"Se polícias compram equipamento é porque querem, não têm necessidade"

O ministro da Administração Interna garante que não vai haver fusão da PSP e da GNR, esmiuça os números dos novos polícias, não fala do caso de Bragança, nem dos Kamov. Na entrevista DN-TSF, Eduardo Cabrita defende o reforço dos meios e garante que os polícias têm aquilo de que precisam.
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Na próxima semana, a partir de 21 de janeiro, começam os protestos mensais, nas forças de segurança, para reivindicar melhores condições. Não o preocupa este nível de crispação nas forças de segurança nacionais?
Respeito naturalmente o direito de manifestação exercido no quadro constitucional. Mas o que valorizo fundamentalmente é o fator positivo que resultou do diálogo que conseguimos no final da legislatura anterior e que foi a aprovação por unanimidade de um assunto que estava pendente há anos - a lei sindical da PSP. Não só por ter sido aprovada, mas por ter sido por unanimidade. Isso permite relançar, nesta legislatura, o diálogo social valorizando o papel dos sindicatos, no caso da GNR, também das associações profissionais. Ainda na quinta-feira de manhã decorreu uma reunião. Temos reuniões temáticas com todos os sindicatos e associações explicando o quadro em que iríamos funcionar e estamos a discutir coisas muito concretas. Os sindicatos já foram ouvidos para que apresentem as suas propostas nesse plano de admissões que está previsto agora no Orçamento do Estado e que está em discussão parlamentar.

Os dez mil polícias novos?
Sim. Nessa questão, foi pedido aos sindicatos que trouxessem a sua visão, e já o fizeram. Já foram discutidas questões relativas a regimes de saúde e de segurança no trabalho que contêm questões sensíveis como a prevenção do suicídio. Já identificámos temas como o acompanhamento do programa de investimentos...

Então como é que explica que, apesar de tudo isso, no dia 21 de janeiro recomecem os protestos?
O que é fundamental é valorizar que vamos continuar este trabalho, que visa ter resultados. Nós tivemos anos, em múltiplas áreas, mas nesta também, de profunda degradação das áreas de política pública, e a segurança é uma área essencial. É mesmo essencial, não só na sua dimensão técnico-policial, mas para a qualidade de vida dos portugueses. Portugal é qualificado pelos indicadores internacionais como um dos países mais seguros do mundo. É verdade, mas isso não foi sempre assim desta maneira, isto é, em 2014 éramos o 18.º desse mesmo ranking, hoje somos o terceiro.

O seu otimismo não cola...
Não é o meu otimismo, é o meu sentido de valorização do diálogo social. Os problemas são reais.

Mas aquilo que o senhor ministro valoriza claramente as forças de segurança não valorizam, porque, caso contrário, não teriam marcado esta série de protestos, que são quase mensais.
Não tenho essa perceção das reuniões que temos.

Os protestos são públicos e houve uma grande manifestação em frente à Assembleia da República que causou até alguma preocupação do ponto de vista de segurança. Portanto, consegue compreender que, para as pessoas que o estão a ler e a ouvir, entre aquilo que o senhor ministro valoriza e aquilo que as pessoas veem nas notícias todos os dias sobre as forças de segurança, não bate a bota com a perdigota?
O que as pessoas valorizam naturalmente é esta dimensão de um país que é, independentemente de problemas que são reais, valorizado como um país seguro. Aquilo que as pessoas valorizam é a consciência de que em 2018 nós descongelámos as carreiras, o que significa que cerca de 90% dos polícias e mais de 80% dos guardas tiveram já progressões, valorizações e tivemos um nível de promoções muito superior. Na PSP havia promoções de dois em dois anos, e houve em 2018 e houve em 2019, e há de haver em 2020. Agora, há claramente um envelhecimento das forças de segurança. Por isso é que nós dizemos que isto não é suficiente, é preciso fazer mais. O que fizemos nos últimos dois anos permite-nos ter este conjunto de políticas mais arrojado e exigente, que passa, obviamente, por continuar a planear investimento que não existia. Já temos, desde 2018, 450 milhões de euros que permitiram chegar, pela primeira vez, a um concurso de programação plurianual que já fui eu que lancei. Esse concurso permitiu fazer chegar já cerca de mil novas viaturas às forças de segurança, mas também fazer a mesma experiência de planeamento plurianual nas admissões, isto é, não ir a correr atrás do prejuízo, é começar a antecipar soluções. Nós estivemos durante dois anos muito a correr atrás do prejuízo que tínhamos herdado. Agora temos condições, quer nas admissões, quer no investimento, quer numa matéria que só agora começou - foi talvez, pelo tempo que tive na quarta-feira para o explicar, a maior surpresa do que está na proposta do Orçamento do Estado - na alteração do modelo das forças de segurança, com o avançar para um sistema de serviços partilhados que permite reforçar a eficiência. Uma coisa são funções técnico-policiais, com competências próprias da PSP e da GNR, e, portanto, não haverá nenhuma fusão das polícias, é preciso deixar isso perfeitamente claro.

Não quer reabrir esse dossiê?
Esse tema não está em aberto, não está na mesa, não está no programa do governo. É preciso dizê-lo com clareza. Mas pagar vencimentos, assegurar a manutenção de veículos, adquirir combustíveis... Há um conjunto de questões logísticas e de suporte que hoje são desempenhadas por polícias ou militares e que podem ser desempenhadas integradamente.

Funções burocráticas?
Administrativas, fundamentalmente. Faço-o porque testei isso na aquisição de viaturas e nunca tinha sido feito em Portugal.

Mas porque é que não quer reabrir o tema das fusões? Para si, faz sentido que em Portugal continue a existir uma PSP e uma GNR?
Faz sentido neste momento. No horizonte da minha responsabilidade política, que é esta legislatura. Se me perguntarem como será daqui a 50 anos, não sei.

Sobre esse investimento todo de que tem vindo a falar: que lacunas é que esse investimento preenche e o que é que ainda fica a faltar?
Nunca teremos tudo nesta matéria.

Mas exatamente quantos carros faltam, quantos homens faltam, quantas obras faltam?
Vamos aqui falar do que é que foi feito nas várias áreas. O que nós tivemos foram condições de ter uma dimensão e investimento muito significativo em armamento, em equipamentos de proteção individual, em que o ciclo de compra é mais rápido. Tivemos um mecanismo que nos dá flexibilidade, isto é, não está sujeito à negociação anual do Orçamento - os tais 450 milhões de euros vão até 2021, mas não têm de ser rígidos; temos um referencial de 90 milhões/ano. Por exemplo, no ano passado gastámos mais de 100% da previsão inicial em viaturas e equipamentos de proteção individual. Gastámos menos em infraestruturas. Porquê? Porque há um ciclo de obra que é diferente. É preciso fazer o projeto, lançar o concurso e, portanto, a despesa em obra vai concentrar-se em 2021, porque as obras - algumas já estão feitas e vão ser inauguradas - têm um ciclo que é diferente do de comprar radares, alcoolímetros, coletes, que são coisas mais rápidas.

Mas porque é que nós continuamos a ouvir e a ler notícias de forças policiais, de agentes, que compram equipamento de proteção do seu próprio bolso?
Compram porque querem e não têm nenhuma necessidade de o fazer. É preciso dizê-lo com toda a transparência. Há matérias que são diferentes, que são fardamento, em que há um subsídio. Mas o que é considerado como necessário pelos comandos é aquilo que é atribuído.

E garante que não há falhas de material?
Não posso nunca garantir isso. Nunca poderemos garantir que não haja aqui uma falha de material no Diário de Notícias ou na TSF. Isso dito assim seria confrontado amanhã com um "cá está, há aqui!" Pelo contrário, eu digo que houve uma degradação, e o considerar que a segurança interna é uma prioridade política pública faz parte, dentro de uma visão responsável, de uma governação à esquerda. Não tem que ver com uma visão securitária, tem que ver com uma visão de que a segurança interna é essencial para a qualidade de vida das populações, para a coesão - as forças protegem os idosos e têm um levantamento dos idosos abandonados -, mas também economicamente. Eu disse uma expressão, na apresentação que fiz do Orçamento, que é: sem segurança não há contas certas. É a segurança interna, os bons resultados que qualquer brasileiro, americano ou chinês que queira investir ou fazer turismo em Portugal aprecia. O responsável pela Web Summit disse que era essa a razão para estar em Portugal. A escolha do país para as Jornadas Mundiais da Juventude ou a recente seleção do comandante metropolitano de Lisboa, entre variadíssimos candidatos, para dirigir a segurança do próximo Mundial de futebol. Agora, falta muita coisa nas nossas forças de segurança e é necessário recuperar e, por isso, temos padrões tão exigentes como aqueles que estão neste Orçamento do Estado.

Anunciou dez mil novos profissionais para a PSP e para a GNR, aliás, para as forças de segurança em geral. Quais são as necessidades em cada uma destas forças?
Ainda não está fechado. O que nós temos identificado, com todo o rigor, são aqueles que por limite de idade vão necessariamente sair das várias forças até 2023.

E quantos são esses?
É um valor inferior, na casa das oito mil pessoas.

Portanto, oito mil são reformas?
São saídas. Mais a passagem ou à reserva ou à pré-aposentação. Portanto, há aqui uma gestão dinâmica.

Como tal, admitidos líquidos serão só dois mil homens?
A questão não é essa, é que há aqui uma dimensão de gestão. Quando eu falo, por exemplo, da gestão dos serviços partilhados... Por exemplo, só a GNR em Lisboa, na gestão centralizada, tem 700 militares.

O que é que vai fazer aos que não tiverem lugar nessa estrutura partilhada?
A questão não é essa. Vamos, gradualmente, primeiro centralizar essas funções, segundo fazê-las assegurar por civis, o que significa que também à medida que forem saindo pessoas dessas funções - e, às vezes, são colocadas nessas atividades pessoas que já não têm idade, condições físicas para uma atividade operacional - não serão substituídas por militares. Não faz nenhum sentido ter 700 militares da GNR em funções administrativas.

Mas vão para a rua? Vão para o patrulhamento de proximidade, por exemplo?
O que significa é que essas funções serão ocupadas por civis e aqueles que entrarem serão para funções operacionais.

Qual é o saldo líquido destes dez mil? Estava a dizer que a previsão é de que cerca de oito mil sejam reformas ou aposentações ou passagem à reserva.
Isto garante, antes de mais, algo que é decisivo. Eu diria que é o mesmo que está a acontecer com as viaturas e que está no programa do governo e agora no Orçamento do Estado, e os objetivos são três: rejuvenescimento, só esta substituição garante um rejuvenescimento significativo, reforço da prontidão e manutenção da capacidade operacional.

Mas não resolve o problema da falta de efetivos.
Não, mas a questão dos efetivos tem que ver com o modelo de polícia.

Por isso é que lhe perguntei para onde é que vão esses que vão sair desses serviços partilhados.
Vão para funções operacionais e vão, de facto, alguns para a reforma. Alguns também irão para o programa Vigilância +, para desempenharem funções de segurança em museus, tribunais, isto é, funções que não têm um nível de exigência de unidades tipicamente operacionais, mas que serem desempenhadas por um profissional das forças de segurança é totalmente diferente do sê-lo por pessoas da segurança privada.

Mas, para a questão de se haverá mais polícias na rua, a resposta não é líquida.
Não, essa resposta é totalmente líquida. São os polícias jovens que garantem policiamento efetivo. Entre 2016 e 2019, recrutámos sensivelmente o dobro de pessoas para as forças de segurança do que aquelas que tinham sido recrutadas no ciclo anterior, mas não é com isso que nós estamos a comparar. Quando eu falo em rejuvenescimento, estou a comparar com os que entraram não em 2011, que eram muito poucos, mas com os que entraram na década de 1980 e que vão agora cessar funções. É essa a comparação.

São dez mil no total para todas as forças de segurança?
Sim, sim.

Desses dez mil, cerca de oito mil vêm substituir reformas ou alguns que passam para a reserva, o que significa um saldo líquido de dois mil.
Em termos operacionais, é mais do que isso, porque há pessoas que saem de funções administrativas.

Não consegue dizer-nos neste momento quantos é que vão para a PSP, quantos é que vão para a GNR. Mas onde é que há necessidades maiores neste momento? É no SEF, que todos os dias tem queixas de falta de funcionários?
Não. O SEF foi a força que maior reforço teve. Tivemos o maior ano dos aeroportos portugueses e deixou de se falar da questão dos aeroportos.

Não sei se as companhias aéreas concordam...
Concordam, concordam. Eu tenho um trabalho muito próximo com a TAP. Ao fim de dois anos, o SEF fez aquilo que a concessionária dos aeroportos não fez, isto é, preparou-se a tempo e respondeu, tendo pela primeira vez um concurso externo, que não tinha desde 2005 - cem inspetores que estão neste momento em fase de estágio -, fez três concursos internos, e permitiu responder atempadamente a desafios como o de uma área de onde não era comum virem notícias e hoje vêm, que é a intervenção do SEF na área de investigação criminal de tráfico de seres humanos, de combate a redes de imigração ilegal, designadamente, de que, com alguma frequência, têm surgido notícias que demonstram essa atividade nos últimos tempos. Também noutra área que é uma boa notícia: Portugal voltou a ser um país atrativo nos últimos anos e, por isso, nós passámos de 35 000 autorizações de residência de estrangeiros em 2014 para 128 000 em 2019 e o SEF teve a capacidade de se organizar. Não está tudo resolvido, por isso é que estamos, neste momento, na fase final de recrutamento externo de cerca de 130 pessoas para essa área, porque nós temos uma política aberta ao mundo. No ano passado, formámos 950 guardas e neste momento estão em formação 600. Quando eu falo de correr atrás do prejuízo dos anos desastrosos que houve e valorizar a segurança interna, é disso que estou a falar. O que eu digo é que não é suficiente. Nós somos mais exigentes e, por isso, achamos que este resultado que leva a que hoje esta ideia do país mais seguro seja dada como adquirida, que a questão dos incêndios florestais quase tenha desaparecido da agenda; que a questão migratória...

É um pouco precipitado dizer isso no inverno...
Não, não. É objetivo. Foi o maior drama, o maior problema da legislatura anterior, não temos dúvida quanto a isso. Era o maior teste ao governo no final de 2018, início de 2019, diziam todos os comentadores e jornalistas.

Sim, mas os verões também não são todos iguais, não é?
Foram bem difíceis, os resultados é que foram diferentes. O verão de 2018 foi o verão mais quente desde que há registos em Portugal e o que é que desapareceu do debate do estado da nação, do debate do programa do governo?

Se calhar infelizmente, não é?
Por isso é que o governo que não tira esse tema da agenda, mas nem uma palavra sobre esses temas. Nós colocamos esse tema na agenda porque basta olhar para o que se passa na Austrália ou na Califórnia para percebermos quanto o risco das alterações climáticas obriga àquilo que fizemos - mudança de comportamentos, privilegiar a prevenção, a limpeza da floresta, o investimento em meios humanos também nessa área. Nunca se profissionalizou tantos bombeiros, criaram-se mais equipas profissionais nos bombeiros em dois anos - a primeira equipa profissional dos bombeiros portugueses é de 2001 - do que nos 17 anos anteriores, e esse caminho é para prosseguir.

Ainda relativamente ao investimento que está previsto no Orçamento do Estado para 2020 para o seu ministério, que é um crescimento de 8%, para mais de dois mil milhões de euros. Ora, ainda antes da apresentação do Orçamento houve notícias de que havia um mal-estar entre o senhor e o ministro Mário Centeno precisamente nesta negociação interna dentro do governo sobre o Orçamento. Essas notícias são totalmente falsas ou têm algum fundo de verdade na parte em que o senhor gostava de ter tido mais do que aquilo que o ministro das Finanças lhe deu?
Eu não comento notícias, sobretudo notícias desse tipo. Eu tenho uma dimensão muito exigente e, portanto, sou muito exigente com as áreas de política pública em que desempenho. Faço-o em função de resultados - houve 26% de redução da criminalidade violenta e grave...

Também é muito exigente com os seus colegas de governo?
Sou muito exigente com todas as pessoas que trabalham comigo e os bons resultados das finanças públicas devem-se à corresponsabilidade de todos os membros do governo.

Portanto, não foi do seu ministério que saiu esta notícia?
Eu não comento notícias... Aquilo que eu falo, assumo. Portanto, queremos sempre mais. Assim, há matérias que estão diretamente no Orçamento do Estado e há matérias que estão assumidas - por exemplo, o pagamento sem nenhuma obrigação jurídica, mas por decisão política, de dezenas de milhões de euros de retroativos. Entre 2011 e 2018, houve suplementos que os polícias recebem e que não foram pagos no mês de férias. Foi isso que aconteceu entre 2011 e 2018, tal como múltiplas outras coisas que não aconteceram, não aconteceu esse pagamento nesta área. Em 2012, um dos sindicatos da polícia pôs uma ação que levou seis anos a ser decidida relativamente a quatro polícias. O Tribunal Central Administrativo do Sul, a Relação, não lhes deu razão, mas o Supremo veio dar razão. Foi uma decisão política, nós não tínhamos nenhuma obrigação de pagar a todos, foi por nossa decisão que em 2019 acrescentámos nove milhões e meio de euros de remuneração aos polícias. Agora há cerca de 3000 pedidos apresentados nos tribunais, pelo que podíamos ter uma resposta fácil se quiséssemos ganhar tempo, que era dizer: esperem mais seis anos. Não, não foi isso que fizemos, porque esta questão não podia inquinar a nossa prioridade - o respeito pela dignidade dos polícias, a valorização de homens e mulheres que, em condições muito difíceis, contribuíram e contribuem para esses resultados. As contas não estão totalmente feitas, mas estamos a falar de um valor de perto de 90 a 100 milhões de euros que serão pagos em quatro anos faseadamente. As associações sabem disso, sabem quanto irão ganhar nessa matéria e que a alternativa seria esperar pelo funcionamento dos tribunais.

Com todo esse cenário que está a traçar, com a melhoria das condições e com, até, o diálogo que tem tido com os sindicatos e as associações, o que é que acha que está, de facto, por trás do Movimento Zero? É uma instrumentalização política?
Esse é um problema de diálogo em que eventualmente devemos ir mais longe e explicar. Eu tenho um princípio que é não fazer anúncios, não tenho esse hábito. Tenho o hábito de apresentar propostas políticas e, sobretudo, responder pelos resultados. Há, obviamente, uma situação global na sociedade portuguesa - após uma recuperação de quatro anos, há hoje expectativas criadas em várias áreas profissionais. Há objetivamente uma necessidade de valorização e de atender a uma questão crítica que é muito significativa, na qual estamos a trabalhar, como o alojamento de jovens polícias em início de carreira, sobretudo em Lisboa ou no Algarve. Há um diferencial do aumento do salário mínimo, muito significativo nos últimos anos, o que significa que há um diferencial num conjunto de profissões em início de carreira relativamente à remuneração mínima que se encurtou. Essa é uma questão real que em áreas de segurança tem de ser encarada.

Esse diálogo é difícil com o Movimento Zero?
Não há nenhum diálogo com o Movimento Zero. Em democracia fala-se com rosto e, por isso, aprovámos uma lei sindical que veio reforçar o papel dos sindicatos.

A IGAI fez uma investigação há pouco tempo sobre a presença de movimentos de extrema-direita dentro das forças policiais. Tem alguma conclusão dessa investigação?
Essa questão é discutida num contexto europeu. Nós fizemos, durante a presidência finlandesa, um debate sobre fenómenos de radicalização de extrema-direita, sobretudo tendo em conta fenómenos e a sua inserção em áreas como forças de segurança ou Forças Armadas.

É o que está a acontecer com o Movimento Zero? É uma infiltração da extrema-direita?
Não. O Movimento Zero não está suficientemente caracterizado. Agora, o que é claro é que as forças de segurança têm a confiança dos portugueses e têm a confiança do governo, são forças hierarquizadas e disciplinadas e isso é incompatível com movimentos sem rosto.

Mas preocupa-o que, por exemplo, partidos políticos como o Chega possam estar a tentar tirar ganhos eleitorais a partir deste tipo de movimentos inorgânicos?
Cada partido faz o seu caminho. A resposta em Portugal é dizer que o país tem muito orgulho na forma como tem estado, em larga medida, imune a esse tipo de fenómenos.

Acha que ainda está imune, com a chegada do Chega ao Parlamento?
A resposta a isso passa ativamente não por valorizar e dar o palco a quem não o tem nem o merece, mas sim por trabalhar ativamente pela defesa da valorização do papel dos sindicatos. As entidades patronais perceberam, no ciclo político anterior, a valorização do diálogo social, e quanto a estabilidade social garantiu não só o crescimento, o cumprimento dos objetivos das contas públicas, como até, diria, níveis de conflitualidade social claramente inferiores àquilo que acontece na generalidade dos países que nos são mais próximos, nos países europeus com que tendemos a comparar-nos.

Não está a ser feita nenhuma prevenção desses movimentos, não há nenhuma investigação?
Vamos lá ver. Há toda uma atividade, como foi feita noutros domínios. Porque é que os coletes amarelos em Portugal não tiveram a projeção que tiveram noutros lados? Há uma dimensão preventiva. Porque é que uma operação de planeamento civil de emergência, coroada de sucesso, em agosto teve impacto? As forças de segurança têm uma dimensão obviamente de articulação que contribui para a estabilidade social e para a segurança dos portugueses.

De que forma é que o governo está a atuar nessa dimensão preventiva relativamente ao Movimento Zero em concreto?
Naturalmente, não espera que lhe dê nota, detalhe.

Não preciso do detalhe, preciso só da política.
A resposta política é exatamente a valorização do diálogo social. Para nós, os sindicatos são essenciais. Eu sou daqueles que já há muito defendiam a criação dos sindicatos. A história do Partido Socialista está associada à criação do sindicalismo livre na PSP, e a lei sindical permitiu acabar com mais de uma dezena de sindicatos que só existiam para ter créditos sindicais e para prejudicar a operacionalidade das forças e concentrar-se naqueles que, por vontade dos polícias, tinham legitimidade negocial.

Nos últimos dias, houve dois casos que vieram perturbar um pouco essa imagem idílica de Portugal e, obviamente, não têm efeito estatístico, mas são, de qualquer forma, um sintoma e uma preocupação. Tanto no caso da Universidade de Lisboa como no caso de Bragança, levantam-se questões de segurança.
Esses casos, julgo que não são sintoma, são motivo, obviamente, de toda a preocupação. Esses, como os casos de violência doméstica que levam a mortes. Nós não funcionamos atrás dos casos, tentamos prevenir. Uma das primeiras decisões que tomei quando cheguei ao governo - 15 dias depois, talvez - nesta área - como sabem, não vim para o Ministério da Administração Interna por estas razões - teve que ver com a prevenção da violência na noite lisboeta, o chamado caso Urban, que levou a uma ação de prevenção em Lisboa, Porto e Algarve, nessa área. Portanto, nós temos de antecipar, saber. Teremos sempre homicídios, não há nenhum país do mundo que não tenha, temos é de garantir que temos os níveis mais baixos.

Tem a garantia, ou a convicção, de que, no caso do jovem cabo-verdiano, a atuação da PSP foi a adequada?
Tenho toda a informação neste momento disponível, pedi toda a informação à PSP, esperemos que haja a conclusão da investigação sobre o caso e que rapidamente a conjugação da atuação das forças policiais permita o esclarecimento.

Isso significa que a PSP atuou bem ou poderia ter atuado melhor?
Não me pronuncio. É muito fácil pronunciarmo-nos sobre casos concretos, não me verão fazê-lo.

Nomeadamente, na questão da Universidade de Lisboa, já tem alguma resposta para os jovens que se queixam de insegurança e de que o programa da Universidade Segura não funciona como devia?
Com o programa Universidade Segura temos indicações exatamente sobre o conjunto de casos ocorridos naquela zona, e que demonstram que felizmente este caso, na sua gravidade é, e esperemos que continue a ser, um caso isolado.

Há um caso de violência bastante recorrente em Portugal que tem que ver com o futebol. Acha que os fenómenos de violência no futebol podem ter responsabilidades partilhadas, tanto das claques como, às vezes, dos próprios dirigentes desportivos, pela sua forma de atuar?
Acho que a questão é responsabilidade de todos. Nesta, como noutras áreas, entendo que as questões de segurança nunca são estritamente questões técnico-policiais e acho que aqui é uma área em que, ativamente, os clubes, a Liga, a Federação, têm de atuar. O governo fez a sua parte. Nós temos, aliás, uma tradição reconhecida como exemplo nesta matéria - a forma como correu a Liga das Nações no ano passado foi determinante para esta seleção de um português, e foi determinante pelos seus padrões de segurança para a seleção de um português para a organização da segurança do próximo Mundial de futebol. Agora, as questões ligadas a uma dinâmica de grupo em que as claques podem ser cortina de fumo de outro tipo de atividades delituosas, é algo que não é desconhecido das forças de segurança - justificou, aliás, a criação da Autoridade para a Violência no Desporto, que é dirigida por um oficial da PSP - e relativamente ao qual, nesta área, a responsabilidade é sempre da comunidade. Neste caso, a comunidade significa os clubes e as estruturas organizativas do desporto.

Mas acha que os dirigentes desportivos não estão a fazer tudo o que deviam estar a fazer?
Nunca se está a fazer tudo o que se deve. Deve-se sempre prevenir para garantir que esta avaliação, que globalmente é muito positiva, se mantenha. Acho que os clubes devem assumir as suas responsabilidades e não deixar estritamente às forças policiais, que são a última ratio de intervenção, a responsabilidade por contenção de fenómenos desses.

Os clubes e os dirigentes desportivos viram-se para o governo e pedem-lhe que faça mais, o governo responde que quem tem de fazer mais são as entidades desportivas...
Não, não pede que façam mais.

Esta reunião do presidente do Sporting com o governo foi porquê?
Fundamentalmente, para informar daquilo que é a sua atuação relativamente a questões internas do clube que dirige. Relativamente a essas não temos muito a fazer, temos a fazer relativamente àquilo que é a garantia de elevados padrões de segurança nos acontecimentos desportivos de grande dimensão, designadamente naqueles que juntam os principais clubes do futebol português.

Outra área onde houve também recentemente um aumento visível da violência foi na área da saúde, com as agressões aos profissionais de saúde. Na semana passada, reuniu-se com a ministra e foi criado um programa para resolver esse problema. Essa necessidade só agora é que foi identificada, foi preciso aparecerem estes casos todos na imprensa ou não havia meios disponíveis?
Fundamentalmente, o que está em causa aqui é uma resposta estruturada. O ministro da Administração Interna António Costa esteve ligado à criação - eu era na altura secretário de Estado adjunto - daquilo que hoje é algo consolidado, apesar de ter sido um pouco abandonado no tal tempo de degradação das políticas públicas, o programa Escola Segura. Esse modelo, que globalmente funciona muito bem na área da educação, permite, no fundo, uma avaliação daquilo que são as necessidades de segurança, que passam por várias coisas, entre as quais a alteração das áreas de circulação. Percebe-se que para os profissionais de saúde ou para quem gere hospitais a segurança não é a primeira preocupação, tal como não é para quem dirige uma universidade ou uma fábrica, é algo um pouco externo. Portanto, há aqui um conjunto de questões adicionais adequadas ao que são as dimensões de uma sociedade em evolução que passa por identificar áreas de circulação, como é que se pode garantir a separação entre áreas de acesso público e áreas de acesso reservado, garantir que a questão da segurança é considerada desde o início nos planos de novos hospitais...

Mas foi preciso haver notícias de médicos agredidos para o governo chegar a essa conclusão? Porque os casos de violência na saúde já vêm de trás.
Casos de violência existem em todas as áreas e não têm uma dimensão, aqui, sequer crescente.

Neste caso, aparentemente têm. Até setembro houve 900 casos, quase tantos como no ano todo de 2018.
Não podemos comparar injúrias com agressões violentas. A questão fundamental que temos aqui de considerar é - e é esse o apoio que o Ministério da Administração Interna deve dar - estruturar o tipo de resposta. Nós temos vindo a desenvolver, dentro daquilo que chamamos programas de proximidade, vários programas deste tipo que vão sendo construídos. Temos para o comércio, temos os contratos locais de segurança - alguns ligados a questões de migração -, portanto é mais um programa que, muitas vezes, significa organizar, racionalizar, fazer melhor.

Tirando a Escola Segura, todos os outros programas não têm informação disponível. Por que não é divulgada todos os anos essa informação?
Não está bem informada. Sobre o programa de acompanhamento dos idosos, ainda recentemente a GNR divulgou os últimos dados relativos a 2019 dos censos dos idosos. Isso significa idosos que estão abandonados. Relativamente aos contratos locais de segurança, eles são muito diversificados e há informação sobre o que é que acontece em cada um. Acabámos de celebrar um novo em Borba, vamos celebrar o próximo em Viseu, daqui a poucos dias e, sobretudo, seguimos com muita atenção os mais recentes e inovadores - o Algarve tem contrato local de segurança para todos os municípios e corresponde a uma área que é a zona do país com maior presença de população estrangeira, quer residente quer de turistas. Temos, por outro lado, noutras áreas, programas muito interessantes de coisas de que se fala pouco. Serpa é um pequeno concelho alentejano de 15 000 habitantes que, fruto do êxito do Alqueva, durante o período da apanha da azeitona tem 5000 estrangeiros, fundamentalmente nepaleses, bengalis e indianos, e isso permitiu desenvolver um programa com as associações de migrantes, com as forças de segurança, com a autarquia, com a segurança social, com os empresários das grandes empresas... Portanto, os contratos locais de segurança não têm um modelo rígido, são rigorosamente feitos à medida, desenhados em função das necessidades de cada local.

Esta é a pergunta que, provavelmente, é repetida todos os anos por esta altura: neste ano, estamos mesmo preparados para a época de incêndios? Os concursos vão todos ser feitos a tempo e horas, não vai haver atrasos, não vai haver ajustes diretos como há todos os anos?
Não sei bem do que é que está a falar...

Meios aéreos, por exemplo.
Sobre isso terá de falar com o senhor ministro da Defesa. Está a correr bem, mas é competência da Força Aérea. Mas já não há época de incêndios, essa foi uma das decisões tomadas após a experiência de 2017, que não podemos esquecer. Tragicamente, verificámos que os momentos mais graves aconteceram em junho e em outubro, antes e depois dessa tal expressão que nunca me ouvirá dizer. Portanto, o que nós temos é uma resposta com os meios aéreos mas, sobretudo, na consciência da sociedade portuguesa. Isso significa investir mais na prevenção. O combate é muito importante, e cá estaremos para fazer o combate. Ao contrário do que se diz, não foi sorte, não foi mérito do São Pedro - 2018 foi o ano mais quente desde que há registos meteorológicos em Portugal, 2019 teve uma primeira quinzena de setembro com características muito semelhantes a outubro de 2017. O que é que aconteceu? Nós tivemos o segundo número mais baixo de ignições do século em 2019 e tivemos uma redução da área ardida de 71% relativamente à média dos últimos dez anos.

E o que é que vai acontecer neste ano, senhor ministro?
Eu não lhe vou dizer quantos incêndios é que vamos ter, o que vamos dizer é que nos últimos dois anos o ataque inicial foi fundamental e, em cada ocorrência, viam-se imediatamente bombeiros, a unidade de proteção e socorro da GNR, quando necessário, as Forças Armadas. O que significa o quê? Que tivemos nos últimos dois anos três incêndios de mais de mil hectares, e tínhamos sempre algumas dezenas. Portanto, o que iremos continuar a fazer é esta intervenção inicial. Não lhe posso é garantir, nem ninguém pode - veja-se a Austrália ou a Califórnia -, que não acontecerá nunca um incêndio de grandes dimensões.

Os Kamov vão continuar parados?
Nós temos tido Kamov por contratação, nunca faltaram, tivemos mais meios aéreos. Os Kamov antigos não contribuíram em nada para estes resultados de 2018 e 2019.

Mas qual é a solução que está a imaginar para estes que tem?
Não estou a imaginar, estou a dizer que a resposta que tivemos foi melhor do que quando esses Kamov operavam. Relativamente a esses que estão parados, está a ser avaliado tecnicamente qual a forma de os recuperar.

Mas ainda não tem solução para eles?
Está a ser avaliada tecnicamente entre a Força Aérea e a Autoridade Nacional da Proteção Civil, mas, como vê, não tem sido decisivo. Os resultados têm sido melhores sem os termos e com os meios contratados que são necessários. O que estamos a fazer neste ano é um contrato já para quatro anos, o que significa que não haverá mais nenhum concurso até 2023. O concurso não está terminado, mas está a correr bem pelas indicações que tenho, quer do ministro da defesa quer da Autoridade da Proteção Civil, que participa no acompanhamento do concurso. Tal como na segurança, nós fomos atrás do prejuízo. Acho fundamental que se trate deste tema, porque o pior que pode acontecer é o tema ser esquecido e, às vezes, há muito a tentação de se falar do epifenómeno do dia. Não. As alterações climáticas, as características da floresta são problemas estruturais em que a prevenção, a limpeza, a alteração de comportamentos são decisivas.

Vai mudar o diretor nacional da PSP, o superintendente-chefe Luís Farinha. Teve há poucos dias uma reunião no ministério com oficiais de topo. Qual é o perfil que pretende para esta força policial?
O diretor nacional Luís Farinha desempenhou com grande brio, grande determinação, um mandato já longo - está em funções desde 2013 e nunca ninguém na PSP exerceu funções por mais de duas comissões de serviço. Queria dizer isto claramente. É, aliás, curiosamente, o único dirigente do ministério que ainda não substituí. Desde outubro de 2017, por razões várias, já substituí todos os outros dirigentes máximos de outros organismos e forças do ministério. O único que ainda está em funções, daqueles que lá estavam no dia em que cheguei ao ministério, é, exatamente, o superintendente-chefe Luís Farinha. Nós precisamos de uma PSP com liderança, que dê confiança aos polícias, para ser uma força ao serviço do Estado de direito democrático. Uma polícia que valoriza a igualdade de género, o combate à violência doméstica e que está na primeira linha da segurança das populações e que não tolera racismo nem xenofobia.

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