O presidente da Generalitat, Quim Torra, defendeu nesta semana a realização de um novo referendo sobre a independência da Catalunha antes do final da legislatura. Ao mesmo tempo, rejeitou a violência dos protestos, culpando um grupo de infiltrados, mas defendeu que os catalães devem continuar nas ruas a criticar a sentença dos líderes independentistas. A sua grande arma são as ruas..Do outro lado da barricada, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, diz que não descarta qualquer mecanismo legal para responder à situação na Catalunha, sendo pressionado pela oposição de direita a recorrer ao artigo 155.º da Constituição espanhola e suspender a autonomia catalã..Neste jogo de ameaças e de bluff, o socialista tem nas mãos o recurso a esta "arma nuclear", mas o arsenal não se fica por aí. E tem de pensar na proximidade das eleições de 10 de novembro, sabendo que a longo prazo o artigo 155.º não é solução para a Catalunha..As ruas.Do lado dos independentistas, a maior arma são as ruas. A condenação dos líderes independentistas a penas entre os 9 e os 13 anos de prisão serviu, como previsto, para dar novo fôlego aos protestos. Mas as imagens de violência - mesmo sendo responsabilidade de uns poucos grupos radicais - podem complicar as contas a Quim Torra. Especialmente porque não se sabe das suas ligações aos Comités de Defesa da República ou ao mais recente e secretivo Tsunami Democràtic, que estão por detrás dos protestos..Em dia de greve geral, centenas de milhares de catalães marcharam nesta sexta-feira em direção a Barcelona, no quinto dia de protestos, bloqueando estradas e obrigando a cancelar mais alguns voos no aeroporto de El Prat. Uma manifestação pacífica, como tem sido pedido pelos líderes independentistas, que ao final da tarde terminou em cenas de violência como as que têm marcado os protestos nas noites anteriores..Na quinta-feira, grupos independentistas chocaram com militantes de extrema-direita depois de uma marcha estudantil sem problemas. Torra acusa grupos de infiltrados de estarem por detrás da violência, mas a posição do governo catalão tem sido alvo de contestação. Primeiro porque demorou a condenar a violência e a defender as forças de segurança, depois por causa da atuação dos Mossos d'Esquadra (a polícia catalã), ao lado da Polícia Nacional, que foi considerada desproporcional..Novo referendo ou eleições.O presidente da Generalitat defendeu, na quinta-feira, voltar a organizar um novo referendo independentista até ao fim da legislatura. "Tem de se voltar a pôr as urnas para a autodeterminação", disse Torra num discurso aos deputados no Parlamento catalão, com o seu gabinete a falar da hipótese de umas eleições legislativas transformadas num plebiscito à independência..Mas os planos do líder do governo catalão embatem na desconfiança dos sócios do executivo, voltando a mostrar as divisões dentro do independentismo. A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), cujo líder Oriol Junqueras foi condenado à pena mais elevada de 13 anos de prisão, foi apanhada de surpresa pela proposta de Torra, rejeitando a ideia de pôr prazo e lembrando que "foi nos grandes acordos que o independentismo avançou". Também o Junts per Catalunya, do próprio Torra, foi surpreendido e até os radicais da Candidatura de Unidade Popular desconfiam, apelidando de "unilateral" esta medida..Artigo 155.º.É a arma nuclear à disposição do governo espanhol. O artigo 155.º da Constituição espanhola permite a suspensão da autonomia catalã e foi usado pela primeira pelo ex-primeiro-ministro Mariano Rajoy, após a confusa declaração unilateral de independência em outubro de 2017.."Se uma Comunidade Autónoma não cumprir as obrigações que a Constituição ou outras leis lhe imponham, ou atuar de forma que atente gravemente contra o interesse geral de Espanha, o governo, após uma solicitação ao presidente da Comunidade Autónoma e caso não seja atendido, com a aprovação de maioria absoluta do Senado, poderá adotar as medidas necessárias para obrigá-la ao cumprimento forçoso de ditas obrigações ou para a proteção do mencionado interesse geral", diz o artigo em causa..Rajoy usou o artigo 155.º, com o apoio do PSOE e do Ciudadanos, para convocar novas eleições na Catalunha. Sánchez, apesar de estar apenas interinamente no cargo, poderá recorrer ao mesmo mecanismo para assumir o controlo da situação. "Um governo em funções pode aplicar o 155.º sem problemas, estudámos a situação e não haveria nenhum problema constitucional nem de legitimidade", disse Sánchez numa entrevista à Cadena Ser, ainda antes de ser conhecida a condenação dos líderes independentistas a penas entre os 9 e os 13 anos de prisão..Para aplicar o 155.º, Sánchez deve primeiro solicitar a Torra que altere o comportamento considerado incorreto, dando-lhe um prazo para o fazer. Caso não seja atendido, o líder socialista terá de recorrer ao Senado. Este foi dissolvido por causa da convocação das eleições para 10 de novembro, contudo, existe a chamada Deputação Permanente (como a Comissão Permanente na Assembleia da República de Portugal), que será a responsável por aceitar ou rejeitar o pedido do primeiro-ministro. Os socialistas têm a maioria e contariam com o apoio do PP e do Ciudadanos para aprovar a aplicação do 155.º, mas Sánchez tem de pensar na campanha eleitoral e garantir que não perde votos para a direita..Lei de Segurança Nacional.Mas esse é o recurso mais radical, havendo outras armas à disposição de Sánchez. Uma delas é a Lei n.º 36/2015, que foi aprovada há quatro anos com os votos favoráveis do PP (então no governo) e do PSOE e rejeitada pelos independentistas. Esta lei dá ao governo "autoridade funcional" para liderar as ações "em matéria de segurança e ordem públicas" face a uma situação de interesse para o país..A Lei de Segurança Nacional só precisa de um real decreto aprovado pela Deputação Permanente para ser implementada e, na prática, permite ao Estado controlar todas as forças e corpos de segurança, incluindo os autonómicos. Poderia ser usado caso se considerasse que a polícia catalã não estaria a responder aos interesses do país, mas da Generalitat. Mas não parece ser o caso, com os Mossos a serem criticados pelos manifestantes pela resposta que têm tido à violência..O recurso a esta lei já foi defendido pelo PP e pelo Ciudadanos. Mas o Vox vai mais longe e pede o recurso ao artigo 116.º da Constituição. Este regula, da menor para a maior gravidade, o estado de alarme, estado de exceção ou estado de sítio. Só pode ser usado quando devido a circunstâncias extraordinárias for impossível a manutenção da normalidade mediante os poderes normais das autoridades competentes. Só pode ser usado temporariamente e inclui a suspensão de alguns direitos fundamentais dos cidadãos, como a liberdade de expressão ou de reunião.