Silêncio, medo e... os trabalhos de casa

1. O stress dos trabalhos de casa

Estamos a viver uma situação excecional, também para professores e escolas. Talvez por isso, demonstrando alguma desconexão com a realidade, muitos professores - não todos, claro, nem da mesma forma -, mal viram os alunos em casa, desataram a pedir trabalhos, fichas, a marcar conferências. Como uma estranha prova de vida, ou de trabalho. Como se a vida corresse normalmente, só que em casa - e não estivéssemos na maior crise de sempre.

Tudo junto acabou por acentuar o caos doméstico e o stress a famílias já pressionadas pelo teletrabalho, pelo medo de adoecer ou não terem emprego daqui a uns tempos. A casa, que devia ser o espaço calmo onde pais gerem a educação dos filhos, tornou-se, mais uma vez, uma espécie de delegação da escola.

A acrescentar a isto, criou-se a desigualdade entre crianças que estudam com pais formados, e outras que não os têm, entre os que têm telemóveis ou não, internet ou não.

Para tempos inauditos, respostas criativas. Que mal faria os alunos perderem um mês de "matérias" quando o mundo lhes está a ensinar lições muito maiores?"

Claro que não se pedia a ausência total dos professores. Pelo contrário. Mas para tempos inauditos, respostas criativas. Que mal faria os alunos perderem um mês de "matérias" quando o mundo lhes está neste momento a ensinar lições muito maiores? Lembram-se do 25 de Abril e das passagens administrativas?

E que tal os miúdos terem tempo para olhar para o mundo, ler jornais, ou mesmo uns livros - indicados, sim, pelos professores, que depois até podiam debater com eles ou com os pais (orientados por eles)? Ou ver séries de TV e filmes bons, em que há tanto para aprender? A obsessão da produtividade, este ensino reprodutivo - decora, mostra, é avaliado - sempre foi mau em tempos normais, agora é tonto. Esperemos que os professores, na sua boa vontade, afinem a experiência, na próxima semana.

2. O tempo dos media

Os meios de comunicação social estão num processo esquizofrénico por estes dias: são convocados pelos leitores mais do que nunca e veem as suas receitas encolher de dia para dia. Isto acontece porque a maior parte deles depende da publicidade, em queda, e das receitas de vendas em bancas, agora fechadas. A maior parte dos que estavam a fazer o caminho do financiamento direto nos leitores - com subscrições e assinaturas - abriram os seus conteúdos, tornando-os grátis por serviço público, mas perdendo essa fonte.

É difícil de engolir deste lado: quanto mais precisam de nós, menos o jornalismo tem meios para fazer o seu papel - que é social, cívico e até de saúde pública. Só piora o cenário o facto de, em Portugal, 1) os leitores terem pouca apetência para pagar por esse serviço; 2) haver órgãos que vivem de roubar (e dar gratuitamente) as notícias dos outros; e, 3) a gestão dos media estar há anos centrada no curto prazo, com a corda na garganta.

Podíamos ter diversificado origens de receita, termo-nos aproximado mais dos leitores - o nosso ponto de partida e chegada.

Se, como noutros países, tivéssemos começado há mais tempo a investir em diversificar as fontes de receita, podíamos estar não imunes à crise, mas mais bem preparados. Há exemplos: em França, o MediaPart , o El Diario , em Espanha, o De Correspondent, na Holanda, ou, num mercado mais parecido com o nosso, o Denník N, na Eslováquia. Os links anteriores levam a artigos que explicam estes casos de sucesso. Receitas de assinaturas, crowdfunding, startups, fundações e doações, jornalismo sem fins lucrativos, serviços extra - tudo isto são opções a dar frutos.

Podíamos também, de forma muito mais enérgica, ter usado a tecnologia para perceber audiências, chegar a elas, trabalhar com elas. Tudo o que nos aproxime dos leitores - aqueles para quem, de facto, se faz este negócio - torna-nos mais confortáveis.

Mas há que aproveitar. Quando, e se, sairmos desta crise, ela terá tido pelo menos a vantagem de alertar para a importância do jornalismo sério, informado, rigoroso. Isso, combinado com o descalabro financeiro que afetará inevitavelmente as grandes plataformas e as redes sociais, não pode senão significar que o jornalismo deixe de ser visto como uma "banalidade" - e regresse à importância da proximidade, ao serviço do público. Assim mostremos quanto valemos. E saibamos ter criatividade e inovação para agarrar a oportunidade.

3. Um silêncio de velório

Há um silêncio insuportável nas ruas. Não é doce, de primavera a chegar ou de domingos de agosto. Este é como o dos velórios. Por baixo há um burburinho de conversas que não se quer ter alto, um restolhar de desconforto, um soluço. Além do medo da doença - como nos atingirá, seremos resistentes, teremos ventilador disponível -, que apesar de tudo é estatisticamente mais otimista, há outro, real. Muito mais real.

Seremos as vítimas perfeitas se às dificuldades acrescentarmos o desânimo. Mas não vai ser fácil escapar.

O que vem aí, todos o intuímos, será grave. Uma crise, cuja força depende do tempo que perdermos agora. E nem vale a pena virmos com coisas do tipo "sairemos mais fortes". Atingir-nos-á no âmago. Pior: no cerne do orgulho do que já tínhamos vindo a fazer para superar a última. Turismo a chegar, lojas a abrir, produção a aumentar, empregos a fluir, tudo isso foi cortado quando estava a florir.

Estávamos ufanos, sim. Isso ter-nos-á preparado melhor? Seremos as vítimas perfeitas se às dificuldades acrescentarmos o desânimo. Mas não vai ser fácil escapar.

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