Compra de casas por estrangeiros, obras públicas e lay-offs evitam crise maior

Recessão em 2020 deve ser a mais violenta desde 1928 (ou pior) e o turismo afundará 60%, prevê Banco de Portugal. O governador Carlos Costa despede-se do banco central com elogios ao <em>lay-off</em> de António Costa.
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O novo investimento (formação bruta de capital fixo ou FBCF) deverá cair cerca de 11% neste ano, naquele que será o pior registo desde a crise do tempo da troika (2012), mas o colapso não será maior porque há vários segmentos do investimento que estão a aguentar o embate da crise pandémica. Construção, imobiliário e investimento público parecem estar a resistir, diz o Banco de Portugal.

Segundo o boletim económico ontem publicado pelo banco central, "o impacto negativo sobre a FBCF residencial", isto é, a compra de habitação, deverá ser "relativamente limitado, num contexto de manutenção de condições de financiamento favoráveis e de alguma atratividade deste tipo de ativo como aplicação de poupança e na procura por não residentes". Por outras palavras, a compra de casas, nomeadamente por estrangeiros, evitou uma crise ainda maior.

Além disso, o investimento "em construção estará a ser menos afetado pelos efeitos da pandemia". Este investimento em obras "parece ter mantido algum dinamismo", "as vendas de cimento aumentaram cerca de 7% em março e mais de 10% em abril, sugerindo que as obras em curso terão prosseguido".

Assim, "o setor da construção terá sido relativamente menos afetado pelas medidas de contingência em vigor neste período, tal como evidenciado também pela evolução da confiança" e pelos inquéritos conduzidos semanalmente pelo Banco de Portugal e pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

"O impacto da pandemia e do estado de emergência" também "parece ter sido menor em alguns setores", nomeadamente no segmento "construção e atividades imobiliárias, onde a atividade permaneceu em cerca de 75% dos níveis normais" no período que vai de março até agora.

Adicionalmente, o investimento público deve ter "um crescimento superior ao do PIB ao longo de todo o horizonte de projeção", até 2022. "O investimento público deverá apresentar um crescimento dinâmico, beneficiando do aumento dos fundos europeus, associado ao fim do atual período de programação, em particular em 2020-21.

Assim, o investimento total "deverá recuperar mais rapidamente do que em ciclos anteriores, após uma queda significativa em 2020, embora seja esperado que, em 2022, permaneça aquém dos níveis registados em 2019".

A formação bruta de capital fixo (FBCF) deverá cair 11,1% em 2020, "refletindo a queda acentuada da componente empresarial", mas depois deve avançar 5% em 2021 e 4,5% em 2022.

Recessão mais violenta desde 1928 (ou pior), turismo afunda 60%

A recessão da economia portuguesa, neste ano, será a mais violenta desde 1928 (ou pior até), arrastada por todas as partes da procura, mas sobretudo pelo turismo, que entrou em "colapso" total, refere o Banco de Portugal.

A entidade ainda governada por Carlos Costa é agora a instituição mais pessimista quanto ao impacto da crise da covid-19 na atividade económica do país: projeta uma recessão de 9,5% em 2020, mas uma retoma um pouco mais rápida do que a prevista em março, embora a economia não recupere totalmente do embate nem daqui a dois anos e meio.

Em março, o Banco de Portugal previa que, num cenário-base menos adverso, a economia sofresse uma contração de 3,7% e que, no pior dos cenários, a depressão fosse até aos 5,7%.

A quebra de 9,5% é agora o cenário-base. E o banco avisa que a incerteza é enorme e que os riscos negativos são especialmente dramáticos, pelo que é de considerar uma contração ainda maior neste ano. Num cenário mais adverso, em que há uma "segunda vaga" de infeções pelo coronavírus e as consequentes medidas de confinamento, a economia pode afundar uns impressionantes 13% ou mais.

O calcanhar de Aquiles da economia, que dantes era o maná do crescimento, é o turismo, referem os economistas do banco central. "A recuperação posterior deverá ser muito gradual, num contexto de elevada incerteza e de potenciais alterações nas preferências e nos comportamentos dos consumidores destes serviços e tendo também em conta a elevada elasticidade do rendimento da despesa em turismo."

Ou seja, "dado o peso relativamente elevado do turismo nas exportações totais por comparação com outros países, Portugal encontra-se particularmente exposto, projetando-se uma queda desta componente das exportações de mais de 60% em 2020". O Banco de Portugal fala mesmo em "colapso da atividade turística".

Costa elogia Costa na hora da despedida: lay-off evita maior desemprego

Carlos Costa, o governador do Banco de Portugal, que está de saída da instituição, devendo ser substituído no cargo, a partir de julho, por Mário Centeno, deixou ainda um elogio às medidas "que visam preservar o emprego" tomadas pelo Governo de António Costa.

No caso em apreço, a medida de proa é o lay-off simplificado, que implica redução de salários em cerca de um terço e de tempo de trabalho. Atualmente, esta afeta cerca de 850 mil trabalhadores e já custou 580 milhões de euros, segundo o Ministério do Trabalho.

Este regime tem permitido evitar que mais pessoas fiquem sem trabalho ou pelo menos atrasar por algum tempo a sua entrada no desemprego, já que reduz de forma significativa a despesa das empresas com salários (com o Estado a subsidiar temporariamente este custo em 70%) e isenta-as do pagamento de descontos à Segurança Social. O lay-off simplificado vigora desde finais de março e estará ativo até final de julho.

"O impacto da crise sobre o mercado de trabalho tenderá a ser atenuado ou desfasado pela existência de políticas que visam preservar o emprego e a liquidez das empresas", reconhece o Banco de Portugal.

Isso tem um efeito visível na taxa de desemprego prevista. Há três meses, no cenário de base desenhado pelo banco central, a taxa de desemprego projetada para 2020 era de 10,1% da população ativa, isto com uma recessão económica prevista na altura de 3,7%. Agora, com a economia a cair muito mais do dobro (o banco prevê um recuo de 9,5%), a taxa de desemprego mantêm-se nos 10,1%.

Jornalista do Dinheiro Vivo

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