Um filme fofinho sobre a hipotética amizade entre o atual Papa, Francisco, e o anterior, Bento XVI. Fernando Meirelles, o brasileiro que nos deu Cidade de Deus mas também Ensaio sobre a Cegueira, coloca no genérico "baseado em acontecimentos verdadeiros", mas mais vale apostar que grande parte destes diálogos entre os papas são matéria especulativa..O ecrã mostra-nos Francisco a convencer Bento a comer piza em pleno Vaticano, já para não falar em ver futebol (a final do Mundial de 2014); dançar tango e ouvir os Abba. Um caderno de excentricidades que faz parte de uma proposta de um jogo hipotético: tudo durante um encontro em Roma entre o Papa Bento XVI, um ano antes de abdicar, e o atual Papa, supostamente com vontade de pedir a dispensa de cardeal. A teoria dos opostos atraem-se num longo diálogo em que se debatem temas como a reforma da Igreja Católica, os crimes de pedofilia dos padres e, sobretudo, o passado de Francisco como jesuíta na Argentina da ditadura, onde supostamente não ficou persona grata após a tortura de colegas seus, ele que alegadamente tentou ser diplomata com as forças do regime, precisamente quando era o mais alto representante dos padres jesuítas..Entre flashbacks e o encontro em 2013 entre os dois papas, o argumento de Antonhy McCarten (Bohemian Rhapsody) encena uma aproximação gradual entre dois homens com conceção diferente face a uma abertura da Igreja. A teoria aqui é que Bento deu a Francisco o impulso para não desistir da sua vocação, atirando-o literalmente à sua sucessão, enquanto Francisco fez que Bento se abrisse aos seus fiéis (há mesmo um episódio de selfies em pleno Vaticano) e se soltasse, encontrando o que de mais humano tem dentro de si. O gancho do clímax surge numa confissão a dois, em que ambos assumem os seus pecados. A bem dizer, Dois Papas lança um retrato promocional de ambos, entre uma bonomia preguiçosa e um gesto ilustrativo com pouco cinema. Uma boa ideia que é jogada fora com excesso de boas intenções e uma atração pelas simplificações e atalhos daquilo que se pode entender como cinema burguês: tom condescendente, música "simpática" e sentimentalismo televisivo. Querer estar bem com deus e o diabo no mesmo filme não é particularmente o mais excitante cinematograficamente falando, especialmente quando se põe ao barulho questões de fé....Fernando Meirelles, muito longe da intensidade de Cidade de Deus e O Fiel Jardineiro, parece estar a filmar um sermão sereno para público da terceira idade. Cinema bota-de-elástico com pontuações de banda sonora plácidas e um humor tão óbvio como de mau gosto, onde tudo é vincado, sinalizado e sem ponta de ironia. Acontece mesmo a sensação de sentirmos que estamos a cair na ratoeira do voyeurismo turístico, sobretudo quando a câmara insiste em mostrar de forma orgulhosa tudo o que se passa nos bastidores: da votação dos cardeais ao momento das refeições do Papa. O único elemento a considerar talvez seja um trabalho de depuração da colocação da câmara, maioritariamente em movimento e sem medo de se jogar para cima do campo das personagens....Depois temos um Anthony Hopkins como Ratzinger que exagera nos tiques e nos maneirismos. Não está ali o antigo Papa, apenas um "número". Jonathan Pryce como Bergoglio precisava de direção. Trata-se de uma interpretação correta, com o bónus da incrível parecença física, mas que não transmite a energia e o carisma do atual Papa, longe disso. Seja como for, com o estado de graça que o filme conseguiu desde o Festival de Toronto, é bem possível que chegue para ambos serem nomeados para os Óscares: Hopkins para secundário, Price para principal....Dois Papas, pelo tema e sua abordagem mainstream, talvez venha a conseguir um sucesso estrondoso no número de visualizações na Netflix, mas fica a sensação literal de que Meirelles não encontrou conteúdo neste encontro de Papas para além do fascínio pelo fait divers, quanto mais não seja por não ter tido coragem de ir em frente para um objeto sobre a palavra e o diálogo. O cinema da palavra para o grande público dá muito trabalho....** Com interesse