18 JUN 2022
17 junho 2022 às 22h10

"Maomé era poderoso na sua simplicidade"

O Profeta foi mais do que "apenas" o fundador do islamismo. Foi também (e principalmente) um ser humano. Uma pessoa que amou, que chorou, que falhou, que inspirou... E é precisamente isso que Mohammad Jebara quer mostrar com esta biografia. Maomé - O Profeta que Transformou o Mundo é o resultado de quase três décadas de investigação. Uma mistura de biografia e trabalho académico, com que o autor espera desmistificar Maomé e trazer mais luz sobre o islamismo.

"Assim, o legado de Maomé permanece aberto a interpretação. Alguns exploram-no e inverteram-no em busca de poder. Outros optaram por o brandir como uma ferramenta poderosa para melhorar a vida das pessoas. Por outras palavras, assim que Maomé morreu, o destino dos seus ensinamentos ficou fora do seu controlo." É desta forma que Mohammad Jebara, canadiano, investigador do Islão, nomeadamente das línguas semíticas (árabe clássico e hebraico bíblico), começa a sua biografia sobre Maomé, o fundador do islamismo.

Mas o livro é mais do que "apenas" uma biografia de Maomé. É também a busca de um adolescente que procura saber o significado do seu nome. Que procura entender as bases da religião que pratica. Mohammad Jebara tinha apenas 10 anos quando decidiu saber mais sobre a pessoa à qual o seu nome era uma espécie de tributo. "Quando tens o nome de alguém queres saber mais sobre essa pessoa", afirmou ao Diário de Notícias. "Se te chamares Napoleão quererás saber quem ele foi e qual a sua importância na história". E foi esta ânsia por saber mais sobre a origem do seu nome que o levou a investigar Maomé, acabando por ditar a sua carreira profissional.

O livro agora apresentado, com o título de Maomé - O Profeta que Transformou o Mundo e publicado pela Saída de Emergência, é o fruto de quase três décadas de investigação. E isso implicou mais do que "apenas" aprender o Corão. Significou, também, aprender línguas antigas como árabe clássico e hebraico bíblico.

A investigação revelou que, por um lado, há duas visões antagónicas sobre Maomé e o islamismo, e também que há muita coisa escrita sobre o que ele ensinou, mas não sobre Maomé como pessoa. "Ao investigar descobri o ser humano que ele foi", referiu Mohammad Jebara, acrescentado que descobriu uma pessoa com quem nos podemos ligar (independentemente da religião). E esse é o grande objetivo do livro. Mohammad Jebara quer que as pessoas conheçam a pessoa que está por detrás do islamismo. O ser humano, a sua vida, a sua infância, a sua vivência - que, depois, determina a religião.

Ao contrário da maioria dos (poucos) livros que falam do lado pessoal de Maomé, esta biografia dedica quatro capítulos à sua infância. "Normalmente os livros só mencionam a sua vida antes dos 40 em poucos parágrafos", quase como se os 40 anos iniciais não existissem. Mohammad Jebara dedicou um capítulo por década, porque "a sua infância teve impacto quando foi mais velho". Afinal "não aparecemos do nada".

Por outro lado, os primeiros quatro capítulos também servem para dar a conhecer as pessoas que influenciaram Maomé, os seus mentores. E foram cristãos, judeus, pagãos... "tudo isto cria uma visão holística da pessoa e ajuda-nos a compreendê-la melhor".

Mas esta foi tudo menos uma investigação fácil. Mohammad Jebara pesquisou milhares de fontes. Manuscritos, livros antigos, bibliotecas, etc. Em 30 anos, o investigador leu muitos documentos, memorizou muitos dados e fez muitas análises. "Mas estava determinado e queria respostas", afirma, acrescentando que o livro é como que um trabalho académico, porque todas as fontes consultadas e todos os dados utilizados foram devidamente validados. E tinham que fazer sentido. "Verifiquei as fontes com outras fontes", afirma Mohammad Jebara, acrescentando que, por exemplo, se alguém afirmasse que aconteceu algo, a localização desse dado foi confirmada. Geograficamente é possível que este acontecimento tivesse acontecido? "Usei muitos dados da NASA para me ajudar a determinar aspetos temporais", afirma, dando como exemplo a existência de eclipses. "A NASA ajudou a confirmar se determinado evento aconteceu e quando aconteceu".

Numa era em que o fundamentalismo (de qualquer espécie) ganha terreno, Jebara quer acreditar que o seu livro trará uma nova luz ao islamismo. Que funcione como uma fonte de educação, tanto para muçulmanos como para os não muçulmanos. Porque há muita desinformação. E é por isso "que quis que este fosse um livro afirmativo", refere, acrescentando que, no fim do livro, o leitor pode encontrar toda uma seção dedicada a algumas das fontes utilizadas. "Poderia escrever todo um livro com todas as fontes que utilizei", brinca, explicando que a primeira versão do livro tinha cerca de 6.000 páginas.

"Espero que num tempo de tormenta o livro sirva de inspiração", diz, reforçando que a mensagem final é uma história humana do profeta. "Podes ser um ateu" e mesmo assim perceber o lado humano da pessoa e "acreditar nos valores". Aliás, para Mohammad Jebara essa é a principal parte do livro e o que o torna tão único e especial. "Ao ler o livro percebes que não tens de ser muçulmano para ler o livro" ou ser um crente. "É uma história humana", de um ser humano, com todas as suas virtudes e defeitos. E isso torna-o íntimo. "É como se fosse uma voz íntima".

Na verdade, a biografia escrita por Mohammad Jebara é um misto de uma biografia com um trabalho académico. Com uma pitada artística. Cada capítulo começa com um desenho. Desenhado pelo próprio autor e com um significado oculto. Pelo menos para quem não estiver com atenção a ler o livro. Como quando a palavra Maomé está escrita 62 vezes, porque ele viveu 62 anos. Cada desenho é um sumário da mensagem do capítulo. O que obriga o leitor a ser, também, uma espécie de detetive. "Cada desenho simboliza o tópico desse capítulo", diz Mohammad Jebara, acrescentando que o livro está cheio de simbolismo.

Nas cerca de três décadas de investigação, Mohammad Jebara foi surpreendido pela simplicidade de Maomé. "Ele era uma pessoa muito simples", apesar de ser igualmente poderoso. "Era poderoso na sua simplicidade", diz o canadiano, que refere que as partes da vida do profeta que se destacam são, por exemplo, quando conquista Meca. E o que faz aquando do regresso? "Varre o chão". São este tipo de imagens que surpreendem Mohammad Jebara e às quais dá mais valor, assim como quando serviu de cavalinho aos netos. Para o investigador, estes foram os aspetos (da personalidade de Maomé) mais tocantes, porque demonstram os comportamentos comuns do quotidiano.

"As pessoas pensam... ah, é um profeta poderoso - mais de dois milhões de pessoas acreditam nele, no entanto ele é uma pessoa simples". Mas ele era igualmente muito determinado - até um bocado teimoso. E isso é visível após a sua primeira tentativa de converter a população, que foi um falhanço completo. Mas ele estava determinado e continuou a tentar. "E falhou várias vezes", diz Mohammad Jebara, que o compara a um empreendedor.

A versão que foi agora lançada no mercado nacional tem 352 páginas. Mas a versão original tinha 6.000. Na verdade, Mohammad Jebara escreveu quatro versões do livro. Do zero. E esse foi o trabalho mais difícil. Escolher o que mencionar dos vários episódios da vida de Maomé e reduzir os milhares de páginas a "apenas" algumas centenas.

As milhares de fontes consultadas, e verificadas, permitiram que Mohammad Jebara tivesse uma visão holística de quem foi Maomé. E uma visão intimista do profeta. De tal forma que questionado sobre o que sentiria Maomé se, por algum milagre, viesse parar ao século XXI, a opinião do autor é a de que estaria simultaneamente feliz e triste. Feliz por ver todo o progresso, os direitos das mulheres, a liberdade de expressão, de consciência, a par da limpeza - era um maníaco da higiene. Mas, simultaneamente, estaria triste por haver guerras e haver toda a devastação. "Ele estava disposto a comprometer a sua própria honra a favor da paz", refere Jebara, acrescentando que Maomé ficaria chocado por ver pessoas a praticarem o mal em seu nome. Pessoas a matar em seu nome. "Estaria extremamente zangado com isso".

Para já a reação da comunidade muçulmana ao livro tem sido positiva, refere. É claro, acrescenta, que "é impossível agradar a todos e há quem não goste do livro por não ter aquela componente santa e espiritual". Como resumir a mensagem dos dois Mohammad O que deu origem ao livro e o que o escreveu? "Não estagnar", resume Jebara sobre a mensagem do Maomé "original", acrescentando que ele queria que as pessoas melhorassem. Há mesmo uma passagem que o autor considera muito poderosa e que diz "Tens uma escolha: ou melhoras ou ficas para trás". Essa é, para o investigador, a grande mensagem de Maomé: melhorar-se a si mesmo e melhorar a sociedade.
"Quero que as pessoas considerem que existem outras perspetivas", diz Mohammad Jebara sobre o que procura transmitir aos leitores. "O que este livro mostra é que não há apenas uma forma de ver o mundo", diz. Maomé "não é apenas um santo ou diabo. Foi, antes de mais, um ser humano".

Por outro lado, Mohammad Jebara quer que as pessoas percebam que Maomé foi uma pessoa, que sofreu, que passou dificuldades e que, mesmo assim, tentou ser positivo e otimista. "Se olharmos para essa mensagem acho que pode mudar a nossa perspetiva", refere, acrescentando que Maomé ensina a ter uma visão otimista do mundo. "Se perguntasses ao Maomé se o copo está meio cheio ou meio vazio ele diria que está meio cheio", constata.

Depois de Maomé.... um livro sobre o Corão

O escritor canadiano já está a trabalhar no seu próximo livro. Que será sobre o Corão. Sobre a Vida do Corão. Mohammad Jebara está a aplicar a mesta estratégia e técnica que utilizou na biografia de Maomé e conta apresentar o próximo livro já no próximo ano.

dnot@dn.pt