O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, volta a enfrentar esta quarta-feira o líder da oposição, Keir Starmer, na sessão semanal de perguntas e respostas na Câmara dos Comuns. É o terceiro round de um combate que o líder do Labour tem ganho sempre por K.O.. Será que o conservador já aprendeu a lição e vai começar hoje a dar a volta?.Starmer, de 57 anos, fez carreira como advogado de defesa e principal procurador de Inglaterra e Gales antes de ser eleito deputado, em 2015, sendo no ano seguinte nomeado como ministro-sombra do Brexit. E é com o currículo que construiu nas salas de tribunais, e com a sua forma de colocar as questões como se de um interrogatório se tratasse, que tem deixado o primeiro-ministro encostado às cordas..Johnson, de 55 anos, tem um estilo exuberante, de grande entertainer. Mas numa Câmara dos Comuns vazia, com poucos deputados presentes e a maioria a seguir a sessão por videochamada, o primeiro-ministro sente a falta dos tradicionais incentivos da sua bancada -- uma ruidosa maioria absoluta de 365 deputados, frente aos 202 trabalhistas..O primeiro round.Starmer foi eleito líder do Labour a 4 de abril, em plena pandemia do coronavírus. Isto depois de uma longa campanha dentro do Partido Trabalhista, que teve nas eleições de dezembro, com Jeremy Corbyn aos comandos, o pior resultado em 35 anos..Por essa altura, já Boris Johnson tinha dado positivo para o covid-19 e dentro de dias iria mesmo ser hospitalizado. Quando a 12 de abril deixou o hospital (onde chegou a passar pela unidade de cuidados intensivos), o primeiro-ministro foi recuperar para Chequers, a casa de campo dos líderes do governo britânico, só voltando oficialmente ao trabalho a 27 de abril..Estava tudo pronto para que se estreasse no frente a frente com Starmer dois dias depois, mas o nascimento do filho durante a madrugada voltou a colocar o chefe da diplomacia, Dominic Raab, no ringue com o líder do Labour..Uma semana depois, Starmer desferiu o primeiro soco em Johnson logo com a primeira pergunta. Numa altura em que o Reino Unido ultrapassava a Itália em número de mortos, com quase 30 mil (esta terça-feira estava à beira dos 35 mil), o líder do Labour perguntou simplesmente: "como é que se chegou a isto?" Antes, tinha citado as palavras do primeiro-ministro de que a estratégia do Reino Unido era um "aparente sucesso"..Quando Johnson lamentou as mortes, mas disse que nesta altura não era bom fazer comparações entre os números do Reino Unido e de outros países, Starmer lembrou que era o governo que nas suas conferências de imprensa diárias usava essa comparação. "Temo que muitas pessoas concluam que a resposta à minha questão é que o Reino Unido foi lento em entrar em confinamento, lento a testar, lento a fornecer equipamento de proteção", referiu..Starmer continuou a questionar sobre o número de mortes nos lares de idosos e depois sobre o porquê de o número de testes estar a cair na última semana - perguntou o que tinha tido de tão especial o dia 30 de abril para ser o recorde de testes, sendo que esse era o prazo a partir do qual o governo tinha prometido 100 mil por dia, mas que não estava a cumprir..Boris Johnson respondeu que o objetivo era 200 mil testes por dia (o governo veio mais tarde dizer que era o desejo de capacidade instalada), sendo que muitas vezes a sua estratégia foi responder com o que pode ser feito no futuro e não insistir no que está no passado. "Ter apenas um alvo não é estratégia", respondeu-lhe Starmer, "o que é preciso é testar, rastrear e isolar, essa é a estratégia", acrescentou..Depois perguntou porque tinha sido abandonada a estratégia de rastrear os contactos próximos dos infetados para evitar novas contaminações em meados de março, e continuou a perguntar porque é que os médicos tinham que comprar as suas próprias máscaras. Finalmente se Boris Johnson planeava ir ao Parlamento na segunda-feira seguinte explicar o seu plano de desconfinamento (que seria apresentado no domingo).."O primeiro-ministro expressou 'arrependimento' sobre o que estava a acontecer nos lares e disse estar 'enfurecido' pelos problemas que têm existido com os equipamentos de proteção pessoal", escreveu a jornalista Laura Kuenssberg, da BBC. "Masera óbvio que por vezes Boris Johnson estava perturbado, olhando repetidamente em volta e por cima do ombro onde os seus torcedores ruidosos costumam estar", mas que "não havia ali qualquer conforto". Foi o primeiro confronto direto entre "o advogado" e o "homem do espetáculo", concluiu..O segundo round.Quem pensava que Boris Johnson iria recuperar uma semana depois, a 13 de maio, enganou-se. Starmer voltou a insistir nas mortes nos lares (40% das mortes no país), questionando porque é que o governo tinha mantido até 12 de março a ideia de que era "muito pouco provável" que os utentes fossem "ficar infetados"..Johnson negou que o conselho do governo tivesse sido aquele, anunciando um plano de 600 milhões de libras para mais testes no lares, com Starmer a mostrar-se surpreendido por ele questionar aquilo que o próprio executivo dizia. ..O líder do Labour insistiu no tema, citando um cardiologista que dizia que muitos idosos tinham tido alta do hospital sem serem testados e ido para lares que não estavam preparados. Além disso, lembrou que houve mais 18 mil mortes nas residências para idosos em abril do que na média dos anos anteriores, sendo que só oito mil teriam sido contabilizadas como causadas pelo covid-19. "Pode o primeiro-ministro dar-nos a sua opinião sobre estas mortes inexplicadas", perguntou em relação às restantes dez mil..Johnson não respondeu diretamente à pergunta, admitindo que resolver o problema nos lares será "absolutamente crítico", mas dizendo também que os números de novos casos e mortes estava em queda nestas instituições..À terceira pergunta, Starmer questionou porque é que o governo tinha deixado de publicar os gráficos com as comparações internacionais, com Johnson a responder que ele iria ter que "conter a sua impaciência", porque tais comparações eram prematuras e repetindo que os números de mortos estavam a baixar. O líder do Labour lembrou que era o governo que fazia as comparações e que só deixou de o fazer quando o Reino Unido passou a ser o país com mais mortes da Europa..Depois questionou sobre as creches para as crianças, numa altura em que o primeiro-ministro tinha aconselhado o regresso ao trabalho, falando do caso específico de um casal em que ambos trabalhavam e não tinham onde deixar os filhos, com os patrões a não facilitar. Quando Boris Johnson disse que entendia e que devia haver maior abertura da parte dos patrões, indicando também disponibilidade para ver este caso específico, Starmer ficou agradecido por isso, mas lembrou que era apenas um de muitos..Starmer pediu ainda para Johnson publicar os conselhos científicos que estava a seguir para tomar as medidas de desconfinamento que tomou, com o primeiro-ministro a dizer que serão publicadas a seu tempo. Além disso elogiou o "senso comum" dos britânicos na primeira fase da pandemia, mostrando-se confiante que este também vai ajudar na próxima fase..O veredicto dos media britânicos.John Crace, do The Guardian, de centro-esquerda, não poupou Johnson, chamando-lhe de "incompetente e mal preparado". Lembrando que depois do primeiro frente a frente o primeiro-ministro devia ter aprendido e estar mais bem preparado para enfrentar Starmer, Crace lembra que isso não faz parte dos hábitos de Johnson que costuma improvisar e rever a matéria à última hora.."Algo que podia ser suficiente, quando apoiado por uma câmara cheia de deputados conservadores aos berros, para enfrentar Jeremy Corbyn, provou-se totalmente desadequado contra um procurador de topo num tribunal quase em silêncio. As coisas estão agora tão mal que cada vez que o Boris abre a boca, apenas encoraja os jurados a condená-lo e o juiz a aumentar-lhe a sentença", acrescentou..Mas houve também "fogo amigo", de jornais mais próximos dos conservadores, incluindo do The Telegraph (onde o próprio Johnson escrevia). O jornalista Michael Deacon disse que Starmer desmontou Boris como um "comboio de lego para crianças", alegando que o líder do Labour "colocou calmamente uma série de questões factuais e o primeiro-ministro teve visíveis dificuldades." Starmer, continua, "é calmo, educado e totalmente impiedoso"..Pelo mesmo caminho foi Joe Murphy, no Evening Standard (cujo diretor é George Osborne, ex-ministro das Finanças de David Cameron): "Starmer não levanta a voz, não mostra raiva; ele apenas calmamente, friamente, disseca os factos."E continuou: "O seu rosto é desapaixonado, impiedoso mesmo, a expressão de um procurador que já enfrentou vilões maiores e simplesmente se pergunta quanto tempo irá demorar até que o desgraçado patético no banco dos réus tropece e perceba que o jogo acabou"..Sondagens.Starmer parece para já beneficiar da resposta do governo britânico ao coronavírus, estando a subir nas sondagens. Na semana passada, conseguiu mesmo o feito de ser mais popular que Johnson, numa sondagem YouGov. .Questionados sobre como pensavam que Starmer estava a portar-se como líder do Labour, 40% dos inquiridos disseram "muito bem" ou "bem", enquanto 17% disseram "muito mal" ou "mal". Uma taxa de aprovação de +23%, frente aos +22% de Johnson, que está em queda (57% consideram qjue ele está a trabalhar bem, contra 35% que consideram que está a trabalhar mal)..Apesar de admitir que é uma "tarefa árdua" que Starmer tem pela frente para conquistar novamente os eleitores, o professor Steve McCabe, do Centro para os Estudos do Brexit da Universidade de Birmingham, disse ao The New European (um semanário pró-europeu que nasceu após o referendo de 2016) que Starmer tem a capacidade para aproveitar o descontentamento com a resposta do governo ao coronavírus para dar a volta aos infortúnios do Labour.."Muitos dos que votaram pelos conservadores exasperados pela situação e na esperança de que o Brexit pudesse melhoras as suas expectativas, podem descobrir que, dada a magnitude da crise atual, a capacidade de Johnson para verdadeiramente mudar pode ser extremamente limitada", indicou. "Tais eleitores podem estar preparados para voltar ao Labour e criar o tipo de reviravolta na sorte do Labour que parecia inconcebível no rescaldo das eleições de dezembro."