Nuno Crato: "É muito importante modernizar a formação de professores"

Prefere falar de ideias e não de políticas e recusa-se a fazer comentários sobre quem ocupa ou ocupou o cargo que já foi seu, o de ministro da Educação. Nuno Crato está preocupado com a falta de docentes e de exames aos alunos, que deveriam ser no final de cada ciclo.
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Numa entrevista que deu no arranque do atual ano letivo disse não perceber qual é a política de educação que estava a ser seguida em Portugal. Já percebeu entretanto?

Continuo com dúvidas.

Quais são essas dúvidas?

São as dúvidas de para onde é que se quer caminhar, o que é que se quer fazer em relação ao essencial da educação, em relação ao currículo, em relação à avaliação, etc. Mas se calhar não sou só eu que tenho as dúvidas.

Mas este caminho não é o correto?

O próprio governo tornou muito claro que uma série de coisas que estava a fazer era diferente daquilo que tinha sido feito anteriormente. Eu nunca gostei de estar a comentar politicamente o que os governos fazem, acho que é um bocado deselegante.

O tema do primeiro episódio do podcast da TSF e da Iniciativa Educação "Educar Tem Ciência" no qual participa foi a falta de professores. Porquê a escolha deste tema?

É um tema muito atual, mas é um tema que já se conhece há muitos anos porque a demografia é das coisas mais previsíveis que existem. Já se sabia que íamos chegar ao momento em que muitos professores iam sair do sistema, o que é uma coisa muito preocupante, porque estes professores têm consigo experiência de muitos anos. Foram estes professores que conseguiram que os nossos alunos tivessem subido muito durante muitos anos no PISA e no TIMSS, são professores que estão muito habituados aos seus alunos, que dominam bem as matérias e vê-los sair é preocupante. Agora, o problema principal é o que vai acontecer com os que entram. Será que os que entram estão tão bem preparados como estes?

Como é que se encontram professores de qualidade?

Esse é um problema muito importante. Podemos resolver o problema da falta de professores de uma maneira imediata, superficial, e, em certo aspeto, talvez prejudicial para o futuro. Eu estou convencido que sabendo-se que existe falta de professores, sabendo-se que existem mais lugares do que candidatos, os jovens vão reorientar-se. Vão existir candidatos e este problema, desse ponto de vista, muito provavelmente pode estar resolvido a breve trecho, a dois, três, quatro, cinco anos. O que não está resolvido a breve trecho é o problema da qualidade dos professores. E esse ponto é tão importante, ou se calhar mais, do que o problema de encontrar candidatos para os lugares que estão abertos.

No segundo episódio do podcast falou sobre o PISA. No mês passado, os alunos que participaram no estudo deste ano estiveram a ser testados. Que resultados acha que Portugal pode esperar?

É muito difícil dizer alguma coisa, mas nós, de facto, iniciámos uma tendência para a descida em 2016, semelhante a alguns outros países quando mudaram de política, como a Finlândia. O que é que eu estou à espera? Eu julgo que esta tendência à descida é provável que continue, talvez agravada com a pandemia. Acho, sobretudo, que o que é importante é olhar para o PISA deste ponto de vista: o PISA vai dar-nos dados sobre a situação real da educação e esses dados são muito importantes neste momento porque praticamente não temos mais nenhuma avaliação fiável que diga como os nossos alunos estão, porque as provas finais desapareceram e os exames estão a oscilar de critérios de ano para ano.

Se Portugal voltar a descer nos mais recentes resultados do PISA é motivo para nos preocuparmos seriamente?

Acho que é motivo para nos preocuparmos seriamente.

E como é que podemos contrariar essa tendência de descida?

Podemos tentar tornar o currículo mais bem estruturado, mais exigente, tentar que os manuais escolares sejam melhores, tentar que a formação dos professores que aí vêm tenha maior qualidade. Podemos tentar mais provas estandardizadas em Portugal que nos permitam olhar para a situação, seja elas exames, sejam elas provas de aferição, como existiam antigamente. Atualmente também existem mas não estão estandardizadas da mesma maneira. Podemos tentar encontrar processos de medir o que se está a passar para ir corrigindo as coisas. Eu julgo que estar cegos sobre a situação da educação é pior.

Disse numa entrevista que considerava que o ensino em Portugal era demasiado tradicional e, ao mesmo tempo, demasiado moderno. O que quer dizer com isso?

Porque é que há aspetos do nosso ensino que ainda são muito tradicionais? Existem resquícios de métodos de ensino muito tradicional, com pouca atenção nos resultados dos alunos, tendo só atenção no fim, com exames, quando existem, e não no acompanhamento dos alunos, e existem também alguns casos em que o ensino ainda é muito repetitivo, muito monótono. Quando eu digo demasiado moderno é uma maneira de dizer demasiado modernista, futurista, é o ensino baseado em ideias que não têm sustentação prática e que nos fazem pensar que no futuro tudo é diferente. A ideia que no futuro tudo vai ser diferente é uma ideia que é subjacente a algumas correntes de pensamento, quando, na realidade, o cérebro humano não muda. As pessoas às vezes pensam, e nós temos uma série de artigos no nosso site sobre isso, que os jovens mudaram, pensam que agora são nativos digitais e, portanto, aprendem de outra maneira. Os jovens são como nós, o nosso cérebro é o mesmo que era. Claro que os jovens estão sujeitos a uma cultura diferente, em certos aspetos bem, em certos aspetos mal. Portanto, quando eu falo em demasiado moderno, o que eu quero dizer é que muitas vezes existem ideias que são futuristas e não baseadas em dados objetivos. O que nós neste podcast estamos a tentar fazer é tentar romper com esta dicotomia em que dizem "tu és um bota de elástico" ou "não, tu é um maluco futurista" e pensar no que é que os dados nos dizem, o que é que a ciência nos diz sobre como é que as pessoas aprendem, sobre a importância dos exames, sobre a importância da repetição, sobre a importância do sentido crítico, o que é que a ciência nos diz sobre como é que aprendemos a ler, o que é que a ciência nos diz sobre como é que aprendemos matemática, o que é que a ciência nos diz sobre a importância da leitura.

E como é que a ciência pode ajudar a educação?

O TIMSS aparece em 1995, o PISA aparece em 2000, depois aparece o PIRLS, aparecem uma série de outros estudos. Isto traz uma massa de dados sobre os quais se pode refletir e sobre os quais se podem fazer comparações e se podem fazer análises - sobre a influência da família, sobre a influência da língua, sobre a influência do número de anos que se passa na escola. Neste século, temos muito mais dados para pensar objetivamente sobre educação do que tínhamos no século passado. Esta é a primeira coisa, dados. A segunda coisa é a psicologia. A psicologia do século passado teve grandes avanços, mas os grandes avanços reais com impacto na educação aparecem sobretudo no fim do século. Ou seja, o Piaget fez grandes avanços, teve grandes ideias, mas muitas das suas ideias - e estou a falar talvez da pessoa mais citada em educação no século passado - tinham grandes limitações. A psicologia cognitiva começa a perceber o essencial da forma como percebemos as coisas e como aprendemos no último quartel do século XX, mas, na realidade, segundo alguns especialistas, é mesmo no século XXI que dá o grande arranque. Sabe-se muito mais hoje sobre a importância da atenção, sobre as limitações da memória de trabalho, sobre a importância da memória a longo prazo, sobre a importância da memória para a compreensão, do que se sabia no século passado. E é um avanço imenso.

Como é que isso se traduz em termos práticos?

Por exemplo, como é que se estuda? É melhor ler o mesmo livro duas ou três vezes ou é melhor ler o livro uma vez, fechar e fazer perguntas a si própria sobre o livro que se acabou de ler? É a segunda. Uma das coisas que nós queremos fazer com o site da Iniciativa Educação e com a nossa atividade é fornecer instrumentos aos jovens que lhes permitam estudar melhor.

E além da psicologia?

Depois há a economia da educação. Hoje existem métodos econométricos, métodos estatísticos de análise dos dados, que praticamente permitem tirar conclusões quase com o mesmo rigor que as experiências puras na ciência tiram. A economia da educação, neste momento, permite-nos concluir coisas sobre a importância dos exames, sobre a importância da dimensão das turmas, sobre muitos aspetos que antigamente não conhecíamos.

Tudo isto de que me falou não servirá também para, por exemplo, mudar a formação dos professores? Mudar o sistema educativo, começando por mudar a educação dos novos professores?

A educação dos professores é um ponto fundamental. Os estudos da economia da educação mostram isso, mostram que a qualidade dos professores é muito importante para a qualidade do ensino e para a formação dos jovens.

E aí mudar a tal questão do ensino tradicional e do ensino modernista?

É muito importante que os novos professores, que os professores que estão a ser formados, sejam formados na psicologia moderna e não ainda do Vygotsky e do Piaget. O Vygotsky morreu em 1934, por exemplo, e é o que mais se ouve em algumas escolas. É importante que as pessoas tomem contacto com isto que a ciência moderna nos transmite e que permita aos professores e aos jovens estudar mais, aprender mais, ser mais eficiente enquanto professor, ser mais eficiente enquanto aluno. Portanto, sim, é preciso modernizar, é muito importante modernizar a formação de professores para os que aí vêm.

E poderia, se calhar, haver alguma urgência nessa modernização no ensino, tendo em conta que estamos numa época de falta de professores?

Exatamente. Completamente de acordo.

As provas e os exames nacionais dos alunos do básico e do secundário serão feitas em formato digital em 2025. Acha boa ideia?

Eu acho boa ideia. Começa a ser incomportável fazer certo tipo de provas manuais, sobretudo estas provas estandardizadas. Todo o mundo está a caminhar nesse sentido, o PISA está a fazer as coisas assim. E, quanto mais digitalizado estiver o processo de avaliação, mais fácil é replicar esse processo, fazê-lo mais frequente, conhecer melhor a realidade. Portanto, eu diria que o processo de digitalização dos exames é uma boa ideia e vai permitir poupar tempo, fazer mais avaliações. E eu acho que é importante fazer mais avaliações, porque, neste momento, não temos um número de avaliações razoável que nos permita perceber a evolução dos alunos ao longo da escolaridade.

Uma das minhas dúvidas é que um dos grupos de alunos que vai fazer esses exames digitais são os alunos do segundo ano.

Acha que as provas do segundo ano servem para alguma coisa?

Quando é que acha que deveriam ser feitos exames?

Sejam exames, sejam provas de aferição, ou seja, uma coisa intermédia, a que eu chamaria se calhar provas finais, deveriam ser feitas nos finais de ciclo. Porque os programas, os currículos, estão organizados em ciclos de escolaridade e, portanto, deveria ser nos finais de ciclo - no quarto ano, no sexto ano, no nono ano e no 12.º. Aí é que faz sentido haver avaliação, porque todo o ensino tem uma coerência.

Porque é importante haver exames no fim do primeiro ciclo?

Do quarto para o quinto ano de escolaridade é o momento em que mais alunos mudam de escola. Da maneira com o sistema está organizado, não é tanto do sexto para o sétimo, nem do nono para o 10.º, é no final do quarto ano de escolaridade. Aí é que mais mudam de escola e mudam tudo, mudam de estilo de professores, mudam de estilo de ensino.

Um dos temas que tem estado nas notícias é a descentralização de áreas como a educação. As câmaras não têm influência no currículo, mas se não tiverem verbas para a manutenção dos edifícios escolas não há ensino.

Pois não. Eu julgo que alguma descentralização é boa e que haja um envolvimento dos municípios nas escolas é bom, com os fundos necessários, como é evidente. Porque as câmaras estão mais perto das escolas, podem ajudar as escolas em todos os aspetos que tenham a ver com atividades extracurriculares, com o funcionamento dos edifícios, com visitas de estudo, com coisas desse tipo. E algumas câmaras têm feito um trabalho muito bom no sentido de apoiar as escolas com programas específicos. Há câmaras municipais, por exemplo, que estão muito empenhadas em processos de melhoria da leitura e até colaboramos com algumas câmaras sobre isso, portanto, isso é bom que exista.

Qual é o problema que mais o preocupa na área da educação em Portugal?

A curto prazo, há meia dúzia de problemas que são importantes. Julgo que, sobretudo, devíamos dar atenção ao mais fundamental. Uma percentagem ainda bastante elevada dos nossos jovens do primeiro e segundo anos de escolaridade têm ainda grandes dificuldades de leitura, e, se essas dificuldades não forem atempadamente resolvidas, vão prolongar-se por toda a vida escolar. Esta questão repete-se na matemática e numa série de coisas. Estas questões básicas essenciais preocupam-me muito, porque vão repercutir-se em todo o percurso escolar dos alunos. A médio prazo, o problema principal é a falta de professores e a possível falta de professores de qualidade que vamos ter nos próximos anos.

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