Discordância política leva a discordância política. Marcelo Rebelo de Sousa já o sabia quando vetou o programa Mais Habitação, mas o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, fez ontem questão de afirmar que o PS discorda politicamente do Presidente da República e que, por isso, confirmará o diploma "tal como ele está" - Costa não cede..Imaginando já este desfecho, Marcelo muda de tom para arrasar, de uma ponta à outra, o programa que a ministra da Habitação, Marina Gonçalves, considerou, por diversas vezes, "equilibrado" e que, em declarações televisivas, a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, disse resultar de "um debate participado, animado, diria até apaixonado, que houve na sociedade portuguesa sobre habitação". Ora o que o Presidente viu foi um debate marcado pelo arrendamento forçado de casas devolutas de privados e pela limitação do Alojamento Local que "radicalizou posições no Parlamento, deixando a maioria absoluta quase isolada, atacada, de um lado, de estilo proclamatório, irrealista e, porventura, inconstitucional, por recair, em excesso, sobre a iniciativa privada, e, do outro, de insuficiência e timidez na intervenção do Estado". Com efeito, já travou investimento privado e afastou possíveis acordos de entendimento. Diz Marcelo que "não é fácil de ver de onde virá a prometida oferta de casa para habitação com eficácia e rapidez"..Com maioria absoluta, Costa segue isolado, indiferente às críticas de proprietários, investidores imobiliários, Alojamento Local, partidos - um PSD que propõe "rasgar literalmente aquilo que [se ] fez até agora", da convicção do CDS de que o diploma viola "direitos fundamentais de proprietários e pequenos empresários" e da IL, que diz tratar-se de um "ataque ao país", do BE, que fala em "arrogância e indiferença" do PS pela "insistência no erro", e do PCP, que acredita que o pacote está "concebido enquanto instrumento de favorecimento da especulação imobiliária"..Marcelo vê aqui "um exemplo de como um mau arranque de resposta a uma carência que o tempo tornou dramática, crucial e muito urgente pode marcá-la negativamente". Para bem ou para mal, os resultados deste pacote não serão imediatos. Veja-se o exemplo dos imóveis desafetados das Forças Armadas que há dois anos prometem 1379 fogos para habitação acessível e que ainda não deram casa a ninguém. Ainda estará longe o tal choque rápido na habitação para quem não encontra casa no mercado, para as famílias que gastam mais de 40% dos rendimentos com a renda da casa ou para aquelas a quem o valor da prestação duplicou, com a subida das taxas de juro. Pode existir discordância política, não se pode é adiar soluções urgentes e eficazes..Subdiretor do Diário de Notícias