Mascarada

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Contaram-me que o poeta e jornalista Fernando Assis Pacheco e a sua família adoravam o Carnaval e - disfarçados com perucas, chapéus e roupas espalhafatosas ou trapalhonas - faziam verdadeiros "assaltos" a casa de amigos e conhecidos que, frequentemente, tardavam a perceber quem tinham à frente. E que uma vez, ficando a saber que em Mérida havia um Carnaval famoso, para lá rumaram com a mala cheia de trajes e adereços, andando mascarados pelas ruas da cidade.

Eu, pelo contrário, nunca achei graça ao Carnaval e só me mascarei uma vez. O meu pai tinha-nos trazido de Macau, à minha irmã e a mim, uns robes de seda de um amarelo desmaiado, debruados com um galão chinês, que costumávamos vestir por cima do pijama a seguir ao banho; e, no Carnaval seguinte, a minha mãe não esteve com meias-medidas e mandou-nos para a escola mascaradas de chinesas, ou seja, com os cabelos escorridos, um risco de lápis a fingir os olhos rasgados e os tais robes de trazer por casa. Protestei, mas não consegui convencê-la de que aquilo não era uma máscara.

O que senti, porém, mal entrei na escola foi que tanto as alunas como as professoras viam perfeitamente que eu estava de roupão e que bastaria eu virar costas para desatarem à gargalhada. A vergonha foi tão grande que, no ano seguinte, declarei que não me queria mascarar e, lembrando-se da cena de lágrimas, a minha mãe deixou-me ir com a roupinha de todos os dias, tendo eu concordado em pôr apenas uma caraça cómica para não destoar demasiado dos outros - o que causou ainda mais estranheza às minhas colegas que, ao olharem para mim, não conseguiam descortinar de que ia eu disfarçada. No entanto, se uma delas arranjava coragem para perguntar, eu limitava-me a responder: "Ora, de menina!"

Desde então, só gostei de uma máscara de Carnaval - alheia, claro; foi quando o meu irmão mais velho se vestiu metade de homem, metade de mulher, e a minha mãe teve um trabalhão a coser-lhe uma perna das calças a uma saia dobrada ao meio e a maquilhá-lo e pôr-lhe um postiço no cabelo só de um lado. Hoje, contudo, tal máscara seria provavelmente censurada por aludir de forma brincalhona a temas sérios como a bissexualidade e a indefinição de sexo. Não, não estou a exagerar: Justin Trudeau, o primeiro-ministro do Canadá, foi acusado de racismo por ter pintado a cara de castanho-escuro aos 29 anos para ir a uma festa dedicada às Mil e Uma Noites em que vestia a personagem de Aladino... Adeus, futuro.

Editora e escritora. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

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