"O Estado ditou nesta segunda-feira a sua sentença. A 10 de novembro, a Catalunha ditará a sua." O recado foi dado pelo porta-voz da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) no Congresso espanhol, Gabriel Rufián, momentos depois de serem conhecidas as sentenças contra os líderes independentistas. Mas o impacto do julgamento nas eleições legislativas dentro de menos de um mês não será sentido apenas na Catalunha..O ex-vice-presidente da Generalitat e líder da ERC Oriol Junqueras recebeu a pena mais elevada: foi condenado a 13 anos de prisão e outros tantos de inabilitação de concorrer a cargos públicos por sedição e peculato na organização do referendo de 1 de outubro de 2017 e consequente declaração unilateral de independência. O Supremo Tribunal rejeitou a condenação por rebelião, que era pedida pelo Ministério Público espanhol e poderia ir até 25 anos..Os restantes oito arguidos que estão detidos foram condenados a penas entre os 9 e os 12 anos, enquanto os três que aguardavam o julgamento em liberdade foram ilibados do de peculato e condenados por desobediência a 1 ano e 8 meses de inabilitação política, não tendo de voltar à prisão..A sentença surge a menos de um mês das eleições de 10 de novembro, depois de as de 28 de abril terem resultado num Congresso dividido, onde pela primeira vez irrompeu a extrema-direita do Vox. Os socialistas, que venceram as eleições com 28,7% dos votos, não conseguiram chegar a acordo com eventuais parceiros de governo para a investidura, obrigando a repetir o escrutínio. A posição que os partidos tomem em relação à Catalunha poderá afastar ou atrair votos num eleitorado que já em 2016 foi obrigado a voltar às urnas por falta de acordo..Sánchez descarta indulto, mas não diretamente.Ainda antes de ser conhecida a sentença, o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, já tinha deixado claro que mesmo à frente de um governo interino poderia aplicar o artigo 155.º da Constituição espanhola e suspender a autonomia catalã se a situação ficar fora de controlo. Uma medida tomada pelo seu antecessor, Mariano Rajoy, após a declaração unilateral de independência de 2017..Sánchez quer aproveitar a sentença, mas também a exumação do ex-ditador Francisco Franco, que deverá acontecer até 25 de outubro (antes do início oficial da campanha eleitoral a 1 de novembro), para reverter a queda do PSOE que tem vindo a registar-se nas sondagens. A resposta que dará enquanto primeiro-ministro, mesmo que interino, poderá marcar a diferença..Os dirigentes independentistas vão querer manter os catalães nas ruas, a mostrar a rejeição de penas tão elevadas, mas sem que estes ultrapassem um nível que leve o governo a voltar a recorrer ao artigo 155.º ou a assumir o controlo sobre as forças de segurança na região..Nesta segunda-feira, depois de os manifestantes bloquearem o acesso ao aeroporto de Barcelona, a polícia já foi chamada a intervir, com imagens de cargas da parte dos Mossos d'Esquadra (polícia catalã), que pediu o apoio da polícia nacional. Na véspera de ser conhecida a sentença, foi reforçada a presença policial na Catalunha..Sánchez sempre apostou na ideia de "firmeza, proporcionalidade e unidade" (nesta segunda-feira já falou com os líderes da oposição)..Após ser conhecida a sentença, Sánchez defendeu o "absoluto cumprimento" da pena, parecendo assim afastar a hipótese de um eventual indulto aos independentistas condenados. Contudo, nunca usou a palavra indulto (outros socialistas sim, rejeitaram essa opção), razão pela qual a oposição continua a usar este argumento para o criticar..Casado ao ataque.O líder do Partido Popular, Pablo Casado, na primeira reação à sentença, exigiu que Sánchez se comprometa a não indultar os condenados, indo mais longe ao exigir que os socialistas rasguem quaisquer acordos políticos a nível local que alcançaram com os partidos "cujos líderes foram hoje condenados"..A menos de um mês das eleições, Casado aproveitou para lançar uma série de propostas para endurecer o Código Penal neste tipo de condenações. Entre outras medidas propõe recuperar o crime de rebelião mesmo que não haja violência (foi esse o argumento para os juízes rejeitarem esta acusação), criar o crime de referendo ilegal e obrigar os condenados por rebelião ou sedição a cumprir a pena toda..A subir nas sondagens, especialmente às custas do Ciudadanos que tem vindo a perder terreno, Casado quer apresentar-se como a única garantia para a unidade de Espanha frente aos Ciudadanos..Rivera contra possíveis privilégios.A sentença ditada pelo Supremo Tribunal espanhol não obriga os líderes independentistas a cumprir pelo menos metade da sentença antes de beneficiarem de alguns privilégios, incluindo serem apenas obrigados a passar a noite na prisão, num regime semiaberto..A Catalunha é a única comunidade autónoma em que os serviços prisionais estão sob o controlo das autoridades regionais, o que faz que esteja nas mãos do presidente da Generalitat, Quim Torra, a possibilidade de a partir do cumprimento de um quarto da pena poder dar esse benefício aos condenados - o que no caso de Jordi Sánchez e Jordi Cuixart poderia ser já a partir de dezembro. A procuradoria espanhola poderá sempre pôr recurso em relação a essa decisão..O líder do Ciudadanos, Albert Rivera, exigiu precisamente ao governo de Pedro Sánchez que não permita que a Generalitat dê privilégios penitenciários para os presos independentistas, nem os indulte. Quer por isso que o líder socialista deixe esta última posição clara: "Os cidadãos merecem saber que fará cada um dos que aspira a ser primeiro-ministro depois de 10 de novembro", afirmou..O Ciudadanos, um partido que nasceu precisamente na Catalunha contra o independentismo, está em queda acentuada nas sondagens a nível nacional. Em algumas destas pesquisas de opinião está inclusive atrás da extrema-direita do Vox, de Santiago Abascal, que tem a posição mais extremada de todos os partidos..Na procura do voto anti-independentista, um dos candidatos do Ciudadanos é o ex-advogado do Estado Edmundo Bal, que representou o governo no processo, mas foi afastado por recusar deixar cair a acusação de rebelião e avançar apenas para a sedição. Como a sentença confirma esta ideia, isso poderá custar argumentos ao Ciudadanos, que nos comícios acusam os independentistas de querer dar um golpe de Estado, escreve o El Diário.es. .Os opostos: Vox e Podemos.O Vox, que fez parte da acusação civil aos líderes independentistas, já disse que vai recorrer da sentença para o Tribunal Constitucional e para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, defendendo que devia ter prevalecido a sentença de rebelião. Abascal qualificou de "vergonha para Espanha" a decisão do Supremo, acusando os juízes de reduzirem o que aconteceu na Catalunha "a pouco mais do que um tumulto de rua"..E apontou diretamente o dedo ao PSOE e ao PP, acusando-os de se terem escondido atrás dos juízes para enfrentar os independentistas. "A sua cobardia tem uma gravíssima responsabilidade no clima de debilidade das instituições do Estado de que não se pode responsabilizar apenas o judicial", disse..Do outro lado do espetro político, o líder do Podemos, Pablo Iglesias, defendeu que a "judicialização do conflito catalão não contribui para a sua resolução" e que, apesar de não querer que a Catalunha "se vá de Espanha", continuará a apostar "pelo diálogo e trabalhando na reconciliação"..Mas não esqueceu que estamos em período eleitoral, lembrou que no passado houve indultos até a terroristas. "Que Sánchez fale do cumprimento íntegro é mais uma prova da sua aposta por governar com o PP", escreveu no Twitter, acrescentando noutra mensagem: "Frente às direitas incendiárias e a um PSOE riverizado [de Albert Rivera] que agita o artigo 155.º de forma irresponsavelmente eleitoralista, a Unidas Podemos tem de representar outra ideia de Espanha baseada na empatia, no diálogo e na fraternidade.".Já Ínigo Errejón, que também fundou o Podemos mas se desentendeu com Iglesias e agora ameaça tirar-lhe votos com o seu Más País, também aposta no diálogo. "Não acho que alguém pense que hoje estamos mais próximo do reencontro. Por isso agora é quando mais precisamos de política. A Espanha na que acredito persuade mais do que castiga", escreveu no Twitter..Catalunha promete "fazer ouvir" a sua voz."Teremos a oportunidade de fazer ouvir a nossa voz a 10 de novembro", disse o ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont a partir da Bélgica, para onde se autoexilou para escapar ao julgamento dos restantes independentistas. A justiça espanhola já emitiu um novo mandado de captura europeu, pedindo às autoridades belgas que analisem um pedido de extradição..O impacto da condenação para os partidos independentistas, tanto a ERC como o Junts per Catalunya (JxCat), é imediato. Junqueras e outros cinco condenados eram candidatos às eleições. No caso do líder da ERC, era o cabeça-de-lista ao Congresso, já Raül Romeva, ex-conselheiro para as Relações Exteriores, era o candidato do JxCat ao Senado. Por estarem agora inabilitados para concorrer a cargos públicos, tiveram de sair da lista..O atual presidente da Generalitat, Quim Torra, considerou a sentença "injusta e antidemocrática", pedindo uma reunião urgente a Sánchez e ao rei Felipe VI.