Quando foi assinada a paz, pondo fim à guerra de 1914-1918, consta que um general do Estado-Maior Alemão terá dito que não se tratava de um tratado de paz mas sim de um armistício para 20 anos. Dito ou criado pelo comentarismo que rodeia sempre acontecimentos desta natureza, o facto é que 20 anos depois tivemos a guerra de 1939-1945. O infeliz Stefan Zweig, que pareceu antever a crise de que o Brasil parece decidido a ensaiar um remédio mal explicado para aquela em que se encontra, escreveu no seu diário, em 3 de setembro de 1939, que a nova guerra seria "mil vezes pior do que em 1914"..Assim foi, mas a arena global em que se encontra o mundo arrisca uma situação mais grave se uma "leviandade" for cometida por qualquer governante guiado pelo pragmatismo acrítico na incapacidade de criar princípios guias. Foi talvez por ter antevisto o desastre no horizonte que Ian Kershaw, em 2015, no seu To Hell and Back Europe 1914-1949 entre nós aparecido (Dom Quixote) com o título À Beira do Abismo, estava confessadamente preocupado com a criatividade das potências, na área do fortalecimento das capacidades militares, depois de ser vivido o acerto da previsão de Churchill (1901) de que "as guerras dos povos serão mais terríveis do que as guerras dos reis", e isto porque "depois de as duas superpotências (EUA e Rússia) se equipararem com as armas atómicas, em 1949, e quatro anos depois com bombas de hidrogénio, capazes de gerar uma destruição ainda mais horrível, o espectro da guerra nuclear ameaçou com um nível de destruição que teria suplantado a devastação das guerras mundiais..Infelizmente, assim como a paz organizada depois de 1945 teve de chamar-se "guerra fria", o imaginado e esperado ponto final desta com a final destruição do Muro de Berlim foi seguido pela surpreendente e inquietante demonstração da capacidade de o fraco vencer o forte, com a destruição das Torres Gémeas a servir de referência, e o impressionante arsenal militar fornecido pelo "complexo militar industrial" obrigando a meditar que, como foi proclamado, "era tarde para o homem e cedo para Deus"..A arena mundial em que o globalismo transformou a "terra casa comum dos homens", ao mesmo tempo que tornou evidente a incapacidade generalizada de os governos organizarem rapidamente um sistema de resposta para repor a confiança e a segurança das sociedades civis, nesta área da criminalidade difícil de enquadrar por uma racionalidade eficaz fez crescer nas altas esferas do poder militar o risco denunciado por Bismarck em circunstâncias internacionais bem menos agressivas do que as atuais: uma leviandade pode desencadear um drama militar geral, como veio a acontecer. E por este caminho agrava-se a relação entre a incapacidade de compreender a conjuntura e a decisão de chamar pragmatismo ao "ocorreu-me" de misteriosa origem que domina parte da leviandade em exercício..Os EUA, hoje um dos aparentes detentores da explosível leviandade que inquietou Bismarck, deu notícia de assumir que "ocorreu" ao seu dirigente dar por findo o histórico Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio, de 1987, o qual teve como signatário Reagan e Gorbachev. Quando ainda não estão razoavelmente credíveis os sinais de apaziguamento do conflito com expressão verbal diplomática inovadora, entre EUA e Coreia do Norte, é surpreendente e inquietante a ignorância sobre as consequências eventualmente traduzidas em reabertura de uma proliferação nuclear que agravará a ameaça existente de um conflito capaz de destruir a terra..A contrapartida oferecida é que "a Rússia e a China procurem o gestor da "America First", garantindo que todos deixarão de desenvolver a denunciada ameaça. Falta assegurar o protocolo da submissão proposta pelo estadista que conta no seu trajeto ter provocado a sessão mais explosiva de divertimento da Assembleia Geral da ONU. Completamente alheio aos riscos de romper o tratado com o objetivo de conseguir, segundo analistas benévolos, outro que inclua a sua temida China, não lhe ocorreu que seria mais prudente avançar então acompanhado, mas depois de alguém lhe dar informação suficiente sobre o número de possuidores de poder atómico..Entretanto, para fortalecer a segurança interna advoga o alargamento da aplicação da pena de morte, salvaguardando a garantia constitucional sobre o direito de ter armas. A celebração do centenário do final da I Guerra Mundial que reuniu em Paris chefes de Estado de vencedores e vencidos, foi uma histórica demonstração de convergência no sentido de dar vigor e efetiva adesão à promessa de "nunca mais" que inspirou a fundação da ONU. O presidente Trump não foi ao Fórum pela Paz, nem ao cemitério de Belleau, onde repousam os corpos dos soldados americanos mortos na última guerra mundial..Professor universitário