O eventual regresso a Portugal de jihadistas ou das suas famílias (mulheres e crianças) "é uma situação complexa, deve ser tratada com reserva e está a ser acompanhada e avaliada", revela a secretária-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI), Helena Fazenda..Questionada pelo DN na sequência das recentes declarações do presidente norte-americano e da reação do Ministro dos Negócios Estrangeiros português, a procuradora que coordena as polícias e os serviços de informações sublinha que a avaliação que está a ser feita "por diversas entidades e serviços" tem em conta a "ameaça" em termos de segurança que pode representar cada um dos indivíduos em causa, e "outras variáveis"..Na segunda-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros declarou que não quer em Portugal "pessoas que possam constituir uma ameaça". Augusto Santos Silva falava no final de uma reunião de chefes de diplomacia da União Europeia (UE), na qual foi discutido o apelo de Donald Trump aos países europeus para repatriarem e julgarem os seus combatentes do grupo terrorista Estado Islâmico (EI) na Síria..Helena Fazenda não respondeu se já tinha sido feita alguma avaliação de risco e quais as conclusões. Pelo menos desde meados do ano passado que é conhecido, publicamente (as autoridades certamente há mais tempo), que há cinco mulheres e cerca de uma dezena de crianças, viúvas de jihadistas portugueses ou com ligações a Portugal, que estão a aguardar apoio e autorização para entrar em território nacional..SIS alertou há um ano.Maria, João, Musa, Aisha, Ibraheem, Zakarya e Suleiman são os filhos dos irmãos Edgar e Celso Costa (já mortos), que partiram de Sintra para o califado em 2013. Cada um deles casou com duas mulheres, Reema, Sabina, Fatuma e Seri, e antes de seguirem para a Síria algumas estiveram em Portugal com os filhos que já tinham nascido..Conforme o DN noticiou, o pai dos irmãos Costa está desde o ano passado em contacto com várias entidades nacionais e internacionais para que ajudem a trazer para Portugal as quatro noras e os sete netos..Estas mulheres estariam, na altura, num campo de refugiados da Cruz Vermelha no norte da Síria. Com elas estaria também Zara, a mulher de Sadjo Turé (também morto), do grupo de Sintra, e os seus três filhos (Yusha, Dasia e Yunos), um deles com 6 anos..As autoridades nacionais têm referenciadas, pelo menos, mais três mulheres que casaram com jihadistas portugueses, às quais juntam a portuguesa Catarina Almeida, que viajou para a Síria à procura do filho (Dylan Almeida, dado como morto) e estará com o neto num campo de refugiados; e Vani Cheriff, lusodescendente que casou com um combatente tunisino, também falecido, com quem teve três filhos..O número não é definitivo, mas, para já, as autoridades de segurança têm identificado um total de oito mulheres, entre os 24 e os 35 anos, e cerca de dezena e meia de crianças com ligações a Portugal, em condições de serem admitidas no nosso país. Têm nacionalidade portuguesa (além da de origem, no caso das provenientes de outros países). Pelo menos uma das crianças nasceu em Portugal e algumas outras foram registadas em consulados portugueses..Em relação aos combatentes propriamente ditos, Portugal emitiu seis mandados de captura internacional e o seu destino, caso sejam detidos, será mesmo a prisão. Destes seis, no entanto, apenas dois estarão vivos, embora não seja certo, pois as confirmações de mortes convencionais (através do cadáver, por exemplo) raramente têm sido possíveis..No início de 2018, o diretor do Serviço de Informações de Segurança (SIS) alertou que o nosso país poderia confrontar-se com a questão dos regressos, principalmente das mulheres e das crianças, ainda nesse ano chamou a atenção para a falta de um plano estratégico para a abordagem destes regressos. Pediu "programas multidisciplinares" de reintegração semelhantes aos de outros países, que vão além de medidas securitárias, para prevenir riscos de novas radicalizações..As medidas em causa estão integradas no Plano de Prevenção da Radicalização e dos Extremismos Violentos, previsto na Estratégia Nacional de Combate ao Terrorismo, aprovado em 2015. O programa é coordenado por Helena Fazenda, envolve várias entidades (desde as forças e serviços de segurança aos setores da educação, saúde mental, Segurança Social ou de apoio à vítima) e ainda está a ser alvo de análise pelos diversos organismos envolvidos. .O regresso dos familiares de jihadistas é uma das grandes preocupações da UE, a par do regresso dos próprios combatentes aos países europeus de origem. As abordagens têm sido variadas, consoante os casos, mas vão sempre além da securitária..Na ausência, em boa parte dos casos, de provas de envolvimento direto no Daesh que possam sustentar uma acusação judicial e condenação, resta a avaliação de risco dos serviços de informações, que indicará se representam uma ameaça à segurança e têm de ser acompanhadas ou detidas, ou se são simplesmente vítimas..É um "erro" retirar a cidadania.Em relação aos combatentes, Diogo Noivo, analista de risco político e mestre em Segurança e Defesa, distingue dois tipos de perfis: "desertores do Estado Islâmico (EI), arrependidos e conscientes do erro que cometeram; e indivíduos radicalizados que apenas regressam devido ao colapso territorial do EI..Os primeiros "são importantes fontes de informação para as Forças e Serviços de Segurança, oferecem meios para o combate à radicalização em território português e podem ser reintegrados na sociedade"..Já os segundos, "constituem uma ameaça à segurança nacional e, por isso, obrigam a medidas punitivas, de vigilância e de "desradicalização". A distinção entre uns e outros exige uma avaliação caso a caso, complexa e exigente. Uma avaliação dependente de múltiplas variáveis"..As mulheres e as crianças têm sido alvo de medidas especiais em vários países. Em Portugal, a Polícia Judiciária (PJ), que tem a competência exclusiva de investigação do terrorismo, tem promovido ações de formação com diversas entidades, em colaboração com a RAN (Radicalization Awareness Network), uma rede europeia de alerta contra a radicalização terrorista e os extremismos violentos..Diogo Noivo considera que todos "constituem um risco potencial, pois todos foram expostos a uma cultura de violência e ódio". No seu entender "todos devem ser avaliados"..Quanto à anunciada decisão do Reino Unido, de retirar a cidadania a uma mulher que viajou para o EI e regressou ao país, este especialista diz que este género de medida - que em Portugal foi proposta pelo CDS, mas chumbada no parlamento - é "um erro clamoroso"..E apresenta quatro motivos: "primeiro, dificulta a monitorização e controlo de pessoas potencialmente perigosas. Segundo, transfere o problema para outros Estados, o que inevitavelmente se transformará a prazo num problema Europeu. Terceiro, dificulta a ação legal, tornando ainda mais complexo o julgamento em tribunal destes indivíduos. Por último, acentua a perceção de discriminação, que é um dos principais argumentos de radicalização jihadista"..Diogo Noivo recorda que "o passado recente oferece exemplos práticos destas consequências: veja-se o caso de Osama bin Laden, proibido de entrar na Arábia Saudita, o seu país de origem, rumou sem controlo por diversos países, espalhando uma ideologia de ódio e incentivando militantes que, pouco tempo depois, se tornaram uma séria ameaça à segurança internacional"..Por isso, sublinha, "retirar a cidadania é uma solução de curto prazo, porventura popular junto dos eleitorados, mas que apenas agrava o problema"