O Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) colocou em quatro meses mais de mil desfibrilhadores no território nacional. Atualmente, o Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa (PNDAE) contabiliza 3685 equipamentos de DAE, contra os 2453 que em junho deste ano estavam colocados nos recintos públicos, ao abrigo da legislação criada em 2012..O número de desfibrilhadores automáticos externos (DAE) deverá continuar a aumentar nos próximos tempos, embora o INEM não consiga apontar uma previsão. "Este número não é previsível, uma vez que depende dos pedidos que o Instituto receba por parte das entidades externas e também dos meios de emergência que forem criados", disse ao DN o gabinete de comunicação do INEM, numa altura em que vários pedidos continuam a chegar..Desde 2012 que é obrigatória a existência de desfibrilhadores em aeroportos, centros comerciais, hipermercados, bancos, aeronaves, casinos, recintos desportivos e unidades hoteleiras. A ideia é que, em qualquer deste locais públicos, exista pelo menos um dispositivo portátil que permita socorrer uma vítima em situação de paragem cardiorrespiratória. A legislação aplica-se aos aeroportos, portos comerciais, áreas comerciais com área bruta locável ≥ 8000 m2, estabelecimentos de comércio a retalho com área ≥ 2000 m2, recintos desportivos, de lazer e recreio com lotação para mais de cinco mil pessoas e ainda terminais de transporte com fluxo médio diário na ordem das dez mil pessoas..Em fevereiro de 2017, o Pavilhão Gimnodesportivo de Ansião (no distrito de Leiria) não cumpria nenhum desses requisitos quando se viu a braços com um episódio que ninguém esqueceu, até hoje: um dos rapazes que jogava à bola numa partida amigável entrou em paragem cardiorrespiratória. À volta, os colegas dos Bombeiros Voluntários de Ansião pareciam assistir, ao vivo, à imagem que correu o mundo quando em janeiro de 2004 o internacional húngaro Fehér morreu, em campo, com a camisola do Benfica, num jogo com o Vitória de Guimarães..André, o bombeiro salvo num jogo de futebol."O que eles me contaram foi que eu me baixei, com as mãos nos joelhos, tal e qual como ele", conta agora ao DN André Lopes, de 34 anos, que naquela noite foi salvo pelo único desfibrilhador que existia na corporação de Ansião, onde curiosamente é bombeiro profissional. Valeu a proximidade do quartel, a rapidez com que os colegas levaram o aparelho. Valeu a sorte, ou o que considera ter sido "um milagre". Ele que tantas vezes usara o DAE para tentar salvar outras vidas, sem nunca conseguir. Porque a taxa de sucesso na recuperação de uma vida reside nos minutos iniciais da paragem cardiorrespiratória, "e normalmente quando a ambulância chega, esse tempo já passou. Por isso é tão importante existir um DAE nos locais onde há muita gente a circular", acrescenta André, que nessa altura era pai há menos de um ano. Levado pelos colegas para o Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, só viria a acordar do coma induzido quatro ou cinco dias depois. Ficou um mês internado. Desde então é periodicamente seguido nas consultas de cardiologia e foi-lhe implantado um minúsculo desfibrilhador interno..André Lopes não tem sequelas desse dia em que o coração parou. Mas nunca mais jogou futebol - precisamente por causa do aparelho, para evitar o contacto corpo a corpo. Mas continua a praticar BTT, como já fazia. Desde muito novo que praticava desporto, e por isso era regularmente sujeito a exames médicos, que nunca lhe detetaram qualquer problema cardíaco..Quem nunca mais esqueceu esse episódio foi um dos colegas bombeiros, André Teodósio, enfermeiro, atualmente ao serviço do bloco operatório no Hospital de Portimão, no Algarve, e que acaba de vencer o orçamento participativo de Ansião com o projeto Ansião Reanima. A ideia é instalar 18 desfibrilhadores em locais públicos até final do primeiro semestre de 2020. "O grande objetivo é nunca ser usado", disse ao DN. Na verdade, se assim for, significa que não foi preciso utilizar um dos 18 desfibrilhadores que entretanto vão começar a ser instalados em outros tantos locais de acesso público do concelho. "O ideal seria nunca precisarmos de os usar. O retorno do investimento (na ordem dos 40 mil euros) será mesmo esse.".Aos 29 anos, André materializou nesta candidatura ao orçamento participativo essa ideia que há muito não o largava. Lembra-se de começar a pensar no assunto desde muito novo, muito antes de concluir o curso de Enfermagem, uma vez que entrou para os Bombeiros Voluntários de Ansião aos 17 anos e desde então foi sempre lidando com a fronteira ténue entre a vida e a morte. Mas foi o episódio com o amigo André Lopes que o fez avançar mais rapidamente com a proposta.."Há muitos anos que ambiciono ver uma sociedade formada em suporte básico de vida (SBV) e desfibrilhadores automáticos externos (DAE) em locais de acesso público. Mas era um trabalho para ser elaborado pela tutela... que nunca aconteceu." Do plano que apresentou ao município para o projeto de instalação dos desfibrilhadores faz parte também a formação de 108 cidadãos em suporte básico de vida. André esclarece que qualquer pessoa pode frequentar essa formação (que será dada por uma empresa externa, acreditada pelo INEM), pois só com essa competência poderá utilizar um desfibrilhador. O enfermeiro recorda que essa é uma grande lacuna em Portugal: "Nos Estados Unidos, por exemplo, há 80 equipamentos para cada dez mil habitantes, enquanto cá temos em média um para o mesmo número de habitantes." "O que eu quero é que isto se estenda ao país todo", conclui..Um aparelho que salva vidas.A probabilidade de sobrevivência da vítima, em caso de paragem cardiorrespiratória, está diretamente ligada ao tempo desde o colapso até ao início de manobras de suporte básico de vida e desfibrilhação automática externa. Se essa acontecer num máximo de três minutos após o colapso, existe um aumento superior a 74% da taxa de sobrevivência por morte súbita. Nos locais onde não existem programas de DAE instalados, os dados estatísticos indicam que apenas 5% das vítimas de paragem cardiorrespiratória sobrevivem. De resto, por cada minuto que passa em paragem cardiorrespiratória, as hipóteses de sobrevivência decrescem 10%. Aos cinco minutos, a vítima tem apenas 50% de hipótese de sobrevivência..Segundo o INEM (responsável pela colocação dos aparelhos e formação de quem os pode manusear), os requisitos para a instalação de um DAE são simples: ter um médico responsável pelo respetivo programa (com experiência relevante em medicina de emergência ou de urgência, em cuidados intensivos ou em cardiologia) e dispor de operacionais de DAE (com formação específica obrigatória) em número suficiente para assegurar o funcionamento do programa. Os dispositivos, que custam, em média, cerca de dois mil euros, têm de ser autorizados pelo Infarmed. Uma vez colocados, é preciso cumprir as normas do PNDAE (normas e documentos a remeter ao INEM disponíveis na página do INEM)..Existem atualmente dois tipos de política em relação à desfibrilhação de acesso público: abertura total, em que qualquer um pode comprar um DAE e usá-lo, sem formação; e a permissão de utilização de DAE sob condições e com a necessária formação. Portugal faz parte deste segundo grupo. "O INEM tem tido capacidade de resposta para licenciar os programas que lhe são apresentados e mantém um processo de acreditação de empresas para formação no âmbito do SBV/DAE, que podem disseminar de forma massiva este tipo de competência", garante o gabinete de comunicação.