Já o vimos em versão demente muitas vezes. Talvez tenha começado com baratas a saírem-lhe da boca em O Beijo do Vampiro. Depois, aconteceu uma agitação enfurecida em Ghost Rider ou em Polícia sem Lei, já para não lembrar mais recentemente a sua explosão sanguinária em Mandy, um dos grandes filmes de Cannes do ano passado. Agora, à nossa frente, temos Nicolas Cage com caracterização que vai dar que falar e com uma expressão de louco ausente..A cena passa-se em Sintra há coisa de um mês e sobre ela pouco ou nada se pode adiantar sob o risco de revelarmos um dos momentos-chave de Color Out of Space, de Richard Stanley, baseado no conto homónimo de H. P. Lovecraft, ficção científica apocalíptica inteiramente rodada em Portugal..Não correndo o risco de ser spoiler, é um momento em que encontramos a dose de loucura que fizeram de Cage um dos mais carismáticos protagonistas de Hollywood.."Portugal é espetacular: as pessoas são realmente bondosas e a comida é incrível! Esta equipa portuguesa é exemplar, trabalharam no duro!", diz-nos Nicolas Cage num intervalo das filmagens numa madrugada gelada de março. O ator oscarizado é a grande estrela de um filme que esteve para ser filmado na Colômbia, Europa de Leste ou África do Sul, mas que acabou por vir para Portugal depois de o ator, produtor e realizador Simão Cayatte (aqui também com crédito de produtor) ter chamado a produtora de Mário e Pedro Patrocínio, a Bro, para apresentar um plano de produção que pareceu perfeito para os investidores de Hollywood..De repente, sem cavalos em palácios, Sintra recebeu uma produção de 6 milhões de euros que, graças a estar ainda em pós-produção em Alvalade, vai ser considerada um esforço luso-americano. 6 milhões também para ajudar a transformar a serra de Sintra numa área florestal de New England, EUA, e possibilitar os efeitos visuais que a história de Lovecraft pede..Tudo se passa numa pequena cidade americana onde cai um meteorito que causa estranhos fenómenos no limiar da realidade. Fenómenos esses que passam por aberrações sobrenaturais capazes de afetar a natureza e a mente dos habitantes, em especial a família de um pacato Nicolas Cage. Apesar de ser tudo secreto nesta rodagem, o DN, único meio europeu com direito a visita ao plateau, vê de perto as criaturas que o fenómeno vindo do espaço cria. O resultado é digno de um espetáculo mutante que lembra algo de O Festim Nu, de David Cronenberg, gloriosamente recriado com um engenho que tanto repugna como fascina..Apesar de não ser particularmente exuberante nem falador entre takes, Nicolas Cage impressiona pelo profissionalismo constante. São muitos anos de experiência para um ator que logo a seguir às filmagens ficou nas bocas do mundo pelo episódio do casamento divórcio fulminante. Ao DN revela estar maravilhado com o projeto: "Nunca fiz nada como isto! Que personagem! Além do mais, estou a filmar com Richard Stanley, cineasta que sempre admirei, desde Hardware." Mas tudo em redor de Cage é tratado com pinças..Nesta altura, a produção americana não deixa que se divulgue nenhuma imagem dele e, mesmo durante as filmagens, era o único instalado num hotel à parte. Mário Patrocínio, o produtor português, conta-nos que o ator acabou ainda por sair à noite alguns dias entre Lisboa e Sintra, tendo mesmo ido jantar a alguns restaurantes, sendo que no Incomum, em Sintra, ainda se deixou fotografar por fãs. Ainda assim, terá ficado fã da maneira como os portugueses não o incomodaram..Pelas 02.00, o plateau de Color Out of Space numa quinta escondida nas imediações do Palácio da Pena continua calmo, mesmo quando se roda uma cena fulcral para o clímax final. A culpa da calmaria é de Richard Stanley, realizador veterano que ganhou uma aura de culto nos anos 1990 com filmes do fantástico e que acabou por abandonar a rodagem de A Ilha do Dr. Moreau, infame projeto com Marlon Brando. Este é o seu comeback depois de muitos anos parado e é uma espécie de tudo ou nada, mas é o próprio quem nos conta que está feliz da vida. Roda com um sorriso na boca e está sempre a comunicar de forma tranquila com a equipa portuguesa, segundo ele, "uma das melhores do mundo"..Mas se esta quinta cheia de uma luz com cores extraterrestres parece paisagem americana, há quem nos conte que o look era outro, ou seja, com o misticismo puro de Sintra. A produção portuguesa conseguiu criar camadas de relva, inventar fachadas de casas americanas e criar uma estrutura grande que inclui outros décors para cenas "monstruosas"..Depois das seis semanas de rodagem, já no espaço em Alvalade da Bro, Mário Patrocínio admite que a nova lei do Tax Rebate do ICA (Instituto do Cinema e do Audiovisual português) foi fulcral para que Color Out of Space viesse para o nosso país. E, nesta altura, mesmo com o filme ainda em fase de acabamentos, a SpectreVision, produtora americana que já tinha criado Mandy, aposta no filme para o Festival de Toronto. Patrocínio acredita que este é um filme que vai criar uma onda de apelo para Portugal começar a ficar destino mais frequente de grandes produções da América, não sendo por acaso que já há interesse de outros filmes americanos em rodar entre nós e aproveitar os novos incentivos fiscais..Começa-se a ouvir rumores de que Aubrey Plaza no próximo outono vem filmar em Portugal e que Michael Fassbender também tem projeto aprazado em solo nacional, já para não esquecer que em maio estreia finalmente O Homem Que Matou D. Quixote, de Terry Gilliam, parcialmente filmado em Tomar..Quase a abandonar uma cena em que Nicolas Cage tem um outro momento tenso com um xerife da localidade, Richard Stanley segreda-nos que o ritmo de filmagens é duro e muito rápido. Enquanto isso, conta-nos maravilhas da arte transformadora de Cage, naquele momento a ser maquilhado pela sua maquilhadora privada. "Estive muito tempo parado mas regressar com uma adaptação de Lovecraft é superespecial. Sou muito fã dele, espero mesmo que resulte: quero logo depois voltar a filmar. Já tenho muitos projetos na forja", revela o realizador que dirige ainda atores como Thomas Chong, lendário comediante da dupla Cheech and Chong, e Joely Richardson, conhecida de 101 Dálmatas e da série Os Tudors. Atores portugueses é que nem vê-los....Na despedida, enquanto apanhamos a equipa a produzir vapores para aumentar a atmosfera de névoa e medo, David Chan, coordenador de duplos português, diz-nos muito orgulhosamente que a cena de pancadaria que no dia seguinte Nicolas Cage terá de executar é de sua autoria. Os socos e os pontapés de Nicolas Cage em Sintra tiveram marca bem portuguesa....Entrevista Mário Patrocínio."Portugal pode vir a ser um hub de produção".A produtora Bro Cinema foi a responsável pelo pesadelo lovecraftiano em Sintra e conseguiu montar a produção de Color Out of Space em tempo recorde. Está agora em rota para mais alianças com o cinema americano..Mário Patrocinio, um dos produtores de Color Out of Space, realizador de filmes documentais como I Love Kuduro e Complexo/ Universo Paralelo, conta como correram as filmagens que terminaram no final de março..Por que razão Portugal acabou por ser o destino para esta produção americana?.Estávamos a competir com África do Sul, Europa de Leste e Colômbia, mas pela rapidez com que apresentámos o nosso plano e as nossas soluções, acabaram por escolher Sintra! As questões climatéricas e de segurança também foram importantes. Sou muito fã de Portugal e estamos orgulhosos daquilo que podemos oferecer em termos geográficos, climatéricos e qualidade de equipa de filmagem. Além do mais, conseguimos executar muito bem todo o orçamento... Estes investidores querem saber tudo até ao último detalhe e tudo acaba por contar..Podemos dizer que Color Out of Space é uma das primeiras produções exteriores a beneficiar dos incentivos fiscais do programa Tax Rebate para o cinema?.Foi perfeito! Já há anos que andávamos a batalhar para que este Tax Rebate pudesse existir! Chegámos a enviar para as instituições que tomam decisões case studys de sucesso de outros países. O Tax Rebate é óptimo para o nosso país e está já a dar resultados. Esperemos que seja só o início e que não seja apenas encarado pelo Ministério da Cultura mas também pelo Ministério da Economia. Se o Ministério da Economia apoiar mais este volume, penso que poderemos estar a falar do começo de uma indústria. Com algum tempo, Portugal pode vir a ser um hub de produção..Mas como conseguiu que para este filme a equipa fosse quase toda portuguesa?.Tudo em Color Out of Space foi praticamente português. Por exemplo, nestas produções de Hollywood no exterior, coisas como o guarda-roupa não costuma ser executado pelos locais. No nosso caso, foi ao contrário! Batalhámos para incluir os portugueses em tudo o que achávamos que tínhamos capacidade para o fazer. E boa parte da pós-produção está a ser feita cá. Realmente, esta situação é espetacular, é uma semente! Neste filme correu tudo bem, mas nós já estamos a preparar os próximos filmes com a SpecratVision, embora ainda não possa falar....Este filme não teve apoios financeiros da autarquia de Sintra, mas também não teve imbróglios de produção como Madonna teve para o seu teledisco....Temos de pensar que somos empresas produtoras que fazem acontecer as coisas sempre dentro da legalidade. O que posso dizer é que não tivemos qualquer má vontade da Câmara Municipal de Sintra. Todas as instituições receberam-nos de braços abertos. No caso deste projeto, que teve de ser montado rapidamente, nem chegámos a pedir financiamento a Sintra. O dinheiro deste filme é privado, veio de fora e foi investido em Sintra! Felizmente, há o Tax Rebate, que é um atrativo quando nos comparam com outros países. Por isso digo que no futuro poderemos ter Portugal como plataforma central na produção de cinema mundial. Poderemos até ultrapassar países como a Roménia ou a Hungria, que são sobretudo utilizados como estúdios. Mas a Bro Cinema está já a preparar conteúdos próprios com outras produtoras internacionais para serem filmados cá em Portugal..Mas não foi fácil criar todas as condições para Color Out of Space, pois não?.Nada mesmo. Tínhamos muito pouco tempo e a obrigação de desbloquear problemas práticos que passavam por efeitos especiais, recurso a animais, crianças, etc. Foi um megadesafio! Tivemos uma equipa maioritariamente portuguesa absolutamente incrível. Abraçámos tudo isto de alma e coração e o resultado é que os americanos saíram daqui muito satisfeitos e de coração cheio com esta experiência portuguesa. Os portugueses sabem receber... Nicolas Cage adorou estar cá! Estive com ele múltiplas vezes a viver a experiência portuguesa e ele gostou mesmo. Claro que ele não foi muito importunado porque nós tratámos disso. Queríamos paz.