Longe vão os tempos em que as convenções eram importantes e decisivas para a nomeação do candidato à Casa Branca - em 1924, os democratas demoraram 17 dias e 103 votações para escolher John W. Davis, que foi arrasado nas urnas pelo presidente Calvin Coolidge (nem saiu da Casa Branca para fazer campanha)..Nos últimos anos, têm sido uma oportunidade para políticos, ativistas, lobistas, celebridades e jornalistas se juntarem no mesmo espaço, num ambiente de festa, com discursos que nunca mais acabam diante de uma audiência sempre colorida e pronta a responder com entusiasmo..Mas tudo muda neste ano: com os candidatos já escolhidos, o coronavírus obriga a convenções virtuais. Nos tempos do distanciamento social, quem irá sair-se melhor, o democrata Joe Biden ou o republicano Donald Trump, que procura mais quatro anos na Casa Branca?.A convenção democrata.A convenção democrata é a primeira a arrancar, já nesta segunda-feira, mas Joe Biden, de 77 anos, nem sequer viajará até Milwaukee, no Wisconsin. A cidade servirá como base, a partir de onde será coordenado o evento, mas só 300 pessoas devem estar presentes, com os trabalhos dos delegados à convenção a ser feitos à distância..O discurso de aceitação de Biden, o último da "convenção por toda a América", será feito desde o seu estado natal de Delaware. "Joe Biden vai falar sobre a sua visão para unir a América e nos fazer avançar para fora do constante caos e crise e de como vai garantir essa promessa para todos", disse o partido num comunicado..Aproveitando a ausência do candidato, e querendo precisamente chamar a atenção para ela, num estado-chave, Trump viajará até ao Wisconsin para um evento político esta segunda-feira, tal como o vice-presidente Mike Pence, que vai a este estado na quarta-feira - quando no palco virtual da convenção estará a discursar a sua rival, a candidata a vice de Biden, Kamala Harris..Na primeira noite da convenção, a estrela será a ex-primeira-dama Michelle Obama, que discursa depois do ex-candidato Bernie Sanders (os outros candidatos também terão direito a tempo de antena), segundo o horário já divulgado. Na segunda noite, será a vez do ex-presidente Bill Clinton e da mulher de Biden, Jill. Hillary Clinton, derrotada nas presidenciais de 2016, falará na terceira noite, tal como o ex-presidente Barack Obama..O anterior inquilino da Casa Branca - que saltou para a ribalta precisamente quando, na convenção de 2004, sendo então candidato ao Senado por Ilinóis, fez o discurso central do evento -, continua popular e tem participado em inúmeros eventos virtuais de apoio a Biden, ajudando-o a angariar milhões de dólares para a sua campanha..O ex-governador do Ohio, o republicano John Kasich, crítico feroz de Trump, irá também falar (não é oficial o dia), dando o seu apoio a Biden..Mas, em tempos de distanciamento social e sem audiência, que impacto terão os discursos? "Se o Barack Obama tivesse feito o seu discurso de 2004 para um salão socialmente distanciado, teria o mesmo efeito? É preciso a excitação da sala para elevar um discurso, e é disso que sentiremos falta", disse ao The New York Times o pivô da CBS News e historiador político John Dickerson. As estações de televisão, que normalmente teriam dezenas de pessoas nas convenções, vão apostar também por uma cobertura remota..Além dos discursos, os democratas têm previstos atuações musicais ao longo de apenas duas horas no horário nobre, em cada um dos quatro dias de encontro. A música ficará a cargo de artistas como Billie Eilish, Jennifer Hudson ou John Legend, entre outros. Na primeira noite, um coro de 57 membros (um por cada estado e território) irá atuar à distância..Um calendário apertado, que leva a que, por exemplo, a congressista Alexandria Ocasio-Cortez tenha alegadamente apenas direito a um minuto de tempo de antena. Ela comentou a notícia no Twitter com um poema de Benjamin E. Mays: "Só tenho um minuto./ Sessenta segundos nele./ Forçado sobre mim, não o escolhi,/ Mas sei que tenho que o usar./ Avise se eu abusar./ Sofra se eu o perder. // Só um pequeno minuto/ Mas a eternidade está nele." (tradução livre).A convenção republicana.A convenção republicana, que terá como tema "Honrar a grande história Americana", está marcada para a próxima semana, entre os dias 24 e 27, em Charlotte, na Carolina do Norte. Segundo a Fox News, o primeiro dia da convenção vai focar-se na "Terra de promessas", o segundo na "Terra de oportunidades", o terceiro na "Terra de heróis" e o último será dedicado à "Terra de grandeza"..Será no último dia que Trump irá fazer o discurso de aceitação, mas, tal como Biden, não estará pessoalmente em Charlotte. O presidente já indicou que quer fazer o discurso a partir de um dos relvados da Casa Branca - "É um local que me faz sentir bem, faz o país sentir-se bem", disse ao New York Post, indicando que seria mais fácil para os Serviços Secretos..Questionado sobre se terá público, disse que como é ao ar livre pode ter e que tem capacidade para muitas pessoas. "Podemos ter um grande grupo de pessoas", indicou. Contudo, o uso de um espaço público com motivos partidários já está a gerar críticas..Trump ainda não terá excluído outra hipótese: usar o campo de batalha de Gettysburg, na Pensilvânia, palco de um dos mais famosos discursos políticos de sempre. O discurso de Gettysburg foi proferido pelo presidente Abraham Lincoln a 19 de novembro de 1863, quatro meses depois da vitória decisiva para a Guerra Civil, na cerimónia de dedicação do cemitério. "Que estes mortos não tenham morrido em vão, que esta nação, sob Deus, terá um novo nascimento em liberdade, e que o governo do povo, pelo povo, para o povo não perecerá da Terra", disse..Inicialmente prevista para Charlotte, na Carolina do Norte, a convenção chegou a ser transferida para Jacksonville, na Florida, quando o primeiro estado restringiu os eventos públicos por causa da pandemia e não garantia a Trump a presença de público que este queria - eram esperadas 50 mil pessoas. A mudança para a Florida, contudo, não resultou: o estado tem quase 560 mil dos 5,3 milhões de casos já registados nos EUA e quase dez mil das 170 mil mortes no país..Ao contrário do que acontece com a convenção democrata, cerca de 300 delegados republicanos estarão em Charlotte, num total de quase 500 pessoas que são esperadas..Mas estão a ser implementadas medidas de segurança, como a obrigatoriedade do uso de máscara e do distanciamento social, sendo distribuídas acreditações equipadas com tecnologia Bluetooth que irá permitir seguir os movimentos de todos. Caso se venha a descobrir algum caso de covid-19 - todos fazem testes antes de chegar -, permitirá analisar os contactos próximos (como as aplicações de telemóvel que estão a ser desenvolvidas em todo o mundo)..Não é ainda conhecido o calendário dos discursos, mas estima-se que a filha de Trump, Ivanka, sua conselheira, seja uma das intervenientes, no mesmo dia que o pai. A primeira-dama, Melania, também irá discursar, com o vice-presidente Mike Pence a falar a partir do Fort McHenry, um monumento nacional em Baltimore..Este também levanta questões sobre o uso do espaço público com fins partidários, falando de uma violação das regras de ética. Trump não tem de seguir as regras da lei que proíbe que funcionários federais de empreender atividades políticas enquanto estão no cargo, mas todos os que trabalham para ele e teriam de preparar o evento estariam a violar a lei..História das convenções.Quando se fala em convenções nacionais nos EUA, a ideia vai de imediato para os dois partidos que dominam o sistema neste país: democratas e republicanos. Contudo, a ideia de realizar uma convenção não foi de nenhum deles..Foi o Partido Antimaçónico que, em setembro de 1831, realizou a primeira convenção nacional em Baltimore. Mas foi um tal sucesso, que democratas e o Partido Nacional Republicano o imitaram, escolhendo a mesma cidade para o encontro, antes das presidenciais de 1832..Até então, os candidatos à Casa Branca tinham sido escolhidos através de caucus, reuniões de líderes partidários que por vezes não faziam as escolhas mais populares. O sistema ainda existe em alguns estados para eleger os delegados às convenções..O novo sistema permitia selecionar um candidato, tendo como ponto de partida aquilo que as bases espalhadas pelo país pensavam - as primeiras primárias, que implicam uma eleição com boletim de voto, surgiram já no século XX -, mas as convenções eram então abertas, permitindo a surpresa até ao final..Em 1912, por exemplo, o ex-presidente Theodore Roosevelt chegou à convenção republicana em Chicago tendo ganho mais primárias e mais delegados, mas acabaria por perder a nomeação para o então presidente William Taft - que perderia a reeleição para Woodrow Wilson, porque Roosevelt lhe roubou votos ao candidatar-se pelo Partido Progressista. Wilson também não tinha chegado à convenção democrata com a maioria dos votos, mas tornou-se, ainda assim, o candidato..O advento da rádio fez que as convenções passassem de um encontro interno do partido, para uma oportunidade de publicitar o candidato e o partido. A rádio fez a sua estreia nas convenções de 1924 (aquela que precisou de 103 votações) e Franklin Roosevelt (que ficou paralisado e andava de cadeira de rodas) percebeu logo ali o impacto que o seu discurso teve junto dos que não estavam no recinto, melhorando a sua prestação quatro anos depois e acabando eleito presidente já em 1932. Roosevelt foi o primeiro candidato a discursar diante da convenção..As convenções de 1940 são as primeiras com transmissão pela televisão, mas não havia muitos lares que tivessem esse aparelho, sendo certo que seria preciso esperar até às de 1952 para esta ter um impacto. Entre os republicanos, Dwight Eisenhower usou o poder da televisão para arrasar com a diferença de delegados que tinha em relação a Robert Taft (filho do ex-presidente William Taft)..À medida que as televisões entraram nos lares norte-americanos, as imagem de delegados a lutar não era a melhor e, na década de 1960, ambos os partidos procuravam fórmulas para dominar a mensagem - a convenção democrata de 1968 ficou marcada não pelo que aconteceu dentro de portas em Chicago, mas pelos confrontos entre polícias e manifestantes antiguerra do Vietname..Em relação aos candidatos, há mais de quatro décadas que não há um verdadeiro debate, com os partidos a evitar a ideia de uma "convenção aberta", que deixaria para os dias do encontro a eleição. Os candidatos já chegam ao encontro nacional com os delegados garantidos, sendo a verdadeira corrida aquela que acontece para ganhar os diferentes estados.