Rivoli

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Um conjunto de autarcas, capitaneados por Rui Moreira, deu o grito do Ipiranga e não quer a descentralização já, quer adiar para depois. No grupo estavam autarcas de vários partidos, mas o que é mais relevante é que muitos deles são relevantes autarcas do PS. Não é preciso ter uma grande fineza de análise política para presumir que tiveram o apoio do primeiro-ministro para serem contra a entrada em vigor de algo que veio de dentro do governo.

As razões podem ter sido várias, mas a nenhum dos que lá esteve, e a metade dos que lá não estiveram, deve sorrir a ideia de lhes serem despejadas competências em cima em ano de eleições, e passar a ser o presidente da câmara o culpado pela escola que não abre, a professora de ciências que faltou mais de metade do período, a lista de espera para a consulta de urologia, a agressão à médica de família.

O argumento de agora metem-se eleições vale o que vale, como se o calendário eleitoral autárquico não fosse previsível desde 1976. Porque vão sempre meter-se eleições, vai sempre haver uma desculpa, como aquele marido ou mulher que não sai de casa no inverno porque é Natal, ou no verão porque são as férias, ou em setembro porque é o ano escolar, ou em abril porque são os anos da cria mais nova.

Mas parece que ouço alguém dizer, arrastem isso até perto das eleições, e depois aí já ninguém vai querer fazer nada e adiamos.

Dizem os holandeses que do adiamento vem o cancelamento (van uitstel komt afstel), e com mais este adiamento pode ser que a descentralização nunca mais seja concretizada. Mas era bom para Portugal que se concentrassem competências próximas das pessoas, mas com estruturas agregadas que ganhassem escalas, chamem-lhes regiões ou outra palavra com menos bagagem política. Claro que tudo isto é miragem quando se fala em reverter a fusão de freguesias.

Também era bom poder pensar-se sem ser tabu em municípios com regras diferentes, competências e poderes diferenciados tendo em conta a sua dimensão, mas em Portugal somos muitas vezes reféns de uma interpretação férrea e acéfala da igualdade, uma igualdade em que quanto mais diferente mais igual tem de ser.

Por último, e por aqui talvez devesse ter começado, o que tem de ser feito para trazer eficiência à gestão autárquica é alterar o modelo de governo absurdo que faz que haja membros da oposição no órgão executivo, o que é uma sistema absurdo pela sua singularidade e ineficiência. Mas também isto é outra vaca sagrada da nossa democracia, paste o que pastar.

A declaração de Rui Moreira para adiar a lei teve direito a título e tudo, a Declaração do Rivoli. O outro teve de empenhar o anel de rubi para a levar ao concerto que havia no Rivoli e ela não ficou nem meia hora. As várias leis sobre descentralização parecem a meia hora da menina, um fingimento rápido para ficar tudo na mesma. E Portugal é o anel de rubi.

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