São os cem senadores que vão decidir sobre o impeachment de Donald Trump, mas os trabalhos serão presididos por um juiz. Mas não um juiz qualquer: o presidente do Supremo Tribunal, John Roberts. A dias de celebrar os 65 anos, jurou nesta quinta-feira no Senado que fará "justiça imparcial" durante o julgamento do presidente norte-americano, antes de presidir à cerimónia de juramento dos senadores.."Quando o presidente dos EUA é julgado, o presidente do Supremo Tribunal deve presidir", lê-se na Constituição dos EUA. Mas não há mais pormenores sobre qual deve ser a sua função, sendo certo que este é um julgamento político, não judicial, e que são os senadores que ditam as regras do jogo..As regras do Senado dizem que, além de presidir ao juramento dos senadores, será ele também o responsável por fazer as perguntas que estes entregam por escrito aos procuradores da Câmara dos Representantes responsáveis por liderar o processo, assim como a equipa de defesa de Trump ou eventuais testemunhas. E pode "decidir sobre matéria de prova"..A história (este será o terceiro processo de destituiçãode um presidente) diz que o líder do Supremo Tribunal não terá muito poder. Desde logo porque qualquer decisão que tome em matéria processual pode ser revogada por uma maioria dos senadores. Contudo, com tantos pormenores ainda por decidir, incluindo se vão ou não ser ouvidas testemunhas, Roberts poderá ser obrigado a ser mais assertivo..Sendo um juiz que sempre defendeu a imparcialidade da justiça e a independência dos tribunais, Roberts não quererá contudo ter um papel de relevância - apesar de ser dele o voto de desempate em qualquer ocasião. Mas caberá ao líder do Supremo garantir que há respeito pelo processo, numa altura em que não só haverá transmissão em direto das audiências na televisão, como haverá provavelmente comentários ao minuto nas redes sociais - desde logo do próprio Trump..Mas quem é Roberts?.Em 1980, quando o jovem recém-licenciado em Direito em Harvard conseguiu emprego como secretário do juiz presidente do Supremo Tribunal, William Rehnquist, não imaginava que 25 anos mais tarde seria nomeado para lhe suceder no mais importante cargo da hierarquia judicial norte-americana. E que, tal como Rehnquist, viria um dia a presidir a um processo de impeachment de um presidente - no caso do seu mentor, o de Bill Clinton, em 1999..Este só emitiu uma decisão importante durante o processo de cinco semanas, declarando que os senadores não deviam ser referidos como "jurados", porque "o Senado não é um simples júri. É o tribunal neste caso" e, portanto, cabia aos senadores estabelecer as regras. Mais tarde, Rehnquist declarou: "Não fiz nada em particular e fiz isso muito bem." Um exemplo que Roberts quererá seguir, não pondo em causa a credibilidade do Supremo Tribunal, mais do que o primeiro juiz a presidir a um impeachment..Salmon Chase presidiu à destituiçãode Andrew Johnson, em 1868. Ex-senador, governador e candidato presidencial, era a favor de ilibar o presidente. Tomou muitas decisões durante o processo, tendo pelo menos duas sido anuladas pelos senadores..Inicialmente proposto para substituir a juíza Sandra Day O'Connor, que iria reformar-se, Roberts acabou por ser nomeado pelo então presidente George W. Bush para substituir Rehnquist quando este morreu, em setembro de 2005. Johnson, católico praticante, casado e pai de dois filhos adotados, tinha então 50 anos. Era considerado por Bush "uma das mentes mais brilhantes da sua geração", que "ganhou o respeito de todos os partidos políticos"..Nascido em Buffalo, Roberts cresceu no Indiana e formou-se em Direito em Harvard, em 1979. Integrou as administrações de Ronald Reagan e de George Bush pai. Após alguns anos no setor privado, em 2003 foi nomeado juiz no tribunal de recurso do distrito de Colúmbia. Era onde estava quando Bush filho o chamou ao mais alto cargo da hierarquia judicial..Para trás ficara a carta, da qual tinha sido um dos signatários em 1990, que foi enviada ao Supremo para que alterasse a lei de 1973 que garante às mulheres o direito ao aborto. Já no ano passado, em pleno debate sobre a eventual revogação da histórica decisão Roe vs. Wade, Roberts votou ao lado dos liberais para bloquear uma lei do Louisiana que exigia que os médicos que fazem abortos tenham privilégios para trabalhar num hospital próximo..Considerado um representante da ala conservadora do Partido Republicano, o seu registo mostra que tem tido uns laivos de liberal, mas mais importante, de independente. E que está determinado a evitar que o tribunal, com dois novos juízes nomeados por Trump, se incline rapidamente demasiado para a direita ou seja visto como outro fórum da política partidária de Washington..Roberts não tem passado despercebido a Trump, que, enquanto candidato, disse que ele era um "desastre absoluto" e "um pesadelo para os conservadores". Em causa está o facto de Roberts ter votado, em 2012, ao lado dos liberais do Supremo para manter o Obamacare (o projeto de saúde de Barack Obama).."Parabéns ao John Roberts por fazer os norte-americanos odiarem o Supremo Tribunal por causa da sua BS", escreveu Trump em julho de 2012, usando a abreviatura de bullshit ou treta..Já com Trump na Casa Branca, Roberts travou a tentativa da sua Administração de incluir nos censos uma pergunta sobre cidadania e lembrou o presidente da independência dos juízes, quando Trump falou que uma decisão desfavorável sobre imigração tinha sido emitida por um "juiz Obama".."Não temos juízes Obama ou juízes Trump, juízes Bush ou juízes Clinton", disse Roberts, lembrando que a independência da justiça nos EUA "é algo que todos devíamos agradecer". Trump insistiu que havia juízes Obama, alegando que estes "têm um ponto de vista diferente das pessoas que são responsáveis pela segurança do nosso país"..Impeachment.O processo de destituiçãoé retomado na próxima terça-feira, com as sessões sempre da parte da tarde todos os dias, exceto ao domingo. De manhã, o presidente do Supremo Tribunal irá continuar a avaliar os processos que estão na mais alta instância judicial nos EUA..Casos sobre os direitos dos homossexuais, a posse de armas ou o programa que permitiu a 700 mil jovens migrantes viver e trabalhar nos EUA estão a ser decididos. Uma decisão sobre ajuda pública para escolas religiosas é esperada na próxima quarta-feira.