É uma atitude nova aquela que ecoa desde as primeiras horas de quinta-feira a partir da Sala Nova do Sínodo, no Vaticano, desde que se iniciou o encontro convocado pelo Papa sobre "a proteção de menores na Igreja": a Igreja Católica assumiu que errou, mas agora parece querer agir de forma clara para travar a mancha dos abusos sexuais que alastra há demasiados anos por entre o clero romano. .O Papa Francisco já tinha deixado esse pedido, de que os bispos apresentem "medidas concretas e eficazes" para "curar as feridas graves" da pedofilia, numa breve introdução ao encontro inédito - e que já muitos classificam de histórico..Na última intervenção desta quinta-feira, o cardeal colombiano Rubén Salazar Gómez, presidente da Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), pôs os pontos nos is, depois de outros dois cardeais terem afirmado que o tempo da complacência e do silêncio acabou..Falando a quase 200 bispos, cardeais e religiosos, Rubén Salazar Gómez afirmou que "escutar as vítimas começa por não minimizar o dano causado e a dor produzida" a cada uma delas - e foram muitas, milhares, por todo o mundo, dos Estados Unidos ao Chile, da Irlanda à Austrália, ou aos casos conhecidos em Portugal. .O arcebispo de Bogotá notou que, "em muitos casos, chegou a pensar-se que o único motivo que levava às denúncias era para obter compensações económicas". "O que querem é dinheiro", dizia-se, e Gómez penitenciou-se por esta atitude de muitos setores da Igreja.."Não há dúvida de que as acusações são às vezes orquestradas. Não há dúvida de que, em muitos casos, se tentou reduzir a reparação para as vítimas com uma compensação monetária, sem ter em conta a verdadeira extensão dessa reparação. E não há dúvida de que, muitas vezes, temos cedido à tentação de tentar corrigir com dinheiro situações insustentáveis para abafar o possível escândalo. Esta triste realidade não pode impedir-nos, no entanto, de ter consciência da responsabilidade séria e grave que nos cabe na reparação das vítimas", justificou, longamente, o também membro da Congregação dos Bispos..O tempo é de reparação em todas as dimensões, admite Rubén Salazar Gómez. "É claro que estamos obrigados a proporcionar-lhes todos os meios necessários - espirituais, psicológicos, psiquiátricos, sociais - para a recuperação exigida." .Se o dinheiro, que muitas dioceses têm usado para pagar às vítimas do seu clero, "nunca pode reparar o dano", como admitiu o cardeal colombiano, ele "é necessário em muitos casos, para permitir que as vítimas prossigam um tratamento psicoterapêutico de que necessitam e são geralmente muito caros". Ou, acrescentou Gómez, "alguns não conseguiram recuperar dos danos e são incapazes de trabalhar e precisam de apoio económico para sobreviver e, para outros, o reconhecimento pecuniário faz parte de um reconhecimento dos danos causados"..Ao contrário de setores ultraconservadores, que procuram minar a Igreja com uma agenda da extrema-direita, xenófoba, racista e homofóbica, e que quiseram colar os casos de abusos à "praga de uma agenda homossexual", como escreveram dois dias antes deste encontro os cardeais Raymond Burke e Walter Brandmüller, o arcebispo de Bogotá foi claríssimo: estes casos aconteceram numa "raiz bem mais funda" que "é a tergiversação do sentido do ministério" sacerdotal, usado como forma de "impor a força, para violar a consciência e os corpos dos mais frágeis". "A isto se chama clericalismo", contrapôs Gómez a Burke e Brandmüller, sem necessidade de os referir..Para Rubén Salazar Gómez, "esta crise" tem sido respondida com uma "compreensão errada de como exercer o ministério" de bispos e padres. "Esse mal-entendido levou a sérios erros de autoridade que agravaram a crise. E isso também é chamado de clericalismo.".Tal como Francisco escreveu, numa carta divulgada em agosto do ano passado, houve uma "forma anómala de compreender a autoridade na Igreja"..Também sem se referir a estes dois cardeais que gostavam de ver o Papa Francisco resignar, o cardeal Scicluna, que apresentou aos jornalistas, a meio do dia, uma primeira síntese dos trabalhos, recusou que haja uma maior propensão para os homossexuais abusarem de menores. "Generalizar sobre uma categoria de pessoas nunca é legítimo", atirou. Para completar: "Há outras variáveis. Não hesito em dizer que também a luxúria traduz uma inclinação pessoal, mas nunca ousaria indicar uma categoria como sendo aquela que tem propensão a pecar.".O encontro do Vaticano prossegue nesta sexta-feira e terminará no domingo com uma missa que será presidida pelo Papa. Só nesse momento é que Francisco deve voltar a falar.