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18 SET 2019
18 setembro 2019 às 00h13

Oito décadas na vida de Jorge Sampaio

Ex-Presidente da República comemora nesta quarta-feira 80 anos. Uma vida repleta nas lutas académicas, como advogado, como autarca e como político. Uma vida cheia de causas.

Graça Henriques
1939-1949 O exemplo dos pais

Às 19 horas do dia 18 de setembro de 1939 nascia em Lisboa Jorge Fernando Branco de Sampaio, o primeiro filho do médico Arnaldo Sampaio e de Fernanda Bensaúde Branco. Uma particularidade: a maternidade onde veio ao mundo fora fundada pelo seu tio-avô Abraão Bensaúde. A criança ruiva - "Cenoura" chamaram-lhe os amigos - que viria a assumir por dois mandatos o mais alto cargo da nação, tinha uma costela judaica por parte da mãe, descendente de uma das mais antigas famílias sefarditas em Portugal.

O pai foi um servidor público na área da saúde - foi inspetor superior e diretor-geral da Saúde, catedrático da Escola Nacional de Saúde Pública e membro do conselho executivo da Organização Mundial de Saúde, em detrimento da clínica privada.

"Os meus pais marcaram-me muito. De cada vez que olho para trás mais me impressiona a imagem, provocatória na afetividade, de que eles faziam entre si um puzzle perfeito. Ele [o pai] desprezou as fabulosas oportunidades que a clínica privada então assegurava e trocou-as pelo que lhe era mais gratificante: a investigação e o serviço público", disse Sampaio na entrevista a Vasco Durão, em 2005, plasmada no livro do Museu da Presidência da República Presidentes de Portugal.

Ainda sobre os pais acrescenta: "Quando da crise académica de 1962, eu olho por entre as árvores do Estádio Universitário, num daqueles plenários, e vejo o meu pai. É uma coisa que não se pode esquecer em caso algum, até porque era um grande risco que ele estava a correr. O apoio dele sempre existiu. A minha mãe, por seu turno, era uma educadora bastante rígida, mas muito firme nos princípios. Deu aulas de Inglês toda a vida. Era uma democrata. Os dois eram antiditadura, com uma vida remediada."

Não faltam pergaminhos no serviço público à família de Jorge Sampaio. O avô materno, Fernando Augusto Branco, um prestigiado oficial da Marinha, foi ministro dos Negócios Estrangeiros, de 1930 a 1932.

A ida para a América

Até aos 4 anos, o pequeno Jorge viveu com os pais em Sintra - a mãe dava explicações e o pai tinha um consultório onde atendia antes de concorrer à Direção-Geral da Saúde.

Quando, aos 5 anos, entrou para o jardim-escola - o Queen Elizabeth's Kindergarten & Junior School, que ficava em São Bento - os pais decidem que deve ficar na casa da avó Sarah, em Campo de Ourique, para não fazer a viagem diária entre Lisboa e Sintra. A sua educadora no colégio foi a futura atriz Mariana Rey Monteiro. Entre os colegas contava-se o conhecido urologista Joshua Ruah.

Foi o trabalho do pai que o levou ainda muito pequeno a viver em Inglaterra e nos Estados Unidos - o irmão Daniel, sete anos mais novo, tinha então pouco mais de 1 ano e ficou em Portugal com os avós. Jorge embarcou para Baltimore, nos EUA, no dia em que fez 8 anos.

Na América, inscreveu-se no YMCA onde praticava boxe e natação e frequentou o Conservatório de Peabody - praticava piano e chegou a fazer parte da orquestra do Conservatório onde tocava timbales e cantava no coro. Regressaria a Lisboa para fazer o exame da terceira classe.

1949-1959 "Cenoura" no liceu

Tendo chumbado na admissão ao Colégio Militar - um desgosto para a mãe, filha de um oficial da Marinha -, acabaria por entrar no Liceu Pedro Nunes e só ia a Sintra passar os fins de semana. Chamavam-lhe "Cenoura" e tinha um grupo de amigos que se prolongou para a vida - Rui Silva Pires, Eugénio Tavares Cardoso, Luís Sobrinho, Eurico Mendes e Miguel Galvão Teles.

Quando terminou o 5.º ano, Jorge mudou-se para o Passos Manuel com a ideia de seguir Direito. Acabou os estudos liceais com uma modesta média de 12,3 valores, em 1956, mas pode orgulhar-se de ter tido como professores de História vultos como José Hermano Saraiva e Joel Serrão.

A entrada em Direito

No exame de admissão a Direito, Jorge Sampaio também não fez propriamente um brilharete - obteve 11 valores e entrou para o curso da Universidade de Lisboa.

E foi quando ainda estava no 1.º ano da Faculdade de Direito que se deu a publicação do decreto-lei que estaria na origem da grande revolta estudantil contra o regime de Salazar. Um diploma estabelecia um controlo muito rígido das associações académicas por parte do Estado.

Mas a manifestação nacional de estudantes que se realizou em janeiro de 1957 em São Bento levaria Salazar a suspender o decreto. O caloiro Jorge Sampaio deixava-se invadir pelo espírito contestatário da academia e começava a despertar para a política.

Até porque, no ano seguinte, em 1958, os portugueses assistiram esperançados à candidatura de Humberto Delgado à Presidência da República. E Jorge Sampaio, embora não pudesse votar por ter apenas 19 anos (era só aos 21), apoiou o General sem Medo.

1959-1969 O princípio da luta académica

Estava cada vez mais envolvido na política e na associação de estudantes - assumiu funções diretivas nos últimos dois anos do curso. No ano letivo em que terminou a licenciatura (1960-61) encabeçou uma lista da esquerda à associação de estudantes, que incluiu nomes que viriam a ficar conhecidos na política: os futuros ministros Sá Borges, Vera Jardim e Rui Machete, além de Afonso de Barros e o futuro ministro moçambicano Sérgio Vieira.

A vitória foi magra - venceu por apenas um voto, mas depois de a lista da direita ter impugnado as eleições, teria um resultado mais significativo.

Terminou a licenciatura em 1961 com média de 12 valores. Em novembro já estava a inscrever-se na Ordem dos Advogados - tinha então 22 anos. E, mesmo já a estagiar no escritório de José Olympio, foi eleito secretário-geral da Reunião Inter-Associações (RIA).

Foi um ano com muitos acontecimentos que puseram em causa o regime: o assalto ao paquete Santa Maria, o ataque do MPLA às prisões de Luanda, os massacres de civis pela UPA no norte de Angola e ainda a invasão de Goa, Damão e Diu pela União Indiana.

A ida a casa de Marcelo Caetano

O movimento estudantil acompanhava cada um desses acontecimentos e tentava organizar-se. Mas Salazar estava atento e decide proibir as comemorações do Dia do Estudante, a 24 de março de 1962.

A polícia de choque instalou-se na Cidade Universitária. Uma delegação da RIA, que integrava Jorge Sampaio, Vítor Wengorovius, Medeiros Ferreira e Eurico de Figueiredo deslocou-se à casa do reitor da universidade, Marcelo Caetano, que viria a ser futuro presidente do Conselho em substituição de Salazar. Pediram-lhe que intercedesse junto do governo no sentido da retirada da polícia. Marcelo Caetano anuiu, em nome da autonomia universitária, e telefonou ao ministro da Administração Interna.

Quando Sampaio e os amigos regressaram à Cidade Universitária, o aparato policial ainda se mantinha. As comemorações foram transferidas para o Estádio Universitário, mas a polícia de choque acabou mesmo por atacar.

Decretado "luto académico"

No dia seguinte aos confrontos, a RIA decretou greve às aulas com o "luto académico" e teve o apoio de muitos professores. A crise, e a greve dos estudantes, prolongaram-se por várias semanas e Marcelo Caetano acabou por se demitir do cargo de reitor.

A PIDE apertava o cerco. Sampaio, que fazia questão de estar presente e sempre a proferir discursos empolgados, acabaria por estar debaixo de olho da polícia política do Estado. Num desses momentos, foi detido.

A situação estava cada vez mais complicada, Salazar tinha tomado o assunto em mãos a fim de reprimir a revolta estudantil. Jorge Sampaio seria expulso da Faculdade de Direito com o argumento de que já não era estudante. A 20 de julho, a PIDE visitou a casa da família, em Sintra. Como ele não estava, foram-lhe apreendidos livros e outros documentos pessoais. Dois meses depois seria convocado à sede e interrogado sobre a sua atividade na RIA.

Os convites do PCP

Jorge Sampaio tinha entretanto granjeado prestígio junto dos opositores ao regime e, segundo o próprio já contou, foi diversas vezes convidado para integrar o PCP. Na oposição não comunista, os convites vieram de Mário Soares, primeiro para a Resistência Republicana e Socialista (RRS) e depois na Associação Socialista Portuguesa (ASP). Aderiu apenas ao Movimento de Ação Revolucionária (MAR), que tinha como principal dinamizador Manuel de Lucena.

No segundo semestre de 1965, Jorge Sampaio regressou à América, desta vez com uma bolsa do Foreign Leader Program. Foram quatro meses marcantes para o seu futuro: assistiu no Senado, em Washington, ao discurso de Edward Kennedy numa sessão presidida por Robert Kennedy, os dois irmãos do presidente assassinado em 1963.

Marcante foi também o facto de ter assistido, em São Francisco, a uma reunião de preparação de manifestação contra a guerra do Vietname, visitou universidades como Harvard, Wisconsin-Madison e Santa Bárbara. E, em Nova Iorque, ainda assistiu a um discurso do ministro de Salazar, Franco Nogueira, nas Nações Unidas.

O primeiro casamento e o advogado pro bono

Jorge Sampaio casou-se, pela primeira vez, em 1967. A mulher era Karin Dias, ainda estudante de Medicina e que viria a ser pioneira da neuropediatria em Portugal.

O jovem advogado conquistava prestígio como defensor pro bono dos presos políticos no Tribunal Plenário, que julgava crimes contra a segurança do Estado. Mário Soares convidou-o, apenas com 24 anos, para fazer parte do grupo de advogados que defendiam os implicados no golpe de Beja de 31 de janeiro de 1961.

Aproximavam-se as eleições de 1969 e Jorge Sampaio era chamado pelas fações oposicionistas a participar nos preparativos. Numa dessas ocasiões, em agosto de 1968, desloca-se a Paris e conhece Álvaro Cunhal, o líder histórico dos comunistas, desvanecendo-se qualquer ilusão que pudesse acalentar em relação ao PCP, já que Cunhal defendeu a invasão soviética da Checoslováquia ocorrida dias antes.

É na capital francesa que sabe, pelo Le Monde, que Salazar fora operado na sequência de uma queda da cadeira.

1969-1979 As eleições de 1969

Marcelo Caetano substituíra Salazar à frente do Conselho. Já não é o velho ditador - que morreu em 1970 - a disputar as eleições e o país vivia a ilusão da "primavera marcelista". Um sinal de abertura é a autorização para Mário Soares regressar do exílio em São Tomé.

Os grupos da oposição decidiram ir às urnas, mashavia desavenças que ditaram a constituição de diferentes estruturas. O que se assistiu foi à formação da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), em que participavam Mário Soares e Salgado Zenha. Jorge Sampaio colocou-se na Comissão Democrática Eleitoral (CDE), que reunia comunistas, católicos progressistas e outras fações mais ou menos radical.

Mas a campanha acabaria por não ser tão livre e aberta como se esperava, com a censura sempre atenta e com cargas policiais em comícios e sessões de esclarecimento anteriormente autorizadas. A União Nacional venceu o sufrágio com 87,7% e toda a oposição ficou-se pelos 12,3%.

Nas eleições de 1973, a oposição desistiu em bloco de ir a votos, em sinal de protesto pelos atropelos à democracia.

Advogado de sucesso que ganhava muito dinheiro nas avenças com as grandes empresas - mas que não cobrava nas causas políticas e sociais -, candidatou-se a delegado à assembleia geral da Ordem dos Advogados e dinamizou o primeiro Congresso Nacional dos Advogados.

Entre os casos de políticos que defendeu já no início da década de 1970 destacam-se os das ativistas das Brigadas Revolucionárias, Isabel do Carmo e Conceição Moita, ou do comunista Joaquim Duarte, preso em Peniche.

Recém-casado no 25 de Abril

Neste entretanto, Sampaio tinha-se divorciado da primeira mulher em 1971. Dois anos depois conheceu Maria José Ritta, com quem se casou em abril de 1974, no mesmo mês da Revolução dos Cravos. Tiveram dois filhos, Vera e André.

Soube do que estava a passar-se através de um telefonema de César Oliveira, que o alertou para o movimento dos capitães na rua. No dia seguinte, integrou a comissão ad hoc que negociou com os militares a libertação dos presos políticos de Caxias.

"O '25 de Abril Sempre' é uma criação minha. Foi numa reunião com o PCP e o MDP. Com o Piteira, que pertencia àqueles comités... Era uma tentativa de celebrarmos o 25 de Abril em conjunto, e era preciso comemorar numa perspetiva de esquerda. E eu lancei o slogan '25 de Abril Sempre'. O Carlos Brito sabe disso. Ele estava lá nessa reunião e sempre que o encontro rimo-nos imenso lembrando isso", diz em entrevista a Vasco Durão em 1998.

MES: sol de pouca dura

Afastado da CDE - que estaria então mais próxima do PCP -, Jorge Sampaio está entre os fundadores do Movimento de Esquerda Socialista (MES) no início de maio de 1974. Ele e o grupo do Flórida, que se reunia no bar do hotel ao lado do seu escritório no Marquês de Pombal, fundaram o MES e depois a Intervenção Socialista (IS).

Sampaio - mas também César Oliveira, Bénard da Costa, Joaquim Mestre, José Manuel Galvão Teles, João Cravinho, Nuno Brederode, Francisco Soares, Luís Nunes de Almeida, Nuno Portas, João Durão, Jorge Galamba e outros - acreditavam numa terceira via, uma alternativa ao PS e ao PCP.

Mas Sampaio abandonaria o MES logo no primeiro congresso fundador, em dezembro de 1974. Com discurso exaltado, ele e a maior parte do grupo do Flórida bateram com a porta por discordância com a orientação ideológica marxista-leninista.

"Escolher entre uma imediata e pragmática adesão a um grande partido [o PS, fundado em abril de 1973 na Alemanha] ou, suspeitando de que ele não trazia ainda a abertura bastante para os problemas da cidadania participativa, criar, à imagem da experiência francesa, um pequeno PSU à portuguesa, que fosse dele um compagnon de route rebarbativamente crítico. Inclinei-me para esta última opção. Mas, como a história não faz contraprova, nunca saberei se teria sido de maior utilidade levar para dentro do PS o discurso da diferença", afirma, citado no livro Presidentes de Portugal.

A proximidade a Melo Antunes

Chega o momento de Jorge Sampaio entrar na política executiva, ao ser chamado ao 4.º governo provisório - está próximo de Melo Antunes e do chamado Grupo dos Nove [militares de tendência moderada no MFA] - para secretário de Estado da Cooperação Externa.

"Éramos uma espécie de elemento civil relacionado com os Nove. O Melo Antunes ouvia-nos, mas ele próprio construía as suas ideias. Havia uma relação de respeito e cumplicidade. Nem sempre estávamos de acordo. Há histórias desse período verdadeiramente extraordinárias. Chegámos a arranjar um bunker para nos refugiarmos, não fosse haver um golpe da extrema-esquerda. Nós seríamos os primeiros a cair, como braço civil dos Nove. O que era verdade. Tínhamos um espaço que dava para refugiar cerca de 40 pessoas", acrescenta o ex-Presidente.

Foi a seguir ao golpe de 25 de novembro de 1975 que Sampaio e o seu grupo criaram a Intervenção Socialista (IS), com o sonho de unir a ação da esquerda - questionavam os impasses da social-democracia e rejeitavam os dogmas dos marxistas-leninistas.

"Nós tivemos um papel de procurar na sociedade civil uma espécie de aliança entre o PS e o PCP que não resultou. Vistas as coisas com frieza, não tivemos êxito. O PS nem sequer participou no colóquio da Intervenção Socialista."

No início de 1978, a IS é "absorvida" pelo PS - o grupo acaba a ser visto como a ala sampaísta dentro do partido.

1979-1989 A candidatura a secretário-geral do PS

É já no final desta década que Sampaio se prepara para assumir o cargo de maior relevo no Partido Socialista: o de secretário-geral. A candidatura surge a 18 de novembro de 1988, depois da demissão de Vítor Constâncio. É eleito a 16 de janeiro de 1989, derrotando Jaime Gama.

Antes de chegar a líder do PS, Jorge Sampaio tinha sido o primeiro português a ter um lugar na Comissão Europeia dos Direitos do Homem, pertencente ao Conselho da Europa.

Em Portugal, foi eleito deputado à Assembleia da República nas eleições de 1980, 1985, 1987 e depois em 1991.

1989-1999 Candidatura à CML une a esquerda

Sampaio explica o porquê de se candidatar à Câmara de Lisboa seis meses depois de ser eleito secretário-geral dos socialistas e de ter vencido as eleições europeias. "A decisão de me candidatar à Câmara de Lisboa foi uma decisão política marcante. Ninguém queria avançar. Fechei-me em casa durante dois dias e decidi que era eu, o que alterou tudo. Foi muito difícil conjugar a vida entre secretário-geral e presidente da câmara. Muitos dizem que foi por ter perdido as eleições de 1991 que foi possível fazer o percurso que fiz. Eu digo que, quando fui eleito presidente da câmara, talvez pudesse ter saído de secretário-geral. Tenho sempre essa dúvida."

Nuno Brederode Santos [falecido em 2017] também contou ao jornalista José Pedro Castanheira, biógrafo de Jorge Sampaio, que as autárquicas "já tinham abatido um secretário-geral. O Jorge viu que também ele não tinha generais para aquela batalha. Pensou: 'não posso repetir o número do Constâncio'. Percebeu que só tinha uma solução: avançar ele próprio."

E avançou. Protagonizando um feito político inédito: a esquerda concorreu unida e juntou na mesma lista PS, PCP, MDP e PEV. A 17 de dezembro, a coligação Por Lisboa ganhou as eleições por maioria absoluta com 49,1% dos votos, derrotando a coligação PSD-CDS-PPM, liderada por Marcelo Rebelo de Sousa. Tomou posse a 22 de janeiro de 1990.

Uma das marcas do seu mandato autárquico foi a conclusão do Plano Estratégico e do Plano Diretor Municipal (PDM), bem como o Programa Especial de Realojamento (PER). A nível cultural, Sampaio é anfitrião de Lisboa 94 Capital da Cultura e está também no lançamento das bases para a Expo'98 e da reconversão urbana da zona oriental.

Derrota frente a Cavaco

Como secretário-geral, foi a votos nas eleições legislativas de 1991 e teve de suspender o seu mandato autárquico. O sufrágio correu-lhe mal: Cavaco Silva renovou a maioria absoluta do PSD com 50,6% dos votos. O PS ficou-se pelos 29,1%.

A contestação interna não se fez esperar e o congresso que se seguiu colocou António Guterres na liderança dos socialistas.

Sampaio veria o seu mandato renovado na Câmara de Lisboa a 12 de dezembro de 1993, mas desta vez o MDP já não integrava a lista. Subiu a votação: 56,66% dos votos contra os 26,34% do candidato social-democrata, Macário Correia.

A desforra de Cavaco

É na campanha para o segundo mandato autárquico que começa a germinar a ideia de se candidatar à Presidência da República. A decisão é oficializada em 1995 - inicialmente, Sampaio apresenta-se sozinho, sem estrutura partidária a apoiá-lo. Mas conseguiu, mais uma vez, reunir toda a esquerda, com a desistência de Jerónimo de Sousa.

Cavaco Silva, enquanto isso, alimentava o tabu. Mas a derrota do PSD nas legislativas de 1995 deixavam poucas dúvidas de que iria avançar. Na noite eleitoral, Durão Barroso dirigiu-lhe, aliás, um apelo para que se candidatasse.

Sampaio defrontou Cavaco nas presidenciais de 1996 e desforrou-se do resultado das legislativas de 1991.

Garantiu desde o primeiro dia que seria o Presidente de todos os portugueses - apesar de não entregar o cartão do PS por entender que a independência se vê na ação - e quis estar próximo do povo. "Não há portugueses dispensáveis", dizia.

À semelhança do seu antecessor Mário Soares, o Presidente Sampaio realizava Semanas Temáticas, em que procurava chamar a atenção sobre certos assuntos, da saúde à educação. Percorreu todos os concelhos do país.

A operação ao coração

Seis meses depois de ter sido eleito chefe do Estado, Sampaio passou temporariamente a Presidência da República a Almeida Santos. Um aneurisma na aorta obrigou a que fosse operado ao coração no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa. No final da intervenção, o cirurgião Queiroz e Melo diria que Sampaio estava com um coração novo e que os portugueses iriam contar com um Presidente "mais saudável e mais enérgico". Teve alta 12 dias depois.

Os portugueses já tinham conhecimento dos problemas cardíacos do Presidente, mas foi-lhes omitido que tinha um aneurisma. Só ficam a saber depois da cirurgia. "Tenho dúvidas de que tenhamos tido a política de informação mais correta", refere António Franco, chefe da Casa Civil, citado na biografia de José Pedro Castanheira.

1999-2009 A demissão de Guterres

Se o primeiro mandato em Belém foi agitado do ponto de vista pessoal, o segundo viria a sê-lo sobretudo em termos políticos. Foi, aliás, agitadíssimo. Por três vezes o Presidente viu-se confrontado com a dissolução da Assembleia da República, mas só em duas delas lançou a "bomba atómica". No outro caso, optou por nomear um primeiro-ministro que não tinha ido a votos.

Vamos por partes. Jorge Sampaio foi reeleito em janeiro de 2001, tendo vencido as eleições à primeira volta. Do lado do PSD, o adversário era o ex-ministro Joaquim Ferreira do Amaral.

No final desse ano, o PS teve uma derrota estrondosa nas eleições autárquicas, perdendo para o PSD alguns dos principais municípios, entre eles Lisboa e Porto. O primeiro-ministro falou em "pântano político" e Sampaio entendeu que perante a composição parlamentar (115-115) não havia condições para o governo se manter.

As legislativas realizaram-se em março do ano seguinte. O PSD venceu as eleições e Durão Barroso convidou Paulo Portas (CDS) para uma coligação pós-eleitoral.

Nomeação e demissão de Santana

Em 2004 viria outra surpresa: Durão Barroso é convidado para liderar a Comissão Europeia e deixa o governo. Sampaio vê-se perante um forte dilema: dissolver ou não dissolver? Optou pela segunda hipótese e chamou Pedro Santana Lopes, vice-presidente do PSD, a formar governo.

No Largo do Rato caiu o carmo e a trindade. Os socialistas não perdoaram Jorge Sampaio por não ter convocado eleições e Ferro Rodrigues, líder do PS à data, disse com estrondo que se sentia traído por alguém da sua família política.

Foi sol de pouca dura. A 30 de novembro Sampaio demite Santana, depois de uma série de "trapalhadas" protagonizadas pelo seu governo. "Uma série de sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que contribuíram para o desprestígio do governo, dos seus membros e das instituições em geral."

Só assinou o decreto de dissolução depois de aprovado o Orçamento do Estado, para evitar que o país vivesse em duodécimos. Nas legislativas que se seguiram, o PS, com José Sócrates, venceu com maioria absoluta. A dissolução do Parlamento seria "confirmada" nas urnas, era argumento usado contra os críticos da demissão de Santana.

Timor-Leste, uma causa

Sampaio empenhou-se profundamente na questão timorense. Os esforços diplomáticos para eleição de Kofi Annan como secretário-geral das Nações Unidas deram novo impulso às negociações com a Indonésia. Até que Jacarta cedeu e se realizou a 30 de agosto de 1999 o referendo em que os timorenses se pronunciaram esmagadoramente pela independência do território.

A este resultado seguiu-se uma onda de violência, perpetrada por milícias pró-indonésias. Portugal recorreu ao Conselho de Segurança das Nações Unidas e o chefe do Estado procurou garantir a intervenção dos capacetes-azuis que colocasse um ponto final naquela barbárie.

Chegou mesmo a dizer que um dos seus sonhos era ser o primeiro Presidente a visitar Timor livre. E no dia da independência de Timor - 20 de maio de 2002 - estava no território a assistir a esse grande acontecimento que foi o nascimento de um novo país.

Mas também foi em Timor-Leste que, dois anos antes, foi surpreendido pela notícia inesperada da morte da mãe, aos 91 anos. O Presidente chegou a Portugal uma hora antes do funeral de Fernanda Branco.

A chamada das Nações Unidas

Jorge Fernando Branco de Sampaio terminou o segundo mandato em Belém em 2006, cedendo o lugar a Cavaco Silva.

Afastou-se da vida política, mas em contrapartida envolveu-se em causas humanitárias. Voltava ao serviço público, desta vez no plano internacional. Quase não teve tempo para respirar: dois meses depois de deixar Belém era convidado por Kofi Annan para ser o enviado especial do secretário-geral da ONU para a luta contra a tuberculose.

Sampaio correu mundo a alertar para o problema e pediu aos países mais ricos para doarem dinheiro para a causa. Sublinhando sempre que, a seguir ao VIH, a tuberculose é a doença infecciosa que mais mata no mundo. Mas sempre chamando a atenção para o preconceito existente em relação a estes doentes.

Ban Ki-moon substitui Kofi Annan, mas o novo secretário-geral das Nações Unidas não dispensa Jorge Sampaio. Desta vez, o ex-Presidente português é nomeado como alto-representante da ONU para a Aliança das Civilizações, cargo equivalente ao de subsecretário-geral.

E mais uma vez não ficou de braços cruzados e organizou o I Fórum para a Aliança das Civilizações.

2009-2019 O empenho na eleição de Guterres

Depois de ter concluído a missão da Aliança das Civilizações, em 2013, Sampaio entrega-se a uma nova causa - os refugiados da guerra civil na Síria. Foi a pensar nos estudantes que viram os seus estudos universitários abruptamente interrompidos que lançou a Plataforma Global de Assistência Académica de Emergência a Estudantes Sírios, com a atribuição de bolsas de estudo desde o ano letivo 2003-2004.

A eleição de António Guterres para secretário-geral das Nações Unidas - o que aconteceu em 2016 - foi outra das suas grandes batalhas.

Nesta quarta-feira, Jorge Sampaio comemora o seu aniversário. Oitenta anos repletos.