"Considerando que as perturbações e fraco rendimento atuais da função pública resultam, em boa parte, da permanência no seu seio de funcionários altamente colocados e gravemente comprometidos com o fascismo" e a existência de "situações de impasse no saneamento da função pública", determina-se que os funcionários que revelem "comportamento contrário ao espírito da ordem democrática vigente" ou que "comprovadamente revelem inadaptação ao novo regime democrático" poderão ser "transferidos", "suspensos sem vencimento", "aposentados compulsivamente" ou "demitidos"..Este é o resumo do decreto 123/75, publicado a 11 de março do mesmo ano, assinado pelo então primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, e pelo Presidente da República, Costa Gomes. E é um dos 815 diplomas que esta sexta-feira será expressamente revogado na Assembleia da República, através de uma proposta do governo que incide sobre legislação já obsoleta, publicada entre os anos de 1974 e 1980..São mais de oito centenas de textos legais que se estendem por 16 campos de governação. A área das Finanças lidera, destacada, o número de revogações, que abrangem 294 diplomas. Segue-se a Defesa, com 99, a Presidência do Conselho de Ministros, com 83, ou a Administração Interna, com 79 diplomas. Negócios Estrangeiros, Justiça, Cultura, Educação, Trabalho, Saúde, Economia ou Ambiente são outras das áreas visadas..No conjunto de diplomas há legislação para todos os gostos. Há o decreto que "compreende normas eleitorais para a Assembleia Constituinte de Cabo Verde"; o que "regula o preenchimento de vagas dos membros do Conselho da Revolução; há o decreto de 76 que "amnistia os crimes políticos e as infrações disciplinares da mesma natureza cometidos desde o 25 de Abril de 1974; há o "empréstimo interno de 2 547 140 244$00" em 1975; o decreto de 1976 que "fixa os vencimentos dos vice-primeiros-ministros e a sua retroatividade" (esclarece o próprio diploma que uma lei de 1975 criou o cargo de vice-primeiro-ministro, mas sem lhe atribuir qualquer remuneração). E até há o decreto que determina que aos saneados da função pública ao abrigo do decreto 123 seja "reconhecida a faculdade de intentar processo de reabilitação"..A proposta que será votada sexta-feira no Parlamento é a segunda tranche de um pacote de revogações que, no total, determinará a não vigência legal de 2264 diplomas, no âmbito do programa Revogar+, inserido no Simplex+. Numa primeira fase, em março deste ano, foram revogadas por decisão do Conselho de Ministros 1449 leis antigas. Já as oito centenas que agora estão na Assembleia da República têm de ser "anuladas" pelos deputados, por se tratar de matérias de competência parlamentar..De acordo com o que referiu o governo, à data da aprovação dos diplomas em Conselho de Ministros, "embora muitos dos diplomas que agora são eliminados já não produzissem quaisquer efeitos jurídicos" - por "caducidade, perda de objeto ou puro anacronismo" -, a "verdade é que nunca foram revogados de forma expressa, podendo suscitar dúvidas quanto à sua aplicabilidade"..Para esclarecer essas dúvidas "seria necessário um trabalho muito moroso e complexo de averiguação jurídica", pelo que o executivo optou pelo "decretamento explícito e solene" dos diplomas. Na proposta que chegou à Assembleia da República, o executivo garante que a "identificação destes diplomas resulta de um levantamento metódico e exaustivo", realizado ao "longo de vários meses por uma equipa especializada e dedicada em permanência a tal tarefa", tratando-se de "um trabalho laborioso de análise individualizada e sistemática de todos os decretos-leis aprovados desde 1975"..Mas há uma entidade que não concorda com a proposta final. Num parecer enviado à Assembleia da República, o governo regional dos Açores pediu para ser retirado da lista um decreto de 1978 relativo à área do trabalho, pedindo que este não seja revogado sem que seja substituído por outro texto legal, sob pena de as autoridades açorianas deixarem de ter base legal para a intervenção executiva ou administrativa em matéria de trabalho.