"Tenho dificuldade em perceber que um orçamento com estas características não seja aprovado"

João Leão assumiu a pasta das Finanças a meio de uma pandemia que ninguém esperava e que trouxe a maior contração do PIB desde o início do século XX. Apresentou na segunda-feira o Orçamento do Estado para 2021 (OE), um documento de negociação difícil que ainda pode ser alterado no Parlamento. O ministro das Finanças diz não compreender sobretudo a posição do Bloco de Esquerda
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Este é o orçamento que quis ter ou o que conseguiu ter?

É um orçamento bom para o país, que resulta de um compromisso entre os diferentes partidos - que é suposto apoiarem o OE. É um orçamento muito bom para o país porque é focado nas quatro grandes questões que enfrentamos. Por um lado, a pandemia. Reforça o SNS em mil milhões de euros, um aumento de 10% extraordinário do orçamento do serviço nacional de saúde (SNS). A parte importante é para dar meios adicionais de combate à pandemia. Vão ser contratados mais 4200 profissionais, além dos meios para testes, diagnósticos, equipamento de proteção individual e um conjunto de outras questões. Também é muito importante porque enfrenta três grandes questões: recuperação da economia, proteção do emprego e proteção de rendimentos - decisivo no contexto de crise.

Não é o orçamento do BE?

É um orçamento de compromisso com a visão, não só do governo e do PS sobre o que é importante nesta fase, mas também recolhendo contributos de BE e PCP sobre o que é importante nesta fase para combater a crise e a pandemia.

O OE ainda está em discussão, vai agora iniciar o processo no Parlamento - na generalidade e depois na especialidade. Vai aceitar incluir, por exemplo, medidas que aumentem a despesa e não tenham correspondente receita que a sustente?

Nós temos sempre espírito de diálogo, abertura, negociação. É importante também se reconhecer que este orçamento já teve um contributo das conversas que temos com os nossos parceiros e que estão refletidos num conjunto de propostas de que podemos falar a seguir. Temos uma postura de diálogo, estamos sempre abertos a negociar de forma equilibrada e sem nunca perder de vista que mais importante do que o ganho individual de um ou outro partido é o país. E temos de dar respostas ao país e ser responsáveis.

Mas se não tivesse de negociar, quão diferente seria o OE?

É verdade que há questões de aproximação aos partidos mais à esquerda que nos apoiam no orçamento. Em algumas questões mais ligadas a dimensões como a contratação coletiva, menos despedimentos, são questões que vêm muito das preocupações desses partidos e surgem aqui refletindo preocupações que foram levantadas. Um exemplo foi a questão de como proteger os direitos dos trabalhadores num contexto de crise, com o desemprego a subir e a posição negocial dos trabalhadores fragilizada. Para ir ao encontro dessa resposta, o governo propôs uma moratória geral de dois anos na caducidade dos contratos coletivos. Essa medida tem um impacto muito grande, afeta mais de 2 milhões de trabalhadores. Quando há denúncia do contrato de trabalho, fica congelada durante dois anos a efetivação dessa denúncia. Isto tem um impacto potencial muito forte e vai ao encontro de grandes preocupações....

Aceitaria incluir propostas da Iniciativa Liberal ou do Chega no OE?

À partida não vemos muita margem para aceitar propostas, mas não excluímos, à partida, propostas de ninguém. Mas são partidos tão diferentes, com projetos tão diferentes do nosso, que não vemos assim muito...

No futuro, quando olharmos para este orçamento, não vamos olhar da mesma forma que hoje olhamos para 2008/2009 - um grande aumento da despesa?

É curioso porque vemos do espetro de comentadores e de opiniões as duas críticas: pessoas que dizem é um orçamento contido e moderado, outras que é um orçamento que aumenta muito a despesa, demasiado social e com risco.

Com quais deles concorda?

Temos um orçamento equilibrado. E ambicioso nas medidas de combate à crise: no plano de recuperação da economia, na proteção de rendimento e emprego; e ao mesmo tempo faz uma aposta muito forte no SNS, que não tem sido destacada, com aumento do orçamento de cerca de mil milhões - metade financiado por fundos europeus, verbas do REACT e do Programa de Recuperação, e outra metade do OE. ...

Mesmo assim o BE continua com uma posição muito vincada contra o orçamento. Tem esperança de que o venham a aprovar ou tem alguma negociação na manga?

Vamos com espírito de abertura e diálogo, sabemos a importância para o país da aprovação de um orçamento nesta fase; é muito importante para mostrar estabilidade e confiança, porque este conjunto de medidas só entra em vigor no pressuposto da aprovação. Face à questão que coloca, eu tenho dificuldade em perceber que um orçamento com estas características não seja aprovado. É um orçamento bom para Portugal, bom para os portugueses, e é o orçamento de que o país precisa. E que reflete as preocupações que trabalhámos desde o estudo do início do verão com os parceiros parlamentares, no sentido de colmatar preocupações que tiveram.

Mas essa possibilidade continua em cima da mesa. Tendo o OE o cenário de ser chumbado, o que é que seria melhor para o país? Ser chumbado já na generalidade ou no final do processo?

O essencial é que seja aprovado. Porque isso dá um sinal muito importante de estabilidade numa altura de crise. Instabilidade política é muito má para o ambiente económico e a credibilidade internacional do país, e é muito importante ter o OE aprovado para podermos dar sequência a este conjunto de medidas. Também é verdade que o orçamento pode ser aprovado de diferentes formas. Com abstenções, votos favoráveis... não há formas fechadas de o aprovar e nós contamos aprová-lo, como sempre, com os parceiros à esquerda.

Como vai ser a política de cativações neste orçamento? Admite ser mais flexível ou vai manter o travão a fundo?

Não temos mantido travão a fundo. Sempre nos pautámos por um OE que repõe direitos, rendimentos, promove investimento público, que é bom para os portugueses. Mas para conseguir isto ano após ano, é importante considerá-lo com rigor, uma gestão orçamental rigorosa e prudente. Tomando decisões boas para os portugueses e para a economia portuguesa, mas sempre com acompanhamento rigoroso da gestão orçamental.

(Na versão em papel desta entrevista, a resposta acima omite a palavra inicial "não", invertendo o sentido daquela primeira frase. Dadas as condicionantes de impressão, quando a gralha foi detetada já não foi possível emendar a edição em papel. Aqui repomos a verdadeira resposta de João Leão, com o devido pedido de desculpas ao entrevistado e aos leitores.)

Esse rigor e zelo significa manter cativações como no passado?

A norma que propomos não é diferente, as próprias cativações foram sendo aliviadas ao longo dos últimos três anos, tem que ver com a forma como foram construídas e desenhadas. Para nós esse não é o ponto importante e crítico, nós temos um orçamento que é muito importante de fortalecimento dos serviços públicos, com recrutamento, por exemplo, de mais 4200 profissionais para o SNS, 3000 para a educação, é um orçamento que aposta em fortalecer os serviços para que educação e saúde consigam responder bem às exigências que a pandemia cria.

O Plano de Recuperação e Resiliência prevê o recurso a empréstimos europeus de 4,3 mil milhões. Porque é que este valor não está no orçamento e, não estando, vamos ter necessidade de um retificativo?

A nossa preocupação fundamental no âmbito do programa é a utilização na parte que são transferências, os tais grants. A parte que tem que ver com empréstimos, se conseguirmos que não seja considerado dívida pública e se for canalizado diretamente para os fins a que se destina, teremos todo o interesse em utilizar. Neste momento estamos em diálogo com a Comissão Europeia para explorar essas possibilidades. Porque a parte dos empréstimos constitui dívida pública, nesse sentido não é diferente do financiamento do IGCP. A vantagem é que são empréstimos com um custo ligeiramente mais baixo, mas não se distingue de dívida pública. E o Programa de Recuperação não serve para que os países tenham mais défice e mais dívida, serve para que consigam investir muito e apostar nos serviços públicos sem terem de endividar-se.

Quando há investimento europeu, geralmente há uma contraparte colocada pelo Estado. Isso não exigiria um retificativo?

O programa e o instrumento de recuperação, e o REACT, os dois programas de financiamento que temos no OE2021, não exigem contraparte nacional, há essa vantagem. Uma parte importante dessas verbas já está inscrita no OE. Ainda não estão todas, porque falta detalhar alguns aspetos da proposta, mas uma parte importante já está refletida, isto é, no orçamento dos serviços há uma parte que é para o setor privado que não exige estar no orçamento dos serviços. Como referi há pouco, a saúde tem uma parte importante de verbas quer do REACT quer do programa de recuperação e resiliência. Na outra parte não teremos dificuldade porque é 100% financiado pela Comissão.

Com tanta incerteza, exclui completamente que venha a ser necessário um retificativo?

No contexto de incerteza atual não devemos excluir nada, e eu assumi isso desde junho, quando mo perguntaram na Assembleia no âmbito da aprovação do Suplementar. E nunca excluí isso porque temos um grau de incerteza em Portugal e em toda a Europa muito elevado. É difícil antecipar o que é que vai ser necessário daqui a três ou seis meses. Não identificamos neste momento a necessidade de ter qualquer retificativo, mas não poderia ser sério se excluísse à partida a necessidade de um retificativo em 2021, perante a dimensão da incerteza.

As empresas queixam-se de falta de medidas. Não se está a perder uma oportunidade para dar um estímulo à economia através, por exemplo, de uma redução do IRC, mesmo temporária?

Em 2021, as empresas que foram mais afetadas pela crise, estão mais fragilizadas, não têm IRC a suportar. Não seria a medida indicada para focar as questões centrais que se colocam. Vou identificar aqui um conjunto de medidas muito importantes porque ajudam a recuperar a economia e as empresas. Temos inscrito no OE 6 mil milhões de empréstimos com garantias do Estado para canalizar financiamento, assegurar financiamento das empresas e que estas se possam financiar a custos baixos. Por outro lado, o Conselho de Ministros acabou de decidir uma extensão da moratória que vigorava até março, para ir até setembro para todos os setores, todas as empresas. Em terceiro, também temos aprovado para o ano que vem um crédito extraordinário ao investimento das empresas para que não adiem investimentos - um crédito que representa 20% sobre o montante de investimento. É um poderoso instrumento de apoio. E depois, ainda mais importante, temos instrumentos que agora vamos desenhar no próximo mês, para continuar a apoiar as empresas onde têm mais dificuldade, que é a manutenção do emprego. Esta parte das medidas, tão bem sucedida neste ano, de apoio ao emprego, tem de ser adaptada e redesenhada e é um instrumento poderosíssimo de apoio às empresas e aos trabalhadores. É aquilo que é crucial apoiar neste momento. Temos um orçamento que aposta muito na recuperação da economia. Que coloca, quer na liquidez das famílias, via imposto, mais 550 milhões no ano que vem, quer via prestações sociais adicionais via aumento dos valores para o subsídio de desemprego, quer da prestação social com mais de 500 milhões de euros nas famílias, quer via aumento do investimento público mais mil milhões de euros na economia. E é um investimento que injeta dinheiro na economia, garante que as empresas têm negócios, mercado, e isto é um poderoso incentivo de apoio.

O lay-off vai continuar até junho. Significa que a recuperação vai ser mais difícil do que previa? Qual é o risco do aumento do desemprego?

O governo está apostado em manter apoios significativos à manutenção do emprego enquanto a pandemia tiver expressão significativa. Do nosso ponto de vista temos de dar um sinal importante já para o primeiro semestre, é crucial ajudar e manter a capacidade produtiva das empresas, manter os trabalhadores empregues. É também importante do ponto de vista social, assegurar que não há despedimentos. Temos uma aposta muito forte nessa área para evitar o aumento do desemprego. Assumimos que até ao final do ano e durante o inverno continuará a haver aumento do desemprego. O nosso cenário antecipa que a partir do segundo trimestre e no verão, começará a diminuir, de tal modo que a taxa de desemprego no ano que vem seja mais baixa do que neste. Mas tudo isto depende de um cenário de evolução da pandemia que é incerto. Temos usado os cenários internacionais, pode ser um cenário melhor do que aquele que estamos a antever, ou pior. Há grande incerteza.

Os 500 milhões para a TAP são indicativos. Até que valor pode ir esta ajuda?

A TAP, tal como as restantes companhias aéreas, está a ser profundamente afetada pela pandemia. Os 1200 milhões de euros autorizados por Bruxelas achamos que vamos concretizar neste ano. Dará margem à companhia para as suas necessidades até o início do ano que vem, e depois há duas grandes questões que vão condicionar o valor que terá de ser concretizado. Por um lado, há um plano de reestruturação em curso. É um plano ambicioso de melhoria da eficiência operacional para ajudar a empresa a adaptar-se ao novo contexto. A dimensão desse plano e a forma como for aprovado vai condicionar os montantes que o governo pode ou não autorizar depois do próximo ano. Neste momento o governo não tem autorização para emprestar mais verbas à TAP ou para dar mais empréstimos com garantias do Estado.

E quando é que vai ser pedida essa autorização a Bruxelas?

Vai ser feita em dezembro, quando apresentarmos o programa de reestruturação. Já vai ter de ter previsto o futuro da TAP no próximo ano. Ao mesmo tempo, aquilo de que a TAP vai precisar vai estar altamente condicionado pela própria evolução da pandemia. É algo que temos que acompanhar.


E que formato pode ter essa ajuda extra?

São empresas que estão em concorrência, o governo não tem autorização para as apoiar sem aprovação da Concorrência europeia.

Pode ser empréstimo direto?

Os 500 milhões que temos previstos no orçamento são empréstimos, não do Estado, como aconteceu em 2020, mas através de uma garantia do Estado para a TAP se financiar junto do setor financeiro.

E se for preciso mais, repete-se?

Neste momento o que temos previsto são estes 500 milhões. É um valor bastante elevado que soma aos 1200 milhões deste ano. Esperemos que não seja preciso muito mais, mas é muito incerto.

No próximo ano não vai haver empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução para injetar no Novo Banco. Serão os bancos a fazê-lo. Consegue garantir que no médio/longo prazo não serão os contribuintes a pagar estes 275 milhões?

A questão colocada ao governo sobre o Fundo de Resolução, até por parte dos parceiros parlamentares, era não se querer que o Estado fizesse um empréstimo direto. Nós conseguimos garantir que no próximo ano não está previsto nem autorizado no OE nenhum empréstimo direto do Estado. O IGCP ou os impostos portugueses não vão financiar diretamente nenhuma verba para o Fundo.

Vão financiar indiretamente?

Nem por via dos impostos nem pela via direta do Estado. Não vai haver nenhum empréstimo direto do Estado ao Fundo de Resolução. O Estado, no passado o que fez foi emprestar, nunca transferiu, emprestou. O que está previsto nestes 275 milhões é um empréstimo dos bancos ao Fundo de Resolução para fazer, em função das necessidades, a tal injeção ao Novo Banco com o limite inscrito no orçamento de 475 milhões. As necessidades de amortizar esta dívida têm sido satisfeitas ao longo dos anos pelos bancos. Os bancos todos os anos pagam uma verba significativa em juros ao Estado e vão financiando as necessidades do Fundo de Resolução. Não está previsto nem neste nem nos próximos anos qualquer apoio direto.

Nem neste, nem nos próximos?

O que o Estado fez no passado foram apenas empréstimos.

Mas o Fundo de Resolução não tem tido capital para as injeções do Novo Banco, por isso é que o Estado tem emprestado. Garante que o Estado não terá num médio/longo prazo de emprestar mais?

Em relação ao Fundo de Resolução e da evolução que se faz das necessidades de honrar os empréstimos, não antevemos nenhuma necessidade. O Fundo consegue amortizar a dívida que contraiu.

Este empréstimo de 275 milhões de euros que os bancos farão ao Fundo de Resolução vai ser devolvido em quantos anos?

Temos um empréstimo que vai até 2046, se não estou em erro, e outro que ainda uns anos depois.

Não há risco de o Fundo ter de pedir emprestado ao Estado?

O Fundo de Resolução vive das próprias contribuições dos bancos. As simulações feitas não anteveem nenhuma necessidade.

O risco pode ser na despesa. No OE2021 ainda vamos pagar 50 milhões de despesas de reprivatização do BPN, que foi nacionalizado em 2008. O receio é que este empréstimo não se torne numa despesa constante. Garante que não será assim?

O que é certo é que vai ser uma despesa para muitos anos dos próprios bancos. Os bancos vão ter aqui encargos significativos ano após ano para suportar. E têm tido. Para os outros bancos não é fácil terem de financiar as necessidades de capital do Novo Banco. São eles, ano após ano que têm de contribuir com verbas significativas para o Fundo de Resolução, para fazer face às necessidades deste.

Os bancos têm esse papel mas depois há o financiamento da dívida e há 275 milhões que irão a défice. No fim, não há aqui uma injeção indireta paga pelo Estado por esta via?

É uma questão meramente estatística. Por decisões das autoridades de estatística do INE, seguindo as regras estabelecidas pelo Eurostat. O Fundo, sendo uma entidade do setor financeiro, foi reclassificado e entra no perímetro das contas públicas. Apenas por esse efeito estatístico esta entidade afeta a dívida e o défice.

As medidas que tomar para reduzir o défice são indiferentes ao facto de estes 275 milhões, estatisticamente, serem como acaba de descrever...

Por acaso até isso ajuda neste aspeto porque para 2021 não estamos condicionados com um valor específico do défice. Para 2022 não é certo, vamos estar com a necessidade de cumprir abaixo dos 3%...

E voltam as regras de Bruxelas a ser impostas...

Em 2021 estão suspensas, para 2022 fala-se em repor de forma faseada as regras do Tratado Orçamental. Mas o que estamos aqui a falar é de 2021. Para 2022 não está prevista essa necessidade.

E que parcela vai caber à CGD?

A Caixa vai ter uma parte deste empréstimo, tem que ver com a sua proporção no setor bancário - não tenho aqui o valor preciso mas vai ter alguma expressão.

Se a Caixa entrar, o Estado está exposto ao NB. Isso não é expor também os contribuintes?

A Caixa é um banco importante mas há vários outros no sistema financeiro português. Estamos a falar de um empréstimo ao Fundo de Resolução. No fundo os bancos estão a emprestar-se a si próprios, não vemos aqui necessariamente um risco. A Caixa está muito bem capitalizada, é um banco muito forte e não antevemos nenhum apoio por parte do Estado à Caixa nos próximos anos.

O Estado vai tornar-se acionista do Novo Banco?

O Fundo de Resolução é um dos acionistas do Novo Banco, mas o Estado não pretende ser acionista.

Ainda sobre a participação da Caixa podemos estar a falar em quase metade dos 275 milhões?

Não, será muito inferior a metade.

Este empréstimo também vai dificultar a vida dos bancos. Isto não vai ter consequências negativas na recuperação do país?

Este empréstimo é de 275 milhões: sendo elevado, é comportável pelos bancos, foi feito em diálogo com os bancos para perceber como poderia ser implementado, mas não antecipamos que traga dificuldades. No total dos empréstimos, é um valor muito residual. Coisa diferente era se afetasse diretamente os resultados dos bancos, aí já seria expressivo, mas estando dentro dos empréstimos e ativos, é residual no total.

Os bancos têm-se queixado da obrigação de terem de emprestar ao Fundo de Resolução. Não teme que isto tenha consequências negativas no financiamento do tecido empresarial?

Neste momento não antevemos nenhum risco.

O novo apoio extraordinário aos trabalhadores mais atingidos pela crise pode ser alargado na discussão na especialidade do OE?

A proposta que temos é bastante ambiciosa, tem um valor estimado de 450 milhões - é uma despesa maior do que algumas das prestações existentes muito conhecidos dos portugueses como RSI e complemento solidário para idosos. Fomos ao encontro de uma preocupação do BE. Eram os 501 euros como referência e temos uma prestação que é de banda muito larga porque não só tem o valor mais alto do que o subsídio social de desemprego, que é 438 euros, como na condição de recursos não é descontado o efeito da habitação própria. Por outro lado, é uma prestação que qualquer pessoa que esteja a perder o subsídio de desemprego ou o emprego e não tenha acesso às prestações do subsídio de desemprego ou subsídio social de desemprego porque não teve tempo de descontos suficientes, pode beneficiar desta prestação. A prestação também foi estendida a trabalhadores independentes.

Mencionou de novo que foi uma preocupação do BE à qual o governo acedeu. Afinal o que é que está a dividir governo e BE?

No nosso entender, houve aqui um maior esforço da parte do governo e apesar das condições financeiras mais difíceis, tivemos em conta as preocupações dos parceiros. Sabíamos que era um contexto exigente e fomos surpreendendo os nossos parceiros, que numa fase inicial estavam mais incertos sobre que tipo de orçamento íamos apresentar...

Esperavam austeridade.

Receavam austeridade.

E havia um ministro novo.

Mas consegui continuar a apresentar o meu orçamento, que era bom para Portugal e para os portugueses, sem austeridade, que não acrescenta crise à crise, antes aposta na recuperação da economia, na manutenção de emprego e na proteção dos rendimentos. Fomos indo ao encontro das preocupações. Mas também sentimos que sempre que nós dávamos aproximações eram levantadas novas questões, eram desvalorizadas propostas, algumas de grande alcance, como a moratória que abrange um universo potencial de trabalhadores muito elevado e foi desvalorizado como se aquilo só abrangesse 40 mil pessoas - o que é totalmente falso. Fizemos um esforço bastante significativo, mas também sentimos que as exigências aumentavam.

Está a dizer que não pode haver mais esforço, que chegou ao seu limite, à sua linha vermelha?

Nada disso. Quando apresentámos o OE2020 na generalidade não havia propostas significativas dos parceiros parlamentares. Remeteu-se para a especialidade as principais questões negociadas e isso não gerou problema na aprovação na generalidade. A nossa dificuldade aqui é perceber o BE quando no próprio orçamento na generalidade foi uma opção clara incorporar várias preocupações.

Eu estou mais interessado em saber o que não foi contemplado, porque alguma coisa os está a dividir... O discurso do BE é de quem está muito insatisfeito.

Isso também é a nossa perplexidade. Um orçamento que é manifestamente reconhecido de todos como o orçamento social, com grandes preocupações, quer na parte do apoio ao rendimento quer na renovação do SNS, um orçamento que todos reconhecem que incorpora muitas preocupações dos parceiros logo na generalidade... Estamos sempre disponíveis para conversar, esclarecer.

Pode ser concreto e dar-nos um exemplo de algo que...

Nunca perdemos de vista que é fundamental para o país ter um orçamento aprovado que é um sinal importante de estabilidade e de confiança num contexto de tanta incerteza e dificuldades.

E não teme que, com a discussão na especialidade, o orçamento que saia seja muito diferente daquele que tem no seu dossier?

Tenho confiança de que chegaremos com um bom orçamento, ainda melhor do que apresentámos.

Não é só o BE que está constantemente insatisfeito, a função pública parece também não estar muito satisfeita apesar de a massa salarial da administração pública ir aumentar 3%. Vai haver correção para os primeiros dois níveis remuneratórios com o aumento do SMN?

É natural que no orçamento haja várias partes a reivindicar. Há uma aposta muito significativa na saúde e na educação e isto faz aumentar o número de trabalhadores da função pública em mais de 1% - o que explica parte desse aumento. Outra vem do aumento do salário médio na administração pública. Estimamos que no próximo ano o aumento do salário médio da administração pública pelo efeito da evolução nas carreiras, por efeito da recuperação do tempo das carreiras especiais e por efeito da concretização plena das carreiras dos professores, seja de cerca de 2%. Para além disso, o aumento do salário mínimo nacional (SMN), muito importante para os trabalhadores mas também para o estímulo que dá na procura interna.

E vai haver subidas nos dois primeiros níveis remuneratórios?

Neste momento seria antecipar-me a qualquer discussão. O importante é garantir que há um universo de trabalhadores na administração pública que vai beneficiar desse efeito do SMN.

De que forma é que o SMN pode ajudar as contas públicas?

Depende da forma como se for concretizar na administração pública que tem um efeito direto na despesa, são algumas dezenas de milhões de euros.

Mas também implica mais receita...

Não tanto fiscal, mas contributiva, porque são trabalhadores que tipicamente não pagam IRS.

O governo pretende subir o valor de 23,75 euros na negociação, há essa margem negocial no SMN? Ou é um valor fechado?

Não pode ser. O que quisemos foi dar um sinal de que queremos subir de forma muito significativa, para deixar claro que não íamos recuar e que temos uma visão totalmente diferente do PSD, que pretende congelar o salário mínimo.

Mas há a eterna questão: não será contraproducente, com as empresas em grandes dificuldades?

Temos de ter ambos os lados da equação presentes. Por isso, decidimos optar por este valor e não por um ainda mais elevado. Permite o aumento significativo do rendimento desses trabalhadores. Sabemos que é algo que também tem efeitos positivos na economia...


E também agrada ao BE.

Admito que esses partidos pudessem querer mais, faz parte de uma visão mais de centro-esquerda. E é importante para garantir dinamização da atividade. Tem de ser feito com equilíbrio, sabemos que há empresas que estão muito afetadas pela crise, que têm um conjunto significativo de trabalhadores com salários mínimos e temos de pensar num pacote que também ajuda essas empresas.

Mas admite abrir exceções para os setores mais afetados?

Não a esse nível. Temos de ajudar as empresas a suportar as consequências da pandemia. Achamos que seria errado congelar o salário mínimo neste contexto, seria dar um sinal negativo, seria entrar no ciclo de visão depressiva sobre a economia.

Perfil: João Leão, um ministro das Finanças descrispado e numérico
Fala rápido e sabe os números de cor. Para a entrevista trouxe uma pasta cheia de documentos, mas nunca se socorreu dela. O ministro de Estado e das Finanças tem 46 anos. Nascido em Lisboa, é o mais novo de cinco filhos e bem-humorado. Doutorado em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, é licenciado em Economia e Mestre em Economia pela Universidade Nova de Lisboa, é professor de Economia no ISCTE, desde 2008. Foi secretário de Estado do Orçamento de Mário Centeno, entre 2015 e 2019, no XXI Governo e manteve no XXII Governo da República. Foi ainda diretor do Gabinete de Estudos do Ministério da Economia entre 2010 e 2014.

atualizado às 19.01

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