A guerra entre Pedro Sánchez e Susana Díaz vem de longe e resulta da impossibilidade de os dois ocuparem o mesmo espaço, ou seja, a liderança do PSOE e a chefia do governo de Espanha. Neste momento é ele quem detém os dois títulos, o primeiro com o apoio dos militantes socialistas nas primárias, mas sem o dos barões do partido, o segundo sem ser eleito pelos espanhóis e depois de vencer uma moção de censura contra o governo PP de Mariano Rajoy. Para que Díaz acedesse a estes cargos, só por cima do cadáver de Sánchez e, neste momento, a presidente da Junta da Andaluzia não parece estar nas melhores condições para qualquer assalto ao poder. Se com Sánchez o PSOE teve, nas legislativas de 2016, o pior resultado da democracia espanhola, com Díaz os socialistas, cujo único feudo é ainda a Andaluzia, tiveram aí a sua pior prestação de sempre nas eleições autonómicas do passado dia 2..Susana Díaz: A presidente da Junta ou a "Maquiavel de Sevilha".Tem fama de mulher dura, implacável com os adversários e, acima de tudo, ambiciosa. Adjetivos que já lhe valeram o apelido de "Maquiavel de Sevilha". Susana Díaz, nascida nessa cidade há 44 anos, fez o percurso profissional dentro do PSOE e no governo da Andaluzia. E nunca escondeu o seu desejo de se tornar a líder máxima dos socialistas espanhóis. Para isso teria de afastar Pedro Sánchez, com quem tem uma relação marcada pelo desafio mútuo. Tentou fazê-lo nas primárias de 2107. Falhou. Saiu derrotada. Mas isso não quer dizer tenha aceitado a derrota..Oriunda de uma família humilde, filha de um canalizador e de uma dona de casa, é a mais velha de quatro raparigas. Estudou Direito na Universidade de Sevilha enquanto trabalhava como vendedora da Avon e dava catequese. Nasceu no bairro sevilhano de Triana, onde morou com os pais e onde vive agora com o marido, José María Moriche, com quem se casou em 2002. Díaz é discreta com a sua vida pessoal, só não conseguiu fugir à exposição da gravidez, que coincidiu com a campanha para as autonómicas de 22 de março de 2015. O filho, José, nasceu a 30 de julho desse ano. Do marido, José María Moriche, sabe-se pouco, trabalha numa cadeia de livrarias, na reposição de material. Os dois partilharam a licença de paternidade do filho, até porque Susana Díaz voltou a assumir a presidência da Andaluzia após 45 dias de paragem. O casal é adepto do Betis, um dos clubes de futebol de Sevilha..Com 17 anos, Díaz juntou-se à Juventude Socialista. Aos 25 já era vereadora em Sevilha, ao lado do seu ídolo, Alfredo Sánchez Monteseirín. Depois passou-se para o lado de José Antonio Viera e juntos apoiaram Juan Espadas como candidato do PSOE às municipais, "destruindo" Monteseirín. Mais tarde, quando Viera foi apanhado no escândalo dos ERE, voltou a mudar de mentor: o presidente andaluz José Antonio Griñan... e a sua vida nunca mais foi a mesma. Díaz passou de vereadora a líder do governo da Andaluzia em setembro de 2013, um mês depois de Griñan renunciar ao cargo, também por causa do caso ERE, relacionado com o desvio de fundos públicos..Esta sua ascensão coincidiu com uma crise no PSOE liderado por Alfredo Pérez Rubalcaba e Díaz soube aproveitar a oportunidade e ganhar notoriedade nacional. Em 2014, até pensou em candidatar-se à sucessão de Rubalcaba, mas optou por apoiar Pedro Sánchez para secretário-geral, reiterando que o seu compromisso era com a Andaluzia. Figuras de vulto do PSOE, como o ex-primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero, preferiam que o partido fosse liderado por ela..Como tinha chegado à presidência da Andaluzia sem ir a votos, e alegando um ambiente de desconfiança dentro do governo de coligação com a Esquerda Unida, anunciou a 25 de janeiro de 2015 o fim da aliança. Venceu, sem maioria, as eleições de 22 de março desse ano, mas só conseguiu tomar posse como presidente quase três meses depois, após muitas negociações com os outros partidos representados no parlamento andaluz. 81 dias depois das eleições, Díaz é empossada presidente da Junta da Andaluzia, com o apoio do Ciudadanos..Este é o mesmo partido que agora pode aliar-se ao PP e ao Vox para a tirar do poder, depois de o PSOE andaluz ter tido o seu pior resultado de sempre nas autonómicas do passado dia 2. O Vox, partido de extrema-direita, novo em Espanha, surpreendeu ao eleger 12 deputados. Quando o Parlamento da Andaluzia for constituído, no dia 27, Díaz espera ser chamada a formar governo. "A este partido não o podem pôr de gatas, ganhámos, não com a margem que queríamos, mas ganhámos e eu sou a candidata de um partido que mais votos teve. Não se pode vetar um partido que governa há 37 anos e que governa porque os andaluzes assim quiseram", declarou, admitindo, porém, que uma aliança Ciudadanos, PP e Voz poderá, porém, deixá-la na oposição..Mas continuar como líder do PSOE na Andaluzia é algo que também não está isento de tensão. Vozes do partido adiantam que Sánchez poderá querer forçar a saída da rival. "Ela fez as listas sem incorporar mais do que os seus, desenhou a campanha, para parecer autónoma e todo-poderosa. Já tarda em sair", disse um membro da executiva federal do PSOE, citado pelo El Español. De facto, Sánchez só foi visto com Díaz em duas ações de campanha para as autonómicas. "[Díaz] acredita que a culpa é de Pedro, por causa do desastre que é o seu governo, a Catalunha foi determinante para esta queda. Ela é jovem, sabe muito de política, esteve nela toda a vida, razão pela qual não tem qualquer intenção em sair dela", disse, à mesma publicação, fonte socialista próxima da presidente andaluza..Se for afastada do poder, Díaz poderá estar acabada, mas talvez só aparentemente. Pois se a chantagem independentista sobre Sánchez se tornar insuportável, ao ponto de obrigar Espanha a ir a eleições antecipadas, a "Maquiavel de Sevilha" pode voltar mostrar as garras..Pedro Sánchez: O primeiro-ministro refém dos independentistas que o ajudaram.Pedro Sánchez é um político que foi subindo no partido através de substituições. Natural de Madrid, o atual líder do PSOE e primeiro-ministro de Espanha, de 46 anos, concorreu às eleições municipais na capital espanhola em 2003 mas falhou a eleição. O partido só elegeu os candidatos que estavam na lista até à 21.ª posição e Sánchez era o 23.º Porém, no ano seguinte tornou-se vereador, depois de ter sido chamado para substituir Elena Arnedo. Em 2008, não conseguiu ser eleito deputado e manteve-se, até 2013, como professor da Universidade Camilo José Cela. Até que, num dia de janeiro desse ano, lhe telefonaram a dizer que seria deputado no Parlamento espanhol, ocupando o lugar deixado vago após a renúncia de Cristina Narbona..Após os maus resultados do PSOE nas eleições de 2014 para o Parlamento Europeu, Alfredo Pérez Rubalcaba demitiu-se e anunciou que o novo secretário-geral do partido seria eleito de forma direta. A 12 de junho desse ano, Sánchez declarou-se candidato e, a 13 de julho, foi proclamado vencedor. Foi oficializado líder do PSOE num congresso extraordinário e estreou-se como líder da oposição na sessão parlamentar de 10 de setembro de 2014..No ano seguinte, a 20 de dezembro de 2015, Espanha realiza legislativas. Desta vez, é Sánchez o rival de Mariano Rajoy, primeiro-ministro, do PP. Mas o bipartidarismo está em crise. O Podemos, filho da crise financeira e económica, liderado por Pablo Iglesias, surgiu para baralhar as contas. Tal como o Ciudadanos, partido cofundado por Albert Rivera na Catalunha, contra a independência, mas cujo sucesso rapidamente alastrou a nível nacional. Nessas legislativas, nenhum partido teve maioria absoluta, apesar de o PP ter saído vencedor. O PSOE foi segundo. Sánchez foi encarregado de tentar formar governo pelo rei Felipe VI, como líder do segundo partido mais votado, mas falhou a investidura nas duas votações..Após longo impasse, houve novas eleições, a 26 de junho de 2016 (três dias depois de o Brexit ter ganho o referendo no Reino Unido e ter deixado a Europa em choque). Novamente, nenhum partido conseguiu maioria absoluta. O PP ficou em primeiro. PSOE em segundo. Regressou o impasse. Foi então que, pressionados a pôr o interesse nacional acima do interesse o partido, os socialistas optaram por viabilizar a posse de Rajoy, através da abstenção. O que aconteceu em outubro, altura em que Sánchez, por ser contra essa decisão, já tinha dito que se demitia da liderança socialista e deixava o seu lugar de deputado..A demissão não foi um adeus, mas sim um até já. A 21 de maio de 2017, Sánchez voltou a ser eleito secretário-geral do PSOE, após derrotar nas primárias os rivais Susana Díaz e Patxi López (a presidente da Junta da Andaluzia ficou em segundo e o ex-presidente do governo basco em terceiro). Sánchez venceu as primárias em toda a Espanha. Menos num sítio. A Andaluzia. No debate a três, Díaz, apoiada por barões do PSOE como o ex-primeiro-ministro Félipe González, disse: "O problema não sou eu, Pedro, o problema és tu, porque todos te abandonaram." Ao ser derrotada por ele, vendo que, afinal, nem todos o abandonaram, felicitou-o por telefone apesar de estar no mesmo edifício que ele, na Calle Ferraz, evitando dizer publicamente o seu nome: "Vamos estar à disposição do que o PSOE precise de nós.".Um ano depois da sua eleição, a 24 de maio, saiu a sentença do caso Gürtel. 29 dos 37 acusados foram condenados. As penas somaram 351 anos de prisão. Só Luis Bárcenas, ex-tesoureiro do PP, apanhou 33 anos de cadeia (e ainda tem uma multa de 44 milhões de euros para pagar). A sentença foi a oportunidade que Sánchez precisava para tirar Rajoy do poder. E anunciou uma moção de censura -para a qual conseguiu o apoio de Unidos Podemos, PNV, EH Bildu, ERC, PdeCAT, Compromís e Nueva Canárias. Saiu Rajoy e entrou Sánchez. Mas a falta de maioria absoluta no Parlamento não lhe tem facilitado a vida, deixando-o refém daqueles pequenos partidos, sobretudo das exigências intransigentes dos independentistas da Catalunha. Governando por decreto, fazendo da trasladação de Franco do Vale dos Caídos uma questão prioritária em Espanha, a verdade é que Sánchez carece de apoios, para aprovar, por exemplo, o Orçamento do Estado..A margem de manobra é curta para Sánchez. Mas também para Díaz. Os sanchistas dizem aos media espanhóis que a única culpada da derrota na Andaluzia é Díaz, que não quis a presença do líder socialista ou de ministros seus em quase nenhum ato de campanha e não soube gerir o escândalo de corrupção que atingiu o PSOE andaluz (o chamado caso ERE). Os susanistas criticam as políticas do primeiro-ministro e dos seus aliados separatistas e da esquerda radical, considerando que tiveram uma influência negativa nas autonómicas andaluzes de dia 2.