Portugal recebe cada vez mais turistas - neste ano, espera-se o recorde de 24 milhões - e esses números refletem-se na procura do alojamento local. Desde janeiro até outubro deste ano, o INE registava quase nove milhões de dormidas (8,88 milhões) em alojamento local, mais 14,5% relativamente ao período homólogo de 2018. O que significa que em dez meses já se alcançaram mais de 160 mil dormidas do que em todo o ano que passou (8,72 milhões)..A opção pelo alojamento local justifica-se, segundo Eduardo Miranda, presidente da ALEP - Associação do Alojamento Local em Portugal, pelo facto de quem nos visita buscar cada vez mais novas formas de alojamento. Porque cada vez mais se viaja com os filhos, com os pais e até com avós. E porque não dispensam, por exemplo, uma cozinha para tratar de refeições. Ou até porque viajam com animais de estimação. Mas será ainda o alojamento local um negócio vantajoso para quem decide investir e abrir as portas de uma casa aos turistas?."O alojamento local nunca foi uma galinha dos ovos de ouro. Tinha-se a ideia de que, com o aumento do turismo, esta seria uma atividade fácil, de alto rendimento e confundia-se a receita com o resultado", diz Eduardo Miranda, lembrando que este negócio tem muitos custos. Exemplifica: o pagamento de 6% de IVA ao fisco e o pagamento às plataformas como o Airbnb e o Booking, que pode ir até 15%, as limpezas, ter disponibilidade ou pagar a alguém para fazer o check-in e o check-out, pagar a contabilistas, a lavandarias, a limpeza....Aos custos de uma atividade que, sustenta, está longe de ser um eldoradojuntam-se novas regras que vão mudando constantemente, como, por exemplo, a criação de áreas de contenção nas zonas históricas de Lisboa e do Porto ou o aumento de impostos. E, assim, o resultado depois do boom de novos registos de AL verificado imediatamente antes da nova lei entrar em vigor é que "no último ano houve muita gente a desistir"..O conselho do dirigente da ALEP é que quem se quiser lançar nesta aventura deve antes fazer uma análise exaustiva da rentabilidade do seu alojamento. Que pondere todos os fatores e todas as despesas, que atente na concorrência e perceba se tem uma mais-valia para oferecer. Porque, quando a oferta é muita, tem de se ter algo de atrativo para chamar os turistas - uma decoração atrativa, uma varanda, uma casa com vista....Na segunda-feira foi conhecido um estudo da Savallis, em parceria com HomeWay, segundo o qual cada vez mais pessoas compram uma segunda habitação a pensar em rentabilizar o investimento com a entrada no alojamento local.."Cerca de metade das pessoas que adquiriram uma residência secundária em 2019 fizeram-no com o intuito de a disponibilizar para arrendamentos de curta duração desde o início. Este tornou-se o principal motivo de compra, ultrapassando o uso próprio", refere o estudo, que ouviu 7800 proprietários e 6800 viajantes em Portugal, mas também Reino Unido, EUA, Espanha, Canadá, França, Itália, Holanda, Nova Zelândia e Brasil, e mostra uma mudança nas principais motivações para se adquirir um imóvel ao longo dos últimos dez anos, com o uso pessoal a ser ultrapassado pelo mercado turístico na segunda habitação..O estudo não diz, contudo, quantos portugueses compraram uma segunda habitação para a transformar nesta atividade turística. Luís Lima, presidente da APEMIP - Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, acredita que a realidade de que fala o estudo teve expressão há dois ou três anos. "Hoje em dia, há pessoas a sair porque há muita oferta e os sinais são preocupantes. Está a atingir um ponto de saturação e não dá para todos. Há quem esteja a sair para o arrendamento tradicional.".Mesmo considerando que as margens de lucro no AL são maiores, Luís Lima diz que o inquilino que opta pelo arrendamento de longa duração tem mais garantia de ocupação e não tem transtornos tão grandes da entrada e saída constante de hóspedes, que obriga a uma maior manutenção da casa..Segundo o estudo, há duas motivações principais que levam os inquilinos a arrendarem a residência secundária - a obtenção de um rendimento adicional (37%) e o suporte de custos de manutenção (34%). Maria Ferreira, de 50 anos, e os dois filhos (de 22 e 25), são um bom exemplo das razões que levam os proprietários a abrirem as portas das suas casas a turistas. Há dez anos, comprou um pequeno monte no Alentejo pelo qual paga uma prestação bancária de 170 euros mensais. Não é muito, diz, mas quando percebeu que a pequena unidade hoteleira que abriu perto da sua propriedade estava sempre lotada, há ano e meio, decidiu inscrever-se nas plataformas para rentabilizar o investimento.."Não tenho lucro, mas também acabo por não ter despesas. O que ganho nos três meses de verão dá para pagar a renda, as deslocações, a eletricidade e a água", diz Maria Ferreira..Os dois filhos, que trabalham e estudam em Londres, compraram há dois anos uma casa em Setúbal que decidiram também transformar em alojamento local. E mesmo a habitação não ficando situada no centro histórico, conseguem ter ocupação durante o ano inteiro - de julho a setembro está sempre cheio, nos restantes meses do ano a procura ronda os 50%.."Não dá para ficarem ricos. Tiram cerca de três mil euros de lucro anual, mas vão pagando investimento que fizeram na casa e, no fim do ano, dá um subsídio de férias ou de Natal para cada um.".Nem sempre compensa o risco do negócio.Há dois anos, a Deco Investe calculou a taxa de rentabilidade para projetos em Lisboa e no Porto para 15 anos, ao fim do qual o proprietário venderia o imóvel ao mesmo preço a que o comprou e calculou também o ano em poderia retirar lucro do investimento. A conclusão não foi muito animadora: nem sempre a rentabilidade compensa o risco do negócio. Em todos os cenários calculados pela Deco - publicados no Jornal de Negócios -, a média de rendimento anual está longe da tal galinha de ovos de ouro e fica-se pelos 6051 euros anuais, ou seja, 504 euros por mês..Segundo a Deco, o retorno financeiro poderia chegar apenas ao fim de 18 anos no melhor dos cenários, com tudo a correr bem. A Deco fala mesmo numa "ilusão do lucro", tanto mais que, acrescenta, "a compra de imóveis para alojamento local tem vantagens aparentes, com a potencial maximização da ocupação a preços elevados". Mas também exige uma elevada disponibilidade de tempo, para receber os turistas, encaminhá-los e gerir as habitações, estar a par dos preços da concorrência e manter a casa dentro das regras legais. A Deco não esquece ainda a "incerteza fiscal" e a "instabilidade judicial"..Precisamente os mesmos constrangimentos de que fala Eduardo Miranda. Por isso, insiste na importância do estudo de viabilidade e na necessidade de apresentar algo que seja uma mais-valia perante a oferta local..OE 2020 traz mais impostos para bairros históricos.As novas medidas de agravamento fiscal para o alojamento local situado em zonas de contenção em Lisboa e no Porto previstos no Orçamento do Estado 2020 não afetarão Maria Ferreira e os seus filhos mas sim os proprietários de imóveis nos bairros alfacinhas do Castelo, Alfama, Mouraria, Madragoa, Bairro Alto, Colina de Santana, Baixa, Avenida da Liberdade, Avenida Almirante Reis, Bairro das Colónias e Graça e a freguesia do Bonfim, no Porto. "Este tipo de medidas desincentiva e cria instabilidade e receios no mercado", sublinha Eduardo Miranda..Mais uma razão, sublinha, para quem quer investir pensar seriamente como vai otimizar o negócio, seja uma casa ou apenas um quarto, e tenha respostas para a tal incerteza fiscal referida pela Deco..Além das zonas históricas de Lisboa e do Porto, existem zonas de contenção em Moscavide, Gaia e no centro da Ericeira (Mafra). E, justificando a "instabilidade judicial" igualmente colocada pela Deco, Eduardo Miranda teme que as regras do jogo mudem e um dia a contenção seja alargada a todo o país, "prejudicando as zonas do interior"..Mais do que um investimento, quem se lança no alojamento local procura sobretudo um rendimento, que muitas vezes é o seu rendimento principal - como se fosse um emprego, até porque a atividade exige muito tempo. É assim que o presidente da ALEP olha para o panorama do alojamento local em Portugal, embora não disponha de dados que ilustrem que "ordenado" mensal tira um proprietário. Em alguns casos, pode ser mil euros ou mais, mas noutros bastante menos. Tudo depende da zona onde está localizado o AL e da sua taxa de ocupação..No caso de Maria e dos filhos, é uma forma de pagarem os imóveis que compraram e assim ficarem livres de despesas..Algarve tem a maior fatia.Desde que entrou em vigor a nova lei, os registos de alojamento local caíram a pique. Segundo o Registo Nacional de Turismo (RNT), entre dezembro de 2018 e fevereiro deste ano foram registados 522 alojamentos locais em Lisboa. Um ano antes, no mesmo período de tempo, houve 1105 registos, ou seja, mais do dobro..A nova lei do alojamento local impôs medidas como a limitação do número de estabelecimentos que um proprietário pode ter em seu nome e, em Lisboa, coincidiu com a criação de zonas de contenção nos locais mais pressionados, como os bairros históricos. Agora, com o novo Orçamento do Estado, chega uma carga fiscal mais pesada..A verdade é que o aumento de registos não significa necessariamente que todos os proprietários se tenham dedicado a esta atividade. Podem tê-lo feito apenas para garantir o registo e decidir mais tarde se entram ou não no mercado. O distrito de Lisboa tem cerca de 24 mil imóveis inscritos no Registo Nacional de Alojamento Local (RNAL) e o Porto cerca de 11 mil. Mas é no Algarve que se situa a maior fatia, com cerca de 33 mil unidades..Desde 2014 até este ano que se assistia a uma tendência de crescimento - em 2014 entraram no RNAL 4042 registos, em 2015 eram quase o dobro. Em 2017 já eram 18 mil e no ano passado mais de 25 mil..Com o turismo em contínuo crescimento em Portugal - vale mais de metade das exportações de serviços e 13,7% do PIB nacional -, e neste ano espera-se que se ultrapasse os 24 milhões de visitantes, o número de dormidas no alojamento tradicional, como hotéis e apartamentos-hotéis, também tem vindo a subir de ano para ano - o INE indica que nos primeiros dez meses deste ano os estabelecimentos de alojamento turístico portugueses somaram 62,27 milhões de dormidas. O alojamento local tem feito um caminho paralelo e enquanto houver procura dificilmente se desviará dele.