"Bolsonaro é a única esperança." Quem são e o que pensam os incondicionais do presidente
Sérgio Moro? Livramo-nos dele, graças a Deus. O escândalo de corrupção em torno de Flávio Bolsonaro e do assessor Fabrício Queiroz? Exagero mediático. Combate à pandemia? A responsabilidade deve ser atribuída aos governadores dos estados e não ao presidente do Governo Federal. Basicamente é esta a opinião dos apoiantes mais radicais de Jair Bolsonaro ouvidos pelo DN, 18 meses depois da posse, em janeiro de 2019.
Os institutos de sondagens indicam, numa primeira análise, que o presidente do Brasil reúne o apoio de 30% a 33% dos eleitores. Em pesquisas mais rigorosas, entretanto, concluem que os fiéis a Jair Messias Bolsonaro, do tipo "aconteça o que acontecer", são cerca de 15%.
"Sim, eu sou incondicional mesmo", admite Thais Menegucci. A personal trainer de 38 anos de Ribeirão Preto, cidade 500 quilómetros a norte de São Paulo, garante que vai continuar "a lutar contra a esquerda". "Porque acho a esquerda doente e acho que defender socialismo e comunismo ou é falta de carácter ou é falta de estudo."
"Jair Bolsonaro é a única esperança do nosso país para nos tornar livres das amarras do comunismo", acrescenta Bete Oliveira, personal organizer de Jaboatão de Guararapes, Pernambuco, na região nordeste.
Elas, como a maioria dos eleitores de Bolsonaro, eram até há poucos meses incondicionais também da Operação Lava Jato e do seu mentor, Sérgio Moro. Mas nem a saída do Governo do ex-ministro da Justiça, acusando o presidente de interferência na polícia para salvar a pele dos seus filhos envolvidos em investigações judiciais, abalou o seu apoio ao capitão do Exército.
"Não acho que a saída de ministros do Governo interfira no apoio ao presidente Bolsonaro, estamos num jogo em que ele é o treinador e os ministros são os jogadores, e, como num jogo, os jogadores podem ser trocados, o meu apoio ao presidente é total", diz Rafael Guerra, empresário de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, de 39 anos.
"A saída do Moro fortaleceu os verdadeiros patriotas, a forma como ele saiu foi um livramento, graças a Deus, já nem posso imaginar tê-lo hoje ao lado do presidente no Governo ou eventualmente com uma vaga no Supremo Tribunal Federal [STF]", acrescenta, com alívio, Bete Oliveira.
Para Thais Menegucci, "Moro foi do heroísmo à ruína". "Acho que ele pensou que a sua popularidade fosse maior do que a de Bolsonaro, fez um circo em conferência de imprensa, as pessoas esperaram um foguete e saiu um nada", continua.
"E, pior, foi logo mostrar as provas - quais provas, afinal? - daquilo de que acusava Bolsonaro à Globo, maior inimiga do Governo e da nação: em resumo, agora é odiado pela esquerda e queimou-se na direita, resta-lhe o centro para reunir apoio numa eventual candidatura, o que eu duvido que aconteça."
Além do abalo causado pela saída do seu ministro mais popular, Jair Bolsonaro chamou a pandemia de coronavírus de "gripezinha". Relativizou o número de mortes no país, ao reagir com um "e daí?", primeiro, e um "eu não sou coveiro", depois. Vem defendendo o uso de cloroquina, cujos benefícios no combate à doença não estão comprovados, ao contrário dos riscos cardíacos do seu uso.
Hoje contaminado, resistiu ao uso de máscara em público e foi contra a política de isolamento social defendida pela Organização Mundial da Saúde e cumprida pela maioria dos 27 governadores estaduais. É considerado, à escala global, um dos piores líderes no combate ao coronavírus.
Mas para Bete Oliveira, "Bolsonaro não desiludiu, de maneira nenhuma". "Nunca existiu nem vai existir um governante capaz de lidar com uma pandemia propagada e explorada em todas as áreas de forma eficaz e diminuindo os danos."
"O vírus foi politizado, algo que só acontece no Brasil", começa por afirmar Thais Menegucci. "Mas como o STF disse que os governadores é que são os responsáveis pelo combate nos seus estados, quem quiser culpar o Governo ou está a ser mau carácter ou idiota ou as duas coisas." "O isolamento deveria ter sido seletivo, obrigar o povo a ficar em casa, não poder trabalhar, perder emprego, não ter sustento, tem consequências muito mais graves do que o vírus", conclui a personal trainer.
"Tanto na saúde como na economia a agenda do Governo tem avançado", opina, por sua vez, Rafael Guerra. Para o empresário, pai de Pedro Guerra, conhecido como "bolsonarinho" ou "capitão guerra mirim", uma criança de 6 anos que faz campanha pelo presidente vestida à polícia, com boina, pistola, cassetete e algemas, "o que pode interferir no apoio incondicional ao presidente é um dia ele envolver-se nalgum caso de corrupção".
O escândalo em torno de Fabrício Queiroz, amigo de Bolsonaro há três décadas, pode ser esse caso? Queiroz é acusado de ser o pivô de um esquema milionário de desvio do salário de assessores-fantasmas comandado pelo filho mais velho do presidente, Flávio Bolsonaro, enquanto deputado estadual no Rio de Janeiro. Há suspeitas de que a prática já era comum nos gabinetes do próprio Jair desde o século passado.
"Os media perseguem-no desde sempre, vasculham tudo, não acham nada e depois criam histórias, mas quanto mais batem no presidente mais apoios verdadeiros ele tem", rebate Thais Menegucci. "No dia em que prenderam o Queiroz, era como se tivessem prendido o Bin Laden, numa das manchetes que eu vi diziam que ele estava com "900 reais", ainda se fossem 900 mil..."
Bete Oliveira, como não podia deixar de ser, concorda com a tese da perseguição jornalística. Mas adverte: "Até pode parecer que nós seguimos cegamente o presidente, não, pelo contrário, estamos nas redes o tempo todo cobrando as promessas de campanha."
Bete, Thaís e Rafael fazem parte dos referidos 15% de brasileiros que, de acordo com o instituto de pesquisas Datafolha, são bolsonaristas de todas as horas - ou seja, a metade mais radical entre os cerca de 30% que dizem aprovar o Governo.
Esse grupo caracteriza-se por um apoio ruidoso e destemido ao presidente - nas ruas e, sobretudo, nas redes sociais. É, ainda segundo o estudo do Datafolha, composto maioritariamente por mulheres (60%). Por comparação com os 85% restantes - em que se incluem, portanto, quer os 15% de bolsonaristas moderados quer os 70% de opositores do governo -, são mais brancos, mais ricos e vivem mais a sul do país.
Enquanto para 83% dos 85% de brasileiros que ou são oposição ou não são devotos incondicionais de Bolsonaro houve ditadura militar no país, dentre os 15% de fiéis ao presidente só 47% chamam esse período de "ditadura". E apenas um terço deles concorda com a afirmação de que esse regime foi mais negativo do que positivo.
Os 15% de bolsonaristas convictos acham, com números da ordem dos 97% a 99%, que o presidente é preparado, é competente e é sincero - nos restantes 85% da população, essa perceção está na casa dos 20%.
No grupo que inclui apoiantes moderados do Governo e oposicionistas, só 24% aprovam a ação do presidente na pandemia. Entre os 15% de radicais o número chega a 93%.
"São bolsonaristas de coração, infensos a oscilações de mercado e Parlamento, identificados com as convicções morais de Bolsonaro", escreveu Angela Alonso, colunista do jornal Folha de S. Paulo, num artigo intitulado "Nenhum absurdo balança os fiéis de Bolsonaro".
A socióloga Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo, que tem feito pesquisas qualitativas com eleitores do ex-capitão, observa uma "adesão emocional" que ajuda a entender essa fidelidade do eleitorado ao presidente.
Ouvido pelo DN, Vinícius Vieira, cientista político das Faculdades Integradas Rio Branco, fala em algo mais além do "coração" ou da "ideologia cega". "Se falarmos dos 30% a 33%, e não apenas dos 15%, acho que eles apoiam Bolsonaro por verem representados os seus interesses no Governo."
"Por exemplo, os evangélicos, parte significativa da população, ainda estão maioritariamente com o presidente e a nomeação de um pastor presbiteriano adepto da teoria do criacionismo para a pasta da Educação [reverendo Milton Ribeiro] foi uma excelente jogada nesse sentido. Eles e os conservadores de modo geral , por mais que o Governo seja muito mau, sentem que é um governo que os representa", sublinha.
"Não podemos ainda descartar o facto de Bolsonaro não ter mexido no bolso dos funcionários públicos na crise, sendo que, de entre eles, como seria de esperar, os militares tenham sido beneficiados com generosos planos de carreira".
"E finalmente", completa o politólogo, "o auxílio emergencial durante esta pandemia tem ajudado a melhorar a aprovação do presidente entre os mais pobres que, sem preconceito, votam com o bolso por uma questão de sobrevivência".
Apesar dos "incondicionais", se Jair Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos e hoje, 18 meses depois da posse, tem cerca de 30% a 33% de apoio, é sinal de que as perdas têm sido consideráveis.
Entre esses dissidentes estão atores políticos relevantes como os deputados federais Alexandre Frota, Major Olímpio ou Joice Hasselmann, outrora ferozes defensores do Governo, a deputada estadual Janaína Pachoal, que chegou a ser convidada para vice-presidente, os governadores estaduais João Doria, Wilson Witzel ou Ronaldo Caiado, todos aliados eleitorais de Bolsonaro, Luciano Bívar, líder do partido pelo qual o presidente se elegeu, ou Luiz Henrique Mandetta e Sérgio Moro, ex-ministros do Governo que saíram em rota de colisão com ele.
Correspondente em São Paulo