelo Rebelo de Sousa no primeiro trimestre do próximo ano, dando assim como quase certa a recandidatura e a reeleição do atual chefe de Estado.
A ex-eurodeputada socialista Ana Gomes condenou estas palavras do seu secretário-geral, afirmando que "o PS não é o partido do Costa" e que "a democracia não está suspensa no PS. Ana Gomes insurgiu-se ainda contra a ideia de o presidente deste partido, Carlos César, pretender adiar o congresso nacional para uma data posterior às eleições para Presidente da República.
Na SIC, no domingo, Ana Gomes classificou como "gravíssima" a situação criada por António Costa, disse que iria refletir numa sua eventual candidatura à Presidente da República e defendeu a tese de que o PS deverá ter um candidato a Belém.
Em declarações à agência Lusa, na terça-feira, o secretário-geral adjunto do PS, José Luís Carneiro, afirmou que "as declarações inaceitáveis" de Ana Gomes mereceram o repúdio da direção deste partido.