Gostava de saber mais da vida dos que amaldiçoam a vida dos outros, dos que o fazem com afinco, esmero, como quem encontra um método, um rigor, na dor infligida. Não tanto dos que o fazem à luz do dia, de forma física, material - empurrando, ocultando, negando; mas antes dos que o fazem no recato de um teclado, nem sempre anonimamente, nem sempre disfarçadamente..Gostava de saber o que fazem depois, se quando chegam a casa também adormecem os filhos com as histórias de sempre, se partilham risos e agruras com as pessoas que amam, se reservam tempo para ajudar alguém que precisa, se amam, se conseguem sentir amor, afeto, desejo. Talvez saber se há neles um espaço para a humanidade, para a caridade; e perceber, havendo, que espaço é esse, qual a sua função, o que é que determina, quando em cotejo com aquele espaço da dor infligida ao outro..É tentador pensar que são dois espaços estanques, que não se tocam, que não há contaminação, como se toda a maldade pudesse escorrer para um só lado, um canto qualquer, e ali conter-se. Haveria algo de terapêutico nisso, imagino. Como se estivéssemos perante um escape, um exorcismo, um esconjuro..Não seria propriamente inconsequente, essa terapia, porque há muita dor causada a terceiros, mas haveria algo de redentor, como se ao menos pudéssemos salvar os mais próximos de encostar a sua existência àquela maldade em ebulição..Mas será possível acreditar nessa oportuna compartimentação, como se fôssemos duas pessoas numa só, como se a maldade não nos dominasse, como se fosse algo de lateral, disponível, dispensável? E mesmo aceitando um qualquer efeito terapêutico, será possível acreditar que maldade não gera maldade, multiplicando-se, ganhando espaço em nós, insinuante?.Dito de outra fora, se essa for a verdade, essa combinação bipolar, quem somos nós afinal, o eu dos perfis ou o eu que todos os dias se levanta e sai à rua?."Desgostava-me que eles estivessem a ficar cada vez mais parecidos com os seus perfis de Facebook", dizia Eliete, a protagonista do último romance de Dulce Maria Cardoso, que li há poucas semanas e que me trouxe de novo a estas reflexões..Há muito que venho pensando em quem são estas pessoas quando regressam a casa, procurando livros e documentários sobre esta existência do mal na internet, sobre qual o sentido e a razão que anima esse ódio - porque é, pelo menos na aparência, de ódio que falamos..O meu interesse não é tanto psicológico ou literário; vem da necessidade de encontrar uma medida, uma lupa, para o que leio nas redes sociais, talvez porque esteja pouco disponível para agir politicamente em função de posts e tweets e mensagens que podem significar algo de muito distinto do seu valor facial, talvez porque não conceba a ideia de ver a política condicionada e inspirada pelo ódio..Advogado