Governo tenta dissipar sombras na negociação do próximo Orçamento
A execução do atual Orçamento do Estado (OE 2021) ainda vai a meio, mas o governo já se esforça por demonstrar aos partidos que o viabilizaram à esquerda que está tudo a correr bem.
O objetivo é chegar a outubro e fazer que a negociação do próximo Orçamento do Estado (OE 2022) não seja ensombrada pela ideia de que o governo não cumpriu o que prometeu a PCP, PEV e PAN - e às deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira (ex-Livre) e Cristina Rodrigues (ex-PAN) - quando obteve destes a viabilização do OE 2021. Inês Sousa Real, nova porta-voz do PAN e líder parlamentar do partido, sintetizou numa frase as dúvidas e suspeitas que o executivo tenta dissipar: "Só poderemos partir para a mesa de diálogo no Orçamento do Estado de 2022 com a garantia da execução plena das medidas que temos inscritas no OE de 2021."
No executivo já circulam listas tanto das medidas ainda "em desenvolvimento" como das já "executadas". Pelo meio, tenta-se deixar claro que, tanto na fase de negociações definitivas (setembro/outubro) como na da votação final (fim de novembro) do OE 2022, jamais será possível assegurar uma execução a cem por cento, porque o ano não estará ainda concluído.
O parceiro principal destas conversações, o PCP, já fez saber, através do respetivo líder parlamentar, João Oliveira, que há exemplos "flagrantes" de incumprimento governamental das promessas orçamentais, dando como exemplo a criação de um subsídio de risco para as forças de segurança e a redução das portagens das ex-scuts, cuja "entrada em vigor estava prevista para o início do segundo semestre".
Nas medidas acordadas com os comunistas e assumidas pelo governo como ainda "em desenvolvimento" - ou seja, na prática, ainda não cumpridas - consta, de facto, de acordo com as contas do governo, a questão dos subsídios de risco para as polícias. Mas também investimentos em cuidados de saúde primários, substituição de equipamentos médicos pesados, recuperação das consultas nos cuidados de saúde primários, investimentos em hospitais, a criação do Laboratório Nacional do Medicamento, habitações para forças de segurança, reforço da oferta nas residências estudantis e reforço do investimento em creches e lares públicos.
Já com o PEV - partido parceiro do PCP na Coligação Democrática Unitária e que, nestas alturas, vota sempre alinhado com a bancada comunista - o que está por cumprir prende-se com a Avaliação Ambiental Estratégica, isto é, a aferição das melhores opções aeroportuárias (excluindo-se o cenário Montijo), a execução da empreitada de consolidação na antiga mina de Jales, a integração dos trabalhadores das sociedades Polis na Agência Portuguesa do Ambiente, o reforço dos apoios ao tratamento de águas residuais, a criação de um sistema de monitorização da qualidade da água e a recuperação do pinhal de Leiria.
Com o PAN, a lista das medidas "em desenvolvimento" é maior: adaptação das casas de abrigo das vítimas de violência doméstica e albergues para pessoas em situação de sem-abrigo para receberem animais de companhia, interdição da comercialização de produtos cosméticos e de detergentes que contenham microesferas/microplásticos, reforço dos meios de combate à corrupção, nomeadamente das equipas de perícia no âmbito da estratégia nacional de combate à corrupção, proibição da incorporação de óleo de palma nos biocombustíveis, criação de programas para a produção de agricultura biológica, reforço da intensidade no combate ao tráfico de seres humanos, disponibilização de verbas para instalação da Entidade da Transparência, criação de uma rede nacional de acompanhamento a vítimas de abuso sexual e intervenção com jovens agressores e criação de medidas de apoio a vítimas de casamento infantil, precoce ou forçado.
Também há medidas por cumprir acordadas com Joacine Katar Moreira (por exemplo, a criação de um observatório independente do discurso de ódio, racismo e xenofobia) e com Cristina Rodrigues (a aprovação de um sistema de prostituição).
Isto é o essencial do que está por fazer, mas o governo está confiante em que o OE 2022 voltará a ser aprovado, e nas mesmas condições em que foi aprovado o OE 2021. Aliás, essa é também a convicção do Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa já disse não estar "nada preocupado" com a aprovação do Orçamento do Estado. Em Belém, na verdade, acredita-se que a legislatura irá até ao fim (outono de 2023), sem sobressaltos de maior, nomeadamente sem a troca por António Costa da chefia do governo por voos europeus (a substituição de Charles Michel, cujo mandato como presidente do Conselho termina em 31 de maio do próximo ano).