A banda desenhada também tem uma palavra a dizer nesta quarentena e Luís Louro não resistiu a pôr as mãos e a cabeça a funcionar para dar uma resposta humorística - e social - à pandemia provocada pela covid-19. Todos os dias publica na sua conta de Facebook uma ou mais tiras sobre o momento que estamos a viver em todo o mundo. É a vacina que inventou contra a Covid-19..Por norma o tema dos seus cartoons é a reação dos portugueses às restrições de vida social, peripécias sobre o isolamento social, mas não ignora o que acontece no resto do planeta com as sátiras aos presidentes Bolsonaro e Trump, por exemplo..Luís Louro tornou-se conhecido como o desenhador de Jim Del Mónaco, mas desde então criou personagens para as quais escreve o argumento e ilustra. É o caso de O Corvo, Alice e mais recentemente Watchers e Sentinel..Como surge esta resposta por norma com sentido de humor? Luís Louro não tem dificuldade em explicar a origem de Os Covidiotas, uma criação que decorre da própria realidade com que - a par de muitos milhões de pessoas - se confronta desde há semanas.."A ideia nasce por considerar que algumas pessoas se estavam a começar a comportar-se de uma forma um pouco idiota", explica. Depois, pôs um post no Facebook a dizer "um dia ainda faço uma BD sobre estes covidiotas..." Passados uns dias, apercebeu-se de certas atitudes erradas por parte de algumas pessoas: "Aquelas que se recusavam a ficar em casa, por razões tão absurdas como caricatas, e achei que estava na hora de fazer uma ou duas tiras sobre a situação"..Fazer uma tira diária não seria assim tão fácil, tanto que Luís Louro sempre admirou a capacidade dos ilustradores que o fazem desde há décadas serem capazes de não falhar um dia. "O primeiro problema era mais profissional, pois precisava de acertar o meu traço a um tipo de trabalho mais caricatural e simplificado do que é habitual no que faço." Então, começou por fazer um exercício: "Executei uma tira para ver o que saía dali e gostei do resultado, porque mantinha a minha identidade mesmo que fosse num estilo mais virado para o cartoon.".Mas não ficou por aí, pois ouviu uma notícia sobre os idosos que não obedeciam à quarentena: "E fiz outra. Depois outra e não parei mais. Achei que continuaria por mais uma meia dúzia, só que já fiz umas 70 tiras. Era para ser uma por dia, mas estou a fazer umas três ou quatro em vez disso." A razão é simples: "Entusiasmei-me e não faltam assuntos, tanto que fui diversificando em função do que observo. Umas são de intervenção, outras sobre os comportamentos estúpidos dos covidiotas; tudo situações que eu não posso deixar passar e que acontecem tanto em Portugal como noutros países. Foi o caso de uma tira sobre o Bolsonaro - que foi um sucesso.".A reação à publicação no Facebook, diz, "tem sido ótima". Acrescenta: "Estão à espera da tira e cada vez que ela aparece até reclamam por só ter aparecido da parte da tarde!".Apesar de ser trabalho, Luís Louro explica que começou a desenhar as tiras de forma inconsciente mas acabou por tornar-se uma espécie de terapia também: "Estou entretido a pensar nas tiras, tento desanuviar e levar certas situações que critico para a brincadeira, mas como tenho a mente focada nisto, sempre deixo de pensar noutras coisas piores.".Ficar isolado em casa não é novidade para Luís Louro: "Eu costumo trabalhar em casa, mas uma coisa é estar fechado porque quero, outra por não deve sair. É uma situação muito grave e que, por mais divertida que a queiramos tornar, nunca imaginaria viver. Que eu saiba nunca aconteceu uma coisa assim no mundo, só se em ficção científica.".A inspiração é muita face a tantos acontecimentos inesperados das últimas semanas e Luís Louro garante que não se tem censurado para evitar melindres: "Tenho dito o que penso, mesmo que saiba que nem sempre todos gostam." Faz esta afirmação devido ao impacto que a tira sobre as atitudes do presidente brasileiro causou nos "bolsonaristas". Confessa que evita "as questões políticas", porque "não é um assunto em que seja especialista, mas o que é óbvio na política não me escapa". É o caso de "atitudes menos corretas em relação à população em geral" se estão relacionadas com o vírus: "Aí, atiro-me de cabeça, fora disso não pretendo ter opiniões políticas.".Esta experiência nas tiras já lhe trouxe leitores novos. "Sem dúvida, tenho tido muitos comentários diários e likes constantes de quem eu desconhecia", assegura. A razão é simples: "É a vantagem da partilha entre uns e outros, que tem reflexos imediatos, até mesmo fora de Portugal. É em muito um público diferente do que me tem acompanhado no meu percurso na BD"..Passada a quarentena este projeto morre? "Não sei", é a resposta imediata de Luís Louro. "Acho que pode ser interessante ser publicado porque a quarentena diz respeito a todos", conclui..Quanto ao que se está a viver irá ser inspiração para um próximo projeto? "Se me surgir a ideia como fiz agora com Os Covidiotas ótimo. Se não, evitarei forçar pois tenho demasiados planos para este ano", adianta. Mesmo que este ano que "iria ser estrondoso, eu não saiba como acabará". O que lamenta é ter uma exposição em Lisboa "que abriu no início de março e foi fechada ao fim dos dois dias - nem eu tive tempo de a ir ver", que fosse o "convidado especial em Beja num evento que foi cancelado", bem como todos os lançamentos agendados que entretanto vão sendo cancelados: "Tinha três álbuns planeados para este ano e, sinceramente, não sei o que vai acontecer.".E o que pensa Luís Louro do pós-covid-19? "Em termos de economia, vai ser um grande problema", prevê. "O que me custa é que o ser humano tenha a memória muito curta e estão todos muito solidários agora mas quando acabar volta a ser cada um por si", é o que espera. Esta quarentena, considera, "deveria servir para as pessoas se aperceberem da falta que fazem os artistas e de como se viveria a quarentena sem a cultura e o entretenimento".