A vergonha da lavagem de roupa suja em direto e a cores no TAPgate só é suplantada pela falta de vergonha de quem considera que isto é coisa sem importância, que nem importa a ninguém. Se ao menos servisse como exemplo do que está podre e tem de ser extinto... mas é tudo menos isso, é entretenimento que põe o país a lamber os beiços pela desgraça alheia, sem a entender sua. É puro populismo, que faz vociferar contra o estado das coisas, mas ajuda a perpetuá-lo à custa do receio de que tudo possa ficar ainda pior..Infelizmente, há muito que se esqueceu o que significa ser sério, dar-se ao respeito, ter presente que o exercício de cargos públicos, mais ainda de governo, deve reger-se pela verticalidade. E perdeu-se de vista a capacidade de exigir caminhos que levem adiante, que recuperem a função ascendente do elevador social que só nos tem transportado a todos para níveis inferiores..A verdade é que nada disto devia surpreender-nos quando o país tem um chefe de governo que não hesita em implodir uma instituição como o SEF, um exemplo a nível europeu, instalando o caos apenas para salvar a própria face e a pele de um ministro sucessivas vezes chamuscado (Cabritagate); que desvaloriza a escolha pessoal de um governo de primos e primas (familygate); que consegue perder uma dúzia de governantes no primeiro ano de uma maioria absoluta porque não se deu ao trabalho de garantir - ou pior, não conseguiu atrair - o mínimo de qualidade no recrutamento (executivogate); que trata os seus ministros como meninos de escola malcomportados que têm de levar uns açoites, mas cujas condições para governar reafirma, mesmo quando confrontado com casos de violência, de justiça, de ameaças e abusos..Montado o circo, o país distrai-se com casos e casinhos, com absurdos proibicionistas e ingerências ideológicas escandalosas - o Mais Habitação e a nova lei do tabaco são apenas dois exemplos recentes -, e não se concentra na estagnação em que vive. Não se revolta com o Estado de Sítio na Educação e o caos no SNS até ser vítima. Não reage ao assalto fiscal que vai permitindo os brilharetes nas contas públicas (que lhes acontecerá quando o efeito inflação for comido pela degradação do poder de compra?). Não se escandaliza com as esmolas ocasionalmente distribuídas com que se mascara a terceira maior carga fiscal consecutiva. Não fica apreensivo perante um governo que se refere a mais 0,3% nos salários (e apenas os privados) como um "aumento real"..E o governo, perante um crescimento exclusivamente suportado no turismo - que na prática muito tem feito por destruir -, um PRR que continua afastado do terreno, uma inversão na tendência do emprego, uma absoluta e comprovada incapacidade de pôr o país na rota de crescimentos visíveis e sustentáveis que resultaram em mais uma ultrapassagem (agora, pela Roménia, no PIB per capita), relegando Portugal para o top-5 dos mais pobres da Europa, tem a audácia de se vangloriar do que considera "boas notícias"..É clara, e ninguém sério porá em causa, a importância do trabalho que Medina tem feito na dívida e no défice. Mas deviam preocupar-nos as fundações em que assenta esse rigor das contas públicas e sobretudo as escolhas à custa das quais tem sido alcançado..Que tipo de despesa vem o Estado acumulando? De que forma têm sido usados os milhares de milhões que todos os meses são amputados aos nossos salários, subtraídos ao potencial investimento e inflacionam tudo aquilo que compramos? Por que é que os Orçamentos sobem mas os problemas só se agravam na Saúde, na Educação, na Justiça e numa série cada vez mais alargada de serviços públicos que não funcionam? Como está a ser combatida a depressão demográfica e a rápida degradação de um sistema de pensões que já terá menos de 43% do último salário para dar a quem está hoje nos 40 anos?.Há alguém disponível para responder às questões estruturantes para o crescimento do país, para o nosso futuro? A resposta é um grande circo, no qual restarão só os palhaços pobres, os que riem apesar da profunda miséria que é a sua vida..Não há investimento. Não há planeamento. Não há estratégia. Não há governo. Não há país de futuro para segurar os seus jovens. Mas sobra fogo-de-artifício, mesmo que alimentado pela falta de vergonha, para distrair-nos do que importa..Subdiretora do Diário de Notícias