Professor da Queen's Univesity em Belfast, na Irlanda do Norte, Lee McGowan sublinha que o resultado do referendo sobre o Brexit de 2016 não dá uma grande vantagem ao sair sobre o ficar na UE. E que a eventual realização de um segundo referendo poderia repetir esse resultado, acentuá-lo ou dar uma vitória ao ficar, mas, da mesma forma, sem uma grande vantagem sobre o sair..O académico analisa o impacto do Brexit no processo de paz na Irlanda do Norte e considera que toda esta confusão em torno da saída do Reino Unido da UE tem o potencial de desestabilizar as comunidades que vivem naquele território, que é uma província autónoma do Reino Unido e onde, durante décadas, existiu um conflito sangrento..Crítico de May, de Corbyn, do DUP e também do Sinn Féin, Lee McGowan avisa que - se e quando o Brexit acontecer - não é de descurar o seu impacto na moldura constitucional do Reino Unido nos próximos anos. A Escócia, por exemplo, sublinha o professor, poderá repetir o seu referendo sobre a independência do Reino Unido e, desta vez, ser esse o resultado vencedor..Boris Johnson, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de May, conservador e eurocético, disse na terça-feira à noite que o único problema com o acordo do Brexit que foi chumbado é o backstop. Que se este ponto for removido o acordo será aprovado e já está. Acha que pode ser assim tão simples?.Se fosse assim tão simples, seria ótimo, mas não é. Isto tudo tem sido uma confusão. Desde o início. Theresa May, que agora fala em obter um consenso entre todos os partidos, se tivesse feito isso desde o início, pondo em cima da mesa algum tipo de união aduaneira, em vez de a ter descartado, teria visto um acordo aprovado. A questão irlandesa não estava, inicialmente, na agenda. David Cameron, quando convocou o referendo, assumiu que as pessoas votariam por ficar na UE. Eles acharam que iam ganhar, não fizeram planos para outra coisa, até eu pensei que o ficar ia ganhar..A questão irlandesa só apareceu muito mais tarde na discussão do referendo. O que tem acontecido desde então é que os conservadores eurocéticos que querem sair da UE não anteciparam a dificuldade que viria desta questão e pessoas como Boris Johnson, por exemplo, achavam que era um assunto sem uma grande importância..Mas agora ele classifica a questão do backstop como uma armadilha....É uma armadilha acima de tudo para o Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (DUP). Eles defenderam a saída do Reino Unido da UE, continuam a defender o Brexit, apesar de a maioria das pessoas na Irlanda do Norte (56%) ter votado pela permanência na UE. E depois para conseguirem evitar o regresso de uma fronteira física entre as duas Irlandas apareceu este backstop. Em seguida esse ponto tornou-se um problema maior para o DUP e eles não puderam apoiá-lo..O que mais me preocupa é que o país está dividido, porque a Escócia e a Irlanda do Norte querem continuar na UE e até em Inglaterra há quem queira ficar. O resultado do referendo de 23 de junho de 2016 foi muito próximo, 52%-48%, não é uma vitória esmagadora. O que me preocupa é como é que vão conseguir unir as pessoas depois de tudo isto..É verdade o que dizem sobre haver formas tecnológicas de evitar o regresso físico de uma fronteira física. Em termos económicos sim. Mas estão a esquecer-se da parte política e de que impacto isto poderá ter numa região que, ainda há duas décadas, assinou o Acordo de Sexta-Feira Santa..Acha que esta guerra do backstop tem o potencial de reacender o conflito na Irlanda do Norte entre unionistas (os que defendem união com o Reino Unido) e republicanos (pró-união com a República da Irlanda)?.Certamente não ajuda, porque, desde 2016, já havia tensão em torno de uma série de dossiês entre o DUP e o Sinn Féin. Isto já era suficientemente difícil para eles lidarem. O que não precisavam mais em cima de tudo isto ainda era o Brexit a aterrar, subitamente, em cima deles. Isto tem o potencial de desestabilizar os ânimos na Irlanda do Norte..Mas acha que a República da Irlanda e a União Europeia aceitariam eliminar o backstop?.Isso era o que Theresa May gostaria que acontecesse. Se ela conseguisse, de alguma forma, alterar o backstop, em teoria isso poderia melhorar as coisas, a questão é como é que isso seria feito. Ninguém quer o regresso de um fronteira física entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte..Ouvindo algumas palavras que vêm de Bruxelas e de Berlim no sentido de que talvez se devesse olhar novamente para esta questão do backstop, talvez se pudesse mudar, mas não sei bem o quê..Se o apoio de May no Partido Conservador não é estável, o mesmo sucede com Corbyn no Labour. Vemos deputados trabalhistas a pedir um segundo referendo sobre o Brexit. Mas Jeremy Corbyn prefere eleições antecipadas a um segundo referendo. Porquê?.Corbyn, pelo seu background, nunca foi um entusiasta da União Europeia. Ele usa acontecimentos. A verdade também é que, há cinco ou seis anos, ninguém conseguiria prever também que seria ele o líder do Labour hoje em dia. O que ele está a tentar fazer é usar o Brexit para provocar dano no governo do Partido Conservador. O que Corbyn quer são eleições antecipadas, para devolver o poder ao Labour..May não tenciona demitir-se, pois ela tem demonstrado obstinação. Se olharmos para a evolução das declarações nas últimas semanas, alguns dos brexiteers mais duros, que antes do Natal queriam tirar May do N.º 10, agora apoiam a primeira-ministra. Eles não querem eleições, pois alguns podem perder o lugar de deputado, arriscando também a possibilidade de ver Corbyn chegar ao poder..O tema de um segundo referendo só começou a ser mais mencionado nos últimos dois ou três meses. Não penso que Corbyn está a pensar no resultado que poderia vir de um segundo referendo, mas apenas em eleições, para chegar ao poder e depois, então, iria ver que opções ainda estão em cima da mesa. Vários deputados trabalhistas surgiram nesta quarta-feira a exigir um segundo referendo. E por isso essa campanha pode intensificar-se..A questão é que se houver um segundo referendo, pode ter o mesmo resultado do que o de 2016, pode ainda intensificar esse resultado, pode dar um resultado pelo ficar na UE, mas com uma diferença também pequena, como aconteceu (mas ao contrário) em junho de 2016. Aí, continuaríamos a ter um país dividido. A campanha do sair ganhou com base em argumentos emocionais, não políticos. Por isso, May terá de procurar um compromisso..Acha que isso é possível até 29 de março ou é preciso uma extensão do Artigo 50.º?.May tem dito que não é preciso uma extensão. Mas ela já disse várias coisas. Ela vai ter de voltar na segunda-feira com um plano alternativo. Se o governo não surgir com alguma coisa, o Parlamento vai começar a tomar as suas próprias iniciativas, deputados vão começar a manobrar, vão surgir com planos. Há uma coisa que quase ninguém quer mas que não pode ser descartada e que é um cenário de Brexit sem acordo. Isso é o que querem os brexiteers mais duros. Mas eles serão aí uns 50 ou 70, em mais de 500 pessoas no Parlamento..É preciso ver então se May consegue apoio nos vários partidos para chegar a um novo tipo de compromisso. Ela vai ver se Bruxelas, Michel Barnier [negociador chefe da UE para o Brexit] e os líderes dos outros governos ainda podem fazer mais algumas concessões. Mas não me parece que haja muito mais que eles possam fazer..Uma coisa de que é preciso falar é qual será o impacto de tudo isto na moldura constitucional do Reino Unido em si. A Escócia não quer o acordo de May, não quer uma saída sem acordo, antes prefere uma união aduaneira de qualquer espécie. Qualquer novo acordo terá impacto ao longo dos próximos dez anos. A Escócia irá provavelmente fazer um novo referendo sobre a sua independência e há mesmo o risco de, desta vez, ela passar. Quando ouvimos os ingleses a falar, uns falam sobre a nação, outros sobre o país, mas não sabemos se estão a falar de Inglaterra, do Reino Unido....Há coisas importantes a acontecer nos bastidores. A que é que o Reino Unido se vai parecer depois de o Brexit se efetivar? Todo este debate é um momento decisivo na história do Reino Unido. No que toca à Irlanda do Norte, para alguns unionistas não há problema algum com o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda, porque isso permite-lhes reforçar ainda mais os laços com o Reino Unido. Mas do lado republicano, muita gente acharia essa fronteira difícil de lidar..Alguns membros do Sinn Féin falam na repartição da ilha [da Irlanda] e o apoio à união irlandesa tem vindo a aumentar. As relações entre vários grupos de pessoas na Irlanda do Norte vão tornar-se mais difíceis e as tensões vão aumentar. Isto pode fazer que a reunificação irlandesa se torne mais provável. Está uma geração mais próxima de acontecer do que estava..O Brexit veio acicatar todas estas coisas. Eu sou crítico do DUP, mas também é possível criticar-se o Sinn Féin. Os deputados eleitos por eles em Westminster não ocupam os seus lugares. Os deputados deles, oito, poderiam fazer a diferença, tanto nas conversações no Parlamento britânico como nas votações que têm lá acontecido. Eles não ocupam os lugares de deputado em Londres porque alegam que são um partido que defende a união da Irlanda do Norte com a República da Irlanda. É uma confusão. Sair dela vai ser muito difícil..David Cameron disse que não lamenta ter convocado o referendo. Muita gente não concordaria. E considera um disparate que ele o tenha feito.