António Costa recusa crise política e afasta demissão se não tiver orçamento
António Costa recusou esta noite um cenário de crise política em resultado de uma não aprovação do Orçamento do Estado para 2021. "Não viro as costas ao país neste momento de crise e tudo farei para poupar o país a qualquer tipo de crise", afirmou o primeiro-ministro em entrevista à TVI na noite desta segunda-feira, na qual disse também não compreender que os partidos da esquerda possam ter uma posição global contrária à proposta de Orçamento que o governo apresentou na Assembleia da República.
"Tenho dificuldade em compreender como é que à esquerda haverá uma reprovação global", sublinhou, defendendo que o "país não compreenderia uma discordância de fundo" em relação a um Orçamento que reúne um "conjunto de propostas que correspondem a muitas das reivindicações" feitas pelos antigos parceiros da geringonça. E disse mesmo não acreditar em divergências de fundo por parte do Bloco de Esquerda, embora "algumas declarações públicas possam dar a entender que sim". "Quanto ao essencial não vejo onde possa haver divergências para além da retórica política", diria mais tarde.
Pondo pressão à esquerda, mas já sem acenar com a possibilidade de uma crise política, o primeiro-ministro lembrou que o PS tem mais 22 deputados do que a direita no parlamento, pelo que o "Orçamento só chumba se o PCP e o BE somarem os seus votos aos votos da direita. Se não somarem, o Orçamento não chumba". Ou seja, é preciso que as duas maiores bancadas da esquerda alinhem com a direita no voto contra para que o Orçamento seja chumbado.
Na véspera do retomar das negociações do OE, António Costa admitiu ir ao encontro das reivindicações dos vários partidos, "até ao limite do razoável e do bom senso".
"Tenho toda a flexibilidade negocial, com o limite do bom senso e da razoabilidade", sublinhou, defendendo que "é absolutamente essencial que não andemos a governar aos bochechos com duodécimos".
Já sobre o Novo Banco, um dos principais pontos de discórdia entre o governo e os bloquistas, António Costa repetiu a garantia de que "não haverá um único cêntimo dos contribuintes para o Fundo de Resolução". "Já assumimos o compromisso de que em caso algum haverá qualquer empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução em 2021", repetiu, num "esforço para ir ao encontro" da posição do Bloco de Esquerda - "Tenho toda a flexibilidade negocial, com o limite do bom senso e da razoabilidade. Exigir que o Fundo de Resolução não cumpra a sua função já não me parece razoável. É um nonsense."
Na entrevista, o primeiro-ministro adiantou que pediu ao presidente da Assembleia da República para desmarcar a discussão sobre a obrigatoriedade da aplicação StayAway Covid, que estava marcada já para a próxima sexta-feira. A proposta do executivo - que é a mesma que estabelece o uso obrigatório de máscara na via pública - fica assim adiada, mas esta segunda medida vai mesmo avançar no final desta semana. De acordo com António Costa os socialistas deverão aprovar uma proposta do PSD que vai no mesmo sentido: "Vamos já resolver o problema das máscaras. Sobre o outro tema é bom que haja uma discussão aprofundada" de uma medida que, nas palavras do próprio primeiro-ministro, é "discutível".
Apesar do recuo, Costa defendeu que "as pessoas perceberam muito bem a mensagem", argumentando que o número de portugueses que descarregaram a aplicação na última semana "subiu exponencialmente".
Sobre novas medidas para fazer face ao crescimento dos números da covid-19, e quando questionado sobre se admite uma situação de recolher obrigatório, como já foi implementado noutros países europeus, o líder do executivo disse "não excluir nenhuma medida". Com exceção de uma, que já tinha rejeitado antes - "É impensável podermos recorrer a um confinamento geral."
Repetindo que a evolução da pandemia "está dependente dos comportamentos individuais", António Costa disse que o número de casos deverá continuar a subir nas próximas semanas e que não há uma previsão para o pico desta segunda vaga. E, defendendo que o governo tem tomado medidas sob o princípio da máxima eficácia com a menor perturbação possível, alertou para o "imenso custo social" e a "violência brutal" de voltar a implementar medidas que já estiveram em vigor, por exemplo as restrições de visitas a lares ou a proibição de circular entre concelhos que foi implementada no fim de semana da Páscoa, em abril, e que Costa disse não querer estender ao Natal. Questionado sobre se já discutiu com Marcelo Rebelo de Sousa a hipótese de um novo período em estado de emergência, o primeiro-ministro não respondeu.
A entrevista ao Jornal das 8, da TVI, ocorre depois de uma semana em que o país registou o maior número de casos de covid-19 desde o início da pandemia, com uma média diária de 1892 casos entre 12 e 18 de outubro. Um aumento que levou o governo a anunciar novas medidas para tentar conter a propagação do vírus, entre elas a muito polémica obrigatoriedade de instalação da app StayAway Covid, que tem merecido reservas dentro do próprio PS e do governo. O Conselho de Ministros realizado na última quarta-feira decidiu também elevar o nível de alerta da situação de contingência para calamidade, limitar os ajuntamentos na via pública a cinco pessoas, elevar as coimas aos estabelecimentos comerciais e de restauração que não cumpram as regras estabelecidas, e determinar o uso obrigatório de máscara na rua quando não seja possível manter o distanciamento físico.
O primeiro-ministro reúne-se hoje, em São Bento, com o Bloco de Esquerda, PCP e PAN para procurar um acordo para a viabilização da proposta do Governo de Orçamento do Estado para 2021. Na quarta-feira, António Costa terá também um encontro sobre a proposta do Governo de Orçamento do Estado com o PEV, outro dos parceiros parlamentares do PS desde novembro de 2015.