Ana Mendes Godinho. Costa segura a ministra (e a Igreja também)

Primeiro-ministro vai estar nesta quarta-feira à tarde lado a lado com a ministra Ana Mendes Godinho, no ministério do Trabalho, para lançamento do PARES 3.0
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"Tenho toda a confiança na ministra pelo trabalho excecional que tem vindo a fazer e que vai continuar a fazer."

Depois de, no sábado, se ter colocado no centro de uma tempestade política por causa de uma entrevista que deu ao Expresso, a ministra Ana Mendes Godinho recebeu nesta terça-feira a solidariedade do primeiro-ministro e a garantia de viva voz de que tem a sua confiança política. Aconteceu numa visita que o chefe do governo fez de manhã ao Comando Nacional de Emergência e Proteção Civil, em Carnaxide.

Nesta quarta-feira, os dois estarão juntos, à tarde, numa cerimónia no Ministério do Trabalho, em Lisboa, para assinatura de declaração de compromisso de parceria para Reforço Excecional dos Serviços Sociais e de Saúde e lançamento da versão 3.0 do programa PARES 3.0 (Programa de Alargamento para a Rede de Equipamentos Sociais).

Na entrevista, a titular da pasta do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social reconheceu que não tinha lido o inquérito que a Ordem dos Médicos fez ao surto de covid-19 que matou 18 pessoas num lar em Reguengos de Monsaraz (16 pacientes, uma funcionária e um homem da comunidade). Salientou que a sua preocupação em relação aos lares era menos com os casos concretos e mais com os problemas estruturais, afirmando ainda que a situação global nos lares não é "demasiado grande em termos de proporção".

A entrevista foi publicada no sábado e desde então passaram três dias, com o PS completamente em silêncio. O CDS e o Chega pediram a demissão da ministra e o PSD pediu explicações no Parlamento (que está fechado, só estando uma conferência de líderes marcada para 9 de setembro).

Costa interrompeu ontem o silêncio para assegurar a continuidade de Ana Mendes Godinho no executivo - mas assinalando ao mesmo tempo que essa continuidade depende a todo o tempo da sua avaliação: "Não vale a pena pedirem a demissão de membros do governo, porque quando eu não tiver confiança em algum membro do governo eu resolvo o problema."

"Alargar o estômago"

Assim, prosseguiu, o que importa é evitar "polémicas artificiais". "Eu não gosto de alimentar polémicas, e sobretudo numa fase de crise como esta, em que há tanta gente a sofrer, não devemos alimentar polémicas, por isso o que faço é alargar o estômago para ter maior capacidade de digestão de muitas das coisas que vou ouvindo. Porque não é de polémicas que o país precisa, o país precisa é de soluções para os problemas."

E, disse ainda, "não houve das palavras da ministra nenhuma tentativa de desvalorização da gravidade, se se tratasse de desvalorizar não tínhamos feito todo este trabalho com as entidades que gerem os lares, que não são do Estado". "Se desvalorizássemos a gravidade não tínhamos feito um reforço dos recursos financeiros em 5,5%, nem um esforço de investimento brutal nos equipamentos de proteção individual nos lares, nem tínhamos apostado na testagem de forma a prevenir os riscos."

Dito de outra forma: "É importante que as pessoas saibam que, felizmente, o número de lares com problemas é uma percentagem diminuta, isto não é o mesmo do que dizer que não temos de nos preocupar. Temos de nos preocupar, mas não há razão para alarme. Senão as pessoas ficam em situação de profunda angústia. Temos de enquadrar e contextualizar a informação."

A ministra, ela própria, regressou ao terreno, e, numa visita a um lar em Alcanena, afirmou que a sua "missão é proteger quem precisa" e que é "nesse sentido" que vai continuar a trabalhar.

"O meu trabalho é garantir que estamos a implementar diariamente todas as medidas para responder e fazer face ao momento completamente extraordinário que todos vivemos", afirmou.

Questionada sobre se se sente fragilizada e capaz de continuar no cargo, a ministra reiterou que a sua missão é "proteger quem precisa" e que "é nesse sentido" que continuará "a trabalhar sempre".

Segurança Social atuou antes da Ordem

A ministra adiantou também que a Segurança Social enviou ao Ministério Público um relatório sobre o lar de Reguengos de Monsaraz em 16 de julho, um mês depois do surto de covid-19 que provocou 18 mortos - e cerca de três semanas antes de estar concluído o inquérito da Ordem dos Médicos (também enviado ao MP, que aliás já tem em curso um inquérito criminal).

"No dia 14 de julho, a Segurança Social fez um relatório de toda a situação e no dia 16 este relatório foi enviado para o Ministério Público", disse. Salientando, também, que "é nessa sede de processo que devem ser analisadas" todas as "matérias que constam dos vários relatórios que foram produzidos por várias entidades, alguns deles com elementos contraditórios".

"É nessa sede que tudo isso deve ser apurado", afirmou aos jornalistas depois da apresentação de um projeto sobre recuperação de casas degradadas.

Católicos movimentam-se

Mas não foi só o chefe do governo que saiu em socorro de Ana Mendes Godinho. Discretamente, a hierarquia católica também se pôs do lado da ministra, através dos responsáveis de duas importantes organizações fortemente ligadas à Igreja: a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNISS) e a União das Misericórdias Portuguesas (UMP).

Ambos protegeram a ministra, logo na segunda-feira, com declarações à agência Ecclesia - a agência de notícias da Conferência Episcopal -, algo a que não será estranho, também, o facto de Ana Mendes Godinho ser uma dedicada "militante" católica.

Manuel Lemos, o presidente da UMP, disse "não ver qualquer alheamento da ministra perante a situação" no lar de Reguengos de Monsaraz - "pelo contrário", no seu entender a situação colocou-se "no campo da política pura".

Já o padre Lino Maia, responsável máximo pela CNIS, identificou "uma certa campanha no sentido de privatizar estas respostas sociais ou então de as estatizar", salientando que "a comunidade tem demonstrado ser ágil e solidária e desfazer este setor seria matar aquilo que a comunidade tem de melhor na proteção aos mais necessitados". "Estranhei que no princípio da crise ninguém erguesse a voz por causa dos médicos que eram retirados para ficarem apenas nos hospitais e dos enfermeiros que também eram retirados dos lares", disse ainda.

Lemos, pelo seu lado, aproveitou para deixar um desafio ao chefe do governo. Referindo a "bazuca" orçamental que se prepara para Portugal, o presidente da UMP pediu: "Então vamos dar também um tiro bem dado na proteção dos idosos e dos mais frágeis em Portugal e não deixar que os quadros comunitários beneficiem apenas alguns."

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