O Parlamento discute esta quinta-feira na generalidade os cinco projetos sobre eutanásia e suicídio assistido apresentados por PS, BE, PEV, PAN e IL. Todos usam como definição para este ato "morte medicamente assistida". E são, de facto, os médicos que estão envolvidos na decisão política que hoje sair do Parlamento português. Se nenhum dos projetos passar, a questão de incumprimento do Código Civil ou do Código Deontológico estará resolvida. Se passar, o debate terá de continuar. Até porque, sublinham os dirigentes da Ordem dos Médicos, "quem a praticar estará sempre a violar o Código Deontológico, que aceitou ao entrar na profissão". O certo é que, como sublinhou o bastonário ao DN, qualquer penalização disciplinar será ineficaz, pois "a lei civil está sempre acima de qualquer código de princípios e de regras de uma profissão"..Os cinco projetos de lei que serão discutidos preveem a objeção de consciência, mas a Ordem não alterará o seu Código Deontológico. A garantia é dada pelo bastonário que voltou a afirmar que irá sempre cumprir as regras e as boas práticas definidas no código dos médicos. "É isto que um bastonário tem de fazer. Se quisesse defender a eutanásia ou propor a alteração do código teria de ter apresentado essa questão como proposta no meu programa de candidatura. Não o fiz", disse ao DN..Nesta posição é acompanhado por todos os presidentes dos conselhos regionais do norte, do centro e do sul. Ao DN, todos reiteraram que a Ordem será intransigente na pressão a uma eventual alteração ao código. "Não cederemos ao poder político", afirmaram. Se assim é, e se a lei for aprovada, e tudo indica que sim face à composição atual do Parlamento, os médicos estarão sempre em incumprimento: ou da lei civil ou do seu Código Deontológico..No entanto, e como salvaguardou Miguel Guimarães, o incumprimento das regras e dos princípios da prática médica não deverá levar a punições disciplinares, pois se levar estas serão ineficazes. "O que tenho dito aos médicos é que uma lei civil está acima de qualquer código de regras e práticas de uma classe profissional. Portanto, se tenho uma lei que despenaliza a eutanásia, qualquer punição disciplinar não terá efeitos. O médico leva a decisão a um tribunal, que o ilibará por estar dentro da lei.".Miguel Guimarães reforça, inclusive, ser um cidadão que não está ligado a qualquer religião nem a qualquer partido político. Por isso a sua posição é apenas a de médico, a de bastonário de uma classe. "Se quisesse defender a eutanásia teria de ter apresentado a questão de alteração ao código como uma proposta no meu programa de candidatura, e não o fiz. Como bastonário só tenho de fazer cumprir as regras, as boas práticas médicas e de defender sempre o que é melhor para os doentes e para os médicos", sublinhou, acrescentando: "O princípio da medicina é o de salvar vidas e não o de antecipar a morte.".O médico argumenta que "a Igreja é a Igreja. Um médico não é a Igreja". Está sujeito a um código e a regras, e se, de hoje para amanhã, alguém pensar em alterar esse código, que é dos mais antigos a nível mundial, "Portugal tornar-se-á um país mais isolado, pois a eutanásia é rejeitada por todas as associações médicas mundiais". .Como bastonário, Miguel Guimarães diz não poder deixar de salientar o facto de os partidos políticos não terem auscultado as entidades médicas ou as associações de doentes para elaborarem os projetos de lei. "Os projetos de lei não podem ser feitos à sorte. Não percebo como alguns destes documentos definem que um médico terá 24 horas para tomar a uma decisão sobre o pedido de eutanásia de um doente, e que se o seu parecer for negativo terá de o justificar. Como é que isto é possível? Justificar? Algo que vai contra a sua prática? Não vi isto em parte nenhuma do mundo.".Serão mais os médicos contra do que a favor.Para o bastonário, o que se está a passar na sociedade portuguesa é que a questão da eutanásia deixou de ser de princípio para passar a ser política. "Os médicos são livres de pensar por si. Há princípios éticos a cumprir. Uma coisa é a eutanásia, outra o suicídio assistido. Ninguém tem falado muito nesta diferença, ninguém tem referido muito porque há eutanásia em tão poucos países no mundo. A maioria optou pelo suicídio assistido porque, apesar de tudo, vai mais ao encontro do princípio da autonomia do doente." Ou seja, o doente pede este ato, que tem de ser autorizado por um médico, mas é ele quem toma a decisão e quem tem a seu a cargo a execução, já não é o médico..A eutanásia para um médico "é uma questão muito complicada", reforça Miguel Guimarães. Por isso, a perceção que tem é de que a classe não está dividida, que serão mais os que não a aceitarão do que os que a irão praticar. "A medicina não está ligada ao antecipar a morte. Veja que todas as entidades relacionadas com a ética e as ciências da vida deram pareceres negativos"..O bastonário assume que qualquer penalização disciplinar não terá eficácia, pois a lei civil sobrepõe-se ao Código Deontológico. Disso não tem dúvida. Mas os presidentes dos conselhos regionais do norte, centro e sul também defendem as suas posições. Todos consideram que cada caso é um caso, mas que os conselhos disciplinares deverão estar atentos a todas as práticas, até para não se atingir "situações como as que têm sido alcançadas na Bélgica e na Holanda"..De acordo com o procedimento normal, cada médico que pratica eutanásia estará a violar o Código Deontológico, os casos que chegaram à Ordem deverão ser, primeiro, analisados pelos conselhos disciplinares de cada secção regional e depois pelo conselho nacional.."Não vejo que um médico possa ser penalizado por esta prática".Carlos Cortes, presidente do Conselho Regional do Centro, frisou ao DN que "cada caso é um caso, que os conselhos disciplinares deverão analisar à luz do Código Deontológico mas também à luz da lei portuguesa. Neste sentido, não vejo que um médico possa ser punido ou penalizado de alguma forma por praticar este ato"..O médico defende que "se a lei for aprovada, o doente tem o direito de fazer essa opção e que o profissional terá o direito de a recusar, mas se a aceitar praticar não concebo que possa haver qualquer penalização", justificou, salvaguardando que "a ética e a deontologia médicas são intemporais e independentes da lei em vigor no país, precisamente para se proteger os doentes"..Até porque, salienta, "os projetos em discussão são vagos e imprecisos. Esta é aliás uma das críticas que nós, como Ordem, temos feito. Por isso se a lei for aprovada terá de haver um esforço maior por parte dos conselhos disciplinares para analisar caso a caso".."Será um ato médico remunerado? Sujeito a impostos ou não? Decisores pensaram nisto?".António Araújo, presidente do Conselho Regional do Norte, defende que, independentemente da lei, "qualquer médico que pratique eutanásia estará a violar o Código Deontológico, deverá ser avaliado e a pena poderá ir até à expulsão"..O médico critica o facto de a questão voltar a debate nesta altura, quando "há muitas outras questões com que os nossos decisores políticos deveriam estar preocupados, que deveriam estar a debater e a resolver, como a importância das unidades de cuidados paliativos ou o apoio aos cuidadores informais"..Para este médico, a questão da eutanásia só deveria ser colocada quando estas questões estivessem resolvidas e diz mesmo:"São temas que só são fraturantes para uma minoria da população e que apostam nelas para esconder outras que não são capazes de resolver.".Antóno Araújo disse ao DN não acreditar que a classe médica esteja dividida nesta questão. "É evidente que há sempre uma ou outra exceção. É uma forma de pensar diferente. Aceito isso, mas uma coisa é o pensar diferente, outra é atuar de forma que vá contra os princípios e as regras da medicina que é salvar vidas e não matá-las", sublinhou..Mas, alerta, "os nossos decisores por acaso pensaram na questão se este ato médico deve ser remunerado? Se este ato médico está isento de impostos, se vão ser criadas condições no Serviço Nacional de Saúde e noutras unidades para que seja praticado?".Intransigentes no cumprimento do código.Para o presidente do Conselho Regional do Sul, Alexandre Valentim Lourenço, ainda é cedo para se falar destas questões. "Só depois de a lei ser aprovada, de ir a discussão na especialidade e de termos conhecimento do texto final é que a Ordem terá de pensar numa forma de tratar os casos de violação ao código.".O médico não sabe se a classe está dividida, mas sabe que há muitas divisões: "Há quem seja contra, há quem seja a favor, há quem aceite como princípio mas receia que se chegue a uma situação como a Bélgica e a Holanda devido aos casos polémicos, ou que até seja a favor e não concorde com os projetos que estão a ser discutidos.".Há um pouco de tudo, mas defende que "a Ordem deve ser intransigente na questão de alterar o Código Deontológico". Quanto à avaliação dos casos pelos conselhos disciplinares, o médico considera que se houver incumprimento do código deve haver avaliação e penalizações.