Biden a caminho de um governo paritário e mais diverso do que nunca
Este governo será mais representativo do povo americano do que qualquer outro na história", disse o presidente eleito dos EUA, Joe Biden, na apresentação de algumas das suas escolhas. Para já, e quando ainda falta conhecer seis nomes, a futura administração norte-americana, além da primeira mulher vice-presidente, conta com outras nove mulheres, entre elas a primeira à frente do Departamento do Tesouro. Há ainda 11 membros de minorias, incluindo a primeira secretária nativa-americana ou o primeiro latino na pasta da Segurança Interna, assim como o primeiro secretário assumidamente homossexual. Um gabinete cheio de "quebra-barreiras" e de "pioneiros", disse o próprio Biden.
A pouco mais de um mês de tomar posse (a cerimónia será a 20 de janeiro), o democrata continua a planear o futuro, mesmo que a sua vitória nas presidenciais de 3 de novembro não tenha ainda sido reconhecida por Donald Trump. O presidente continua a insistir que a
vitória foi "roubada" aos republicanos, apesar de estar a ficar cada vez mais isolado. E enquanto continua a planear que mais obstáculos poderá colocar a Biden, este está a rodear-se de uma equipa experiente que diz que estará preparada "desde o primeiro dia" para trabalhar.
A administração norte-americana está dividida em diferentes níveis, com o núcleo duro a ser formado por cinco nomes, em que se inclui a vice e os responsáveis pelos Departamentos do Estado, do Tesouro e da Defesa, além do procurador-geral. Com Trump, são todos homens brancos e, no passado, as mulheres só ocuparam os cargos de secretária de Estado e procuradora-geral. Bill Clinton (1993-2001) foi o único que teve duas mulheres em simultâneo nesses cargos.
Biden ainda não escolheu quem ficará na Procuradoria-Geral, mas já tem duas mulheres a fazer história neste núcleo duro: a própria vice-presidente Kamala Harris, que é também a primeira afro-americana e descendente de imigrantes (o pai da Jamaica, a mãe da Índia) neste cargo, e Janet Yellen, que será a primeira secretária do Tesouro. Já fez história quando foi a primeira à frente da Reserva Federal.
Mas o grupo inclui ainda o primeiro afro-americano nomeado para a pasta da Defesa, o ex-general Lloyd Austin. Contudo, por estar na reserva há menos de sete anos, precisará de uma autorização especial de ambas as câmaras do Congresso para ocupar o cargo, além de ter de passar na confirmação do Senado, como todos os outros nomeados.
À frente da diplomacia estará Antony Blinken, um dos vários da administração que já desempenharam papéis de topo nos mandatos de Barack Obama. É mais uma prova de que Biden quer pessoas com experiência para o cargo, algo muitas vezes criticado na administração de Trump. A nível externo, o democrata quer reforçar o papel dos EUA como um líder mundial e Blinken, que passou a adolescência na Europa, vê no Velho Continente um "parceiro de primeiro recurso"
O presidente eleito juntou um sexto cargo ao seu núcleo duro: o de enviado especial para o Clima (não precisa de ser confirmado pelo Senado). A posição será do ex-secretário de Estado John Kerry, que terá um lugar na mesa do Conselho de Segurança Nacional. Uma prova da importância que Biden atribui às questões das alterações climáticas, sendo uma das suas prioridades voltar ao Acordo do Clima de Paris, que Trump rasgou.
O segundo nível da administração é formado pelos outros 11 secretários. Biden ainda não nomeou três (Trabalho, Educação e Comércio), tendo por enquanto apenas três mulheres neste nível - o máximo que qualquer presidente chegou a ter, incluindo Trump. Duas delas pertencem a minorias. A congressista Deb Haaland, da comunidade Laguna Pueblo, será a primeira nativa a ocupar o cargo de secretária do Interior que, entre outras competências, é responsável pela gestão das relações federais com as 578 tribos reconhecidas no país. A afro-americana Marcia Fudge, que chegou a ser apontada para a Agricultura, ficará na pasta da Habitação. A terceira mulher deste grupo é Jennifer Granholm, na Energia.
Mas há outros secretários "pioneiros", como lhes chama Biden. É o caso do cubano-americano Alejandro Mayorkas, o primeiro latino à frente da Segurança Interna, com um segundo latino, Xavier Becerra, a assumir a pasta da Saúde. Uma das mais importantes neste momento, tendo em conta a pandemia de coronavírus. Para o lóbi latino, são ainda poucos, já que este foi um eleitorado que Biden não conseguiu conquistar tanto a Trump como se esperava (nomeadamente na Florida) e os democratas não querem perder a oportunidade para reverter a perda dos votos hispânicos para os republicanos.
Já Pete Buttigieg, ex-presidente da câmara de uma pequena cidade do Indiana (South Bend) e antigo adversário de Biden nas primárias democratas na corrida à Casa Branca, será o primeiro secretário assumidamente homossexual. Vai liderar a Secretaria dos Transportes. Buttigieg, juntamente com as secretárias da Energia e do Interior e com o diretor da Agência para a Proteção Ambiental, Michael Regan (que será o primeiro afro-americano neste cargo), terão o desafio de reconverter os sistemas de transportes e energéticos, assente nas lógicas de petróleo e carvão, para a energia solar, eólica, entre outras.
A pasta de Regan encontra-se no terceiro e último nível dentro da administração, que inclui outros oito cargos, desde o chefe de gabinete (outro que não precisa de ser confirmado pelo Senado) ao representante dos EUA na ONU. Biden já escolheu cinco mulheres (quatro delas de minorias) e dois homens, faltando nomear ainda alguém para dirigir a CIA e um responsável pela Administração de Pequenas Empresas. Há ainda outros cargos de conselheiros e de diretores de agência dentro da Casa Branca, igualmente importantes, mas oficialmente não fazendo parte do "gabinete".
As "quebra-barreiras" deste terceiro nível são Avril Haines, a primeira mulher a dirigir os Serviços de Informação Nacionais (que supervisiona as secretas do país), e Katherine Tai, a primeira representante para o Comércio de origem asiática (os pais eram imigrantes de Taiwan). A advogada, que trabalha junto com a comissão do Congresso responsável pelas regras fiscais, é especialista em questões de comércio livre e China, e ficará com o dossiê das relações comerciais sino-americanas. Neera Tanden, filha de indianos, será a primeira pessoa de ascendência asiática a dirigir o Orçamento norte-americano.
Feitas as contas, e quando faltam nomear seis pessoas, Biden tem para já um gabinete paritário, com dez mulheres (contando com Kamala Harris) e dez homens (sem contar com o próprio). Um número recorde de representantes do sexo feminino - Barack Obama teve um máximo de oito mulheres. A primeira mulher com um cargo de secretária foi Frances Perkins, que teve a pasta do Trabalho na administração de Franklin D. Roosevelt e depois com Harry Truman (1933-1945).
Em relação a representantes de minorias, Biden já nomeou 11 pessoas (Obama tinha tido nove). O primeiro afro-americano na administração foi Robert Weaver, secretário da Habitação entre 1966 e 1968, na presidência de Lyndon Johnson. Foi nessa pasta que também se estreou a primeira afro-americana no governo, Patricia Robert Harris, entre 1977 e 1979, quando Jimmy Carter estava na Casa Branca.
A importância da representatividade ficou presente no discurso de vitória de Kamala Harris como vice-presidente. "Apesar de ser a primeira mulher neste cargo, não serei a última, porque cada menina a ver-me nesta noite vê que este é um país de possibilidades", disse, depois de elogiar o trabalho de todas as pioneiras antes dela. E apesar de Trump, com a sua administração maioritariamente masculina e branca, ter representado um passo atrás do que tinha vindo a ser feito, "uma vez que se começa na trajetória de nomear mais mulheres, é difícil recuar", afirmou a cientista política Tiffany Barnes, ao site fivethirtyeight.com. E lembrou que Carter e Ronald Reagan começaram o mandato com duas mulheres no governo, George Bush pai com três, Bill Clinton com cinco, George W. Bush com quatro e Obama com oito.
Com exceção de Biden e de Kamala, todos os restantes membros da administração têm de ser aprovados pelo Senado, que por enquanto é dominado pelos republicanos. Caso os democratas ganhem as duas segundas voltas na Geórgia, a 5 de janeiro, pode haver um empate com 50 senadores para cada partido. Nesse cenário, a vice-presidente, como líder desta câmara, terá o voto de desempate e o futuro será ligeiramente mais simples para o presidente.
Os processos de confirmação dos nomeados de Biden já começaram, com as diferentes comissões a enviarem os questionários prévios que estes terão de preencher. A equipa do presidente eleito tem pressionado para que as audições aos candidatos ocorram ainda antes da tomada de posse, para permitir uma rápida confirmação e assim não deixar o país, recordista em números de casos e de mortes por covid-19 e a mãos com uma crise económica, mais tempo à espera. Sem a confirmação, Biden terá de herdar os responsáveis de Trump ou funcionários de carreira em cargos interinos.
Uma vez que o presidente ainda não admitiu a derrota, poderá haver senadores que atrasem o processo. E tem o precedente do que aconteceu com o próprio Trump, há quatro anos. Só dois dos seus nomeados, o secretário da Defesa, Jim Mattis, e o secretário da Segurança Interna, John Kelly, foram confirmados no dia da tomada de posse do presidente. Dos últimos quatro inquilinos da Casa Branca, foi o que menos nomeados viu confirmados no primeiro dia de mandato. O secretário da Agricultura, Sonny Perdue, cuja nomeação foi anunciada na véspera da tomada de posse, só foi confirmado três meses depois, a 24 de abril de 2017.
Procuradoria-Geral
É o nome que falta no núcleo duro da administração. Segundo os media dos EUA, a escolha será entre o juiz Merrick Garland e o senador Doug Jones, do Alabama.
Secretaria do Comércio
Biden estará a avaliar entre Meg Whitman, ex-CEO da Hewlett Packard, e Mellody Hobson, ex-CEO da DreamWorks, afro-americana e mulher do realizador George Lucas.
Administração de Pequenas Empresas
O único nome que foi falado foi o de Diana Taylor, empresária, antiga supervisora da Banca de Nova Iorque e companheira do ex-candidato Michael Bloomberg.
CIA
O ex-número dois, David S. Cohen, parece ser o favorito. Mas na corrida está também a ex-úmero dois da Secreta Nacional, Susan Gordon, ou o ex-diretor da Agência de Informação de Defesa, Vincent Stewart.
Secretaria do Trabalho
Um dos candidatos será o senador e ex-adversário de Biden, Bernie Sanders. A favorita parece ser Julie Su, secretária do Trabalho da Califórnia, mas há mais nomes.
Secretaria da Educação
A escolha será entre Miguel Cardona, que tem esse cargo no Connecticut, ou Leslie Fenwick, ex-reitora da Escola de Educação da Universidade de Howard.