Os portugueses aguardaram o esperado resultado do conselho de ministros ontem, de novo com alguma ansiedade. Desta vez nada foi decidido, e também por isso é notícia. Nada a registar quando a novas medidas de confinamento ou desconfinamento. Desta vez, o governo preferiu aguardar por uma nova reunião do Infarmed, marcada para o dia 27 deste mês. Só nessa altura saberemos como será o principal período de férias para muitos, em Agosto. Neste compasso de espera, os concelhos em situação de risco elevado ou muito elevado continuam a subir, passaram de 60 para 90. E a pressão nos internamentos do SNS subiu 19% numa semana e 18% nos cuidados intensivos. A única medida atualizada tem que ver com os autotestes, cuja venda foi aprovada em supermercados, tratando-se de testes rápidos de antigénio para deteção do SARS-CoV-2. O objetivo é reforçar a identificação de casos positivos de covid-19, numa altura em que Portugal se mantém na zona vermelha da (atual) matriz de risco e a situação epidemiológica continua a preocupar o governo e os portugueses, em geral..Em Portugal debatemo-nos por mais e mais testagem e pela crescente vacinação, mas esta é uma realidade de um mundo ocidental, ainda muito longe de estar globalizada. Lá fora, em países como o Haiti, Cuba e África do Sul - todos eles com convulsões recentes - as vacinas são uma miragem, bem como o acesso aos testes. A crise sanitária alastra consigo uma crise social, económica e política, sem precedentes. O que está a surgir nestas nações é apenas a ponta do icebergue de uma depressão mundial profunda, que, tal como o vírus da covid-19, deixará sequelas de longo prazo. .A violência e as pilhagens em várias cidades sul-africanas, por exemplo, aterrorizaram as populações nos últimos dias. Com as ruas cheias de destroços e lixo, o país ficou de rastos e a comunidade portuguesa que ali vive sente-se em perigo. Os populares montaram milícias para cuidar da segurança nas ruas, receando a invasão das habitações e dos estabelecimentos comerciais. Da desordem nos bairros à anarquia vai uma curta distância. Quando falta comida, medicamentos e outros produtos básicos nada segura os cidadãos..A situação pandémica é desastrosa e há uma variante local do vírus a minar a população. No passado, Nelson Mandela evitou um banho de sangue, que se julgava ser inevitável, no final do período de opressão branca na África do Sul. Mas desta vez o sangue tem a cor e a forma da fome, da descrença e das grandes desigualdades sociais e essa é uma trilogia perigosa. Além disso, as elites em nada estão a ajudar, pelo contrário. Ficam, cada vez mais, fechadas sobre si mesmas e ligadas a movimentos do antigo apartheid, agravando o fosso e a tensão. Numa nação onde persistem feridas abertas e graves desses tempos a preto e branco, os verdadeiros traumas do passado vêm ao de cima em momentos de crise como este. Os traumas podem paralisar, consideram os psicólogos, e isso é o pior que pode acontecer. Sem avanços e sem objetivos coletivos não há democracia, estado de direito ou liberdade de imprensa..Diretora do Diário de Notícias