Fecharam a porta a Portugal e à crise com um bilhete só de ida para o Médio Oriente. Cruzaram os céus em inglês ao serviço de companhias como a Emirates, Qatar ou Ethiad, mas agora, a nova vaga de contratações lançada pela TAP está a fazer regressar muitos tripulantes e pilotos para voarem com as cores nacionais.."Há muitos portugueses que emigraram há dois, três, quatro anos e que estão a regressar para aproveitarem estas novas vagas de emprego que a TAP abriu", conta ao Dinheiro Vivo, um tripulante português a trabalhar nos Emirados Árabes..É o caso de Joana que, em novembro de 2011, fez as malas para o Dubai sem nunca pensar que só viria a regressar a Portugal sete anos mais tarde. Na bagagem levou uma licenciatura em Turismo, Lazer e Património e um primeiro emprego como rececionista num hotel. "Estava descontente com um salário baixo e um trabalho demasiado stressante. Decidi então ir a uma entrevista, fui bem-sucedida e saí de Portugal sozinha com 22 anos", conta ao DN/Dinheiro Vivo..Está longe de ser a única a regressar. Ao todo, a companhia aérea portuguesa já fez regressar a Portugal cerca de 20 tripulantes de bordo que operavam nos últimos anos em transportadoras do Médio Oriente. "Não é que não se continue a passar grande parte do tempo fora, mas tem-se uma base em Portugal, o que faz toda a diferença", conta o tripulante português, lembrando que iniciar funções numa companhia aérea diferente é sinónimo de "começar toda a formação e operação do zero". Em todo o caso, quem regressa espera que "os anos noutra companhia aérea e a trabalhar na carreira sejam tidos em conta no momento da seleção, mesmo que os aviões ou o regulamento interno sejam diferentes"..Joana não sabe se foi a experiência ou a necessidade a falarem mais alto. Mas para esta portuguesa à porta dos 30 anos, a chamada pela companhia portuguesa cumpriu uma vontade antiga. "Tentei a TAP há muitos anos, e fui tentando a longo dos anos. Sempre quis e sonhei com trabalhar para a companhia aérea do meu país. E o facto de estar fora só me fez sentir isso ainda mais, que o meu lugar era na TAP e não na Emirates", admite..Com ela vieram outros. "Há muitos tripulantes que tomaram esta mesma decisão", refere, lembrando que teve uma maior noção desta realidade "durante o processo de recrutamento da TAP onde muitos de nós estávamos em contacto uns com os outros para percebermos como funcionavam as entrevistas, o treino TAP, etc.".A Transportadora Aérea portuguesa confirma os regressos. "Já ingressaram na TAP dezenas de colaboradores e que puderam assim regressar a Portugal", reconhece fonte oficial, sublinhando que, só no ano passado, "a TAP atingiu números históricos na contratação de pessoal", com a entrada "de 1200 novos trabalhadores para as mais diversas funções, entre as quais: pilotos, pessoal de cabina, mecânicos, contact center"..As condições de contratação oferecidas pelas companhias do Médio Oriente ou pela TAP "são exatamente as mesmas", salienta Luciana Passo, dirigente do SNPVAC, o sindicato que representa esta classe. Mas com uma vantagem para a transportadora portuguesa. "Companhias como a Emirates, Qatar ou Ethiad nunca contratam ad eternum. Normalmente fazem-no por um período de cinco anos porque privilegiam uma forte rotação e rejuvenescimento das equipas"..A perspetiva de crescimento da carreira, mas também a proximidade de casa são os principais cartões de convite para o regresso. E nem é só a TAP. A easyJet, diz Luciana Passo, com base em Portugal, também está a ser muito procurada pelos recém-emigrantes portugueses..Regras mais flexíveis.Com mais aviões, novas rotas e um ambicioso plano de expansão que promete fazer de Lisboa um hub entre a Europa e a América, a TAP viu-se obrigada a reforçar equipas. No ano passado, e já sob a liderança de Antonoaldo Neves, a companhia portuguesa contratou 1200 pessoas. Para este ano, os planos apontam para a entrada de outras 500..Luciana Passo lembra que é o colmatar de falhas que já vinham desde 2013 e que rondavam as 300 a 400 pessoas. "Está na memória de todos, aquele verão em que houve voos sem fornecimento de refeições porque não havia elementos suficientes a bordo". Fazia-se apenas o serviço mínimo de segurança, isto é, o voo seguia sem refeições ou vendas, independentemente do número de horas que pudesse durar. "Agora repuseram-se essas pessoas e está a contratar-se, e bem, para as novas rotas"..O reforço de equipas também é hoje mais fácil. Há dois anos, a companhia aérea nacional acabou com os limites de idade nos seus processos de recrutamento e que variavam de acordo com as funções requeridas. Por exemplo, para Especialista de Engenharia na área de Manutenção e Engenharia, a companhia exigia uma idade máxima de 30 ou 35 anos, em caso de experiência profissional relevante; para comissários ou assistentes de bordo a idade não podia ir além dos 21 ou 26 anos de idade..A TAP sublinha uma "estratégia de recrutamento inclusiva, não fazendo distinção entre candidatos caso reúnam os requisitos e perfil necessários", mas lembra que, "tendo em conta o grande número de candidaturas recebidas a cada anúncio", os processos têm várias fases e todas elas são eliminatórias. "O processo de recrutamento é exigente e constituído por vários patamares de seleção. Existem, assim, fases técnicas, cognitivo-comportamentais, médicas e formativas, todas eliminatórias. A maioria dos candidatos tem formação superior, embora também seja valorizada a formação técnico-profissional para vários grupos funcionais"..O salário base dos tripulantes de bordo ronda os 614 euros, valor a que acrescem componentes variáveis por horas extra, e ajudas de custo que variam consoante as estadas fora do País. "Apesar de os vencimentos não serem muito elevados, sabemos que 95% das pessoas que ingressam nesta profissão têm curso superior e mestrados. Isso é muito sintomático da dificuldade que ainda existe em encontrar emprego", acrescenta a dirigente sindical. Na Emirates, um tripulante de cabine pode levar para casa entre 2500 e 3000 euros livres de impostos, a que acrescem horas voo e um envelope com dinheiro na moeda de cada destino onde aterrem. Além disso, a companhia oferece alojamento aos deslocados..Na TAP o pacote financeiro é mais pequeno, mas além da proximidade de casa, há outras vantagens. "Mesmo assim considero que a TAP oferece melhores condições a nível de seguro de saúde e cuidados com os tripulantes. Noto que há uma maior preocupação pelo nosso bem-estar. É também de ressalvar que em Portugal em princípio trabalharemos para depois ter uma reforma. No Dubai isso não acontece, não têm o mesmo sistema que nós", realça Joana..O SNPVAC estima que 5000 portugueses já sejam tripulantes de bordo mas os números podem pecar por defeito, já que o sindicato apenas consegue tomar nota dos trabalhadores que estão sindicalizados. Só a TAP terá à volta de 3500 tripulantes. "E a segunda companhia com mais associados já é a Ryanair", diz Luciana Passo, alertando para o facto de "ser a que oferece piores condições aos trabalhadores", havendo casos em que a própria farda, obrigatória para trabalhar, é cobrada. A instabilidade laboral, que já deu origem a variadas greves em que é relatada pressão do empregador, levou o número de associados da Ryanair "a aumentar muito nos últimos dois anos"..A média de idades dos tripulantes de cabine na TAP ronda os 26 anos de idade. Mas também há pessoas já com vários anos de profissão a aproveitar a nova vaga de contratações. "Posso dizer-lhe que tenho neste momento à minha frente um boletim de ingresso de uma colega que entrou agora para a TAP e cuja data de nascimento é de 1973", sublinha Luciana Passo.