O antigo deputado de baixo clero Jair Bolsonaro voltou na semana passada a Brasília na qualidade de presidente eleito para ser recebido em apoteose..Foi saudado efusivamente pelos chefes dos três poderes, que como os mosqueteiros de Dumas não são três mas quatro, porque o Congresso é dividido em duas câmaras..E teve os holofotes e os microfones todos apontados para si, quando antes, para ter atenção mediática, precisava de brigar ruidosamente com outros deputados ou manifestar opiniões inusitadas..Mas mal virou costas aos aplausos, de regresso ao Rio de Janeiro, levou logo uma facada - desta vez, felizmente, metafórica..Mesmo tendo em conta que o ordenado dos juízes do Supremo, excluídos os penduricalhos, como auxílio-moradia e outros, é 18 vezes superior à média nacional e 4,5 vezes maior do que o dos seus pares dos EUA, o Senado aprovou na calada da noite um aumento de 16,38% no salário daqueles juízes..Esse aumento terá um efeito cascata nos outros vencimentos do funcionalismo, incluindo o dos próprios congressistas, estimado em 4,1 mil milhões de reais (perto de mil milhões de euros) ao ano, a contar já a partir de 1 de janeiro, dia em que o capitão do exército toma posse..As facadas - num país a tentar sair de recessão história, sublinhe-se - devem entretanto prosseguir porque, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, propostas de reajustes salariais ou benefícios fiscais a lóbis, com impacto de 259 mil milhões de reais (mais de 60 mil milhões de euros), estão já agendadas para aprovação às pressas no Congresso neste mês e meio até à posse..Eleito com o slogan informal "para mudar tudo isso que está aí", sendo o que o "isso" se referia, por exemplo, à relação podre entre executivo e legislativo, Bolsonaro deve estar agora a pensar como vai dominar um Congresso do qual fez parte durante tanto tempo..Lula da Silva pensou o mesmo quando chegou ao poder. Conta o deputado decano Miro Teixeira, na altura na sua base de apoio, que os braços direitos de Lula, o da política, José Dirceu, e o da economia, Antonio Palocci, perguntaram em reunião "como vamos convencer os congressistas a deixar-nos governar: será pela via da qualidade dos nossos projetos ou pela via do dinheiro?". A pergunta era retórica, claro. E assim nasceu o mensalão: os parlamentares recebiam, em dinheiro público, pela aprovação de projetos..Acusado de promover o clientelismo contra o qual, uma vez na oposição, tanto bramira, Lula soltou uma das suas mais famosas pérolas. "Jesus, se fosse presidente do Brasil, até com Judas se aliaria.".Dada a fragmentação política no Congresso, em que mesmo o partido do presidente eleito não vale mais do que uns 15% do total de parlamentares, Lula, como Fernando Henrique Cardoso antes dele ou Michel Temer depois, entendeu que não governa sem ter deputados e senadores na mão e que o "toma lá dá cá" é a língua oficial de Brasília (Dilma Rousseff resistiu a falá-la e por isso, e não só, foi derrubada pelo legislativo)..Bolsonaro, passada a euforia, acabará necessariamente por cair nessa relação clientelista - dar cargos ou dinheiro em troca de apoios - que todos os presidentes censuraram quando estavam na oposição mas a que todos recorreram uma vez no poder..Mas e ele não tem alternativa ao clientelismo? Tem. São duas..Uma é não lhe ceder mas passar quatro anos sem aprovar reformas e a ver aquelas pautas milionárias serem aprovadas, vivendo plantado no Planalto, como um vegetal, à espera de que a legislatura acabe depressa. Terá Bolsonaro esse tipo de temperamento? Todo o seu passado leva a crer que não..A outra é perder a paciência e controlar, nem que seja à força, o Congresso - e depois o poder judicial, a imprensa, as manifestações de rua - promovendo um regime autoritário disfarçado de democracia. E esse tipo de temperamento, Bolsonaro tem?
O antigo deputado de baixo clero Jair Bolsonaro voltou na semana passada a Brasília na qualidade de presidente eleito para ser recebido em apoteose..Foi saudado efusivamente pelos chefes dos três poderes, que como os mosqueteiros de Dumas não são três mas quatro, porque o Congresso é dividido em duas câmaras..E teve os holofotes e os microfones todos apontados para si, quando antes, para ter atenção mediática, precisava de brigar ruidosamente com outros deputados ou manifestar opiniões inusitadas..Mas mal virou costas aos aplausos, de regresso ao Rio de Janeiro, levou logo uma facada - desta vez, felizmente, metafórica..Mesmo tendo em conta que o ordenado dos juízes do Supremo, excluídos os penduricalhos, como auxílio-moradia e outros, é 18 vezes superior à média nacional e 4,5 vezes maior do que o dos seus pares dos EUA, o Senado aprovou na calada da noite um aumento de 16,38% no salário daqueles juízes..Esse aumento terá um efeito cascata nos outros vencimentos do funcionalismo, incluindo o dos próprios congressistas, estimado em 4,1 mil milhões de reais (perto de mil milhões de euros) ao ano, a contar já a partir de 1 de janeiro, dia em que o capitão do exército toma posse..As facadas - num país a tentar sair de recessão história, sublinhe-se - devem entretanto prosseguir porque, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, propostas de reajustes salariais ou benefícios fiscais a lóbis, com impacto de 259 mil milhões de reais (mais de 60 mil milhões de euros), estão já agendadas para aprovação às pressas no Congresso neste mês e meio até à posse..Eleito com o slogan informal "para mudar tudo isso que está aí", sendo o que o "isso" se referia, por exemplo, à relação podre entre executivo e legislativo, Bolsonaro deve estar agora a pensar como vai dominar um Congresso do qual fez parte durante tanto tempo..Lula da Silva pensou o mesmo quando chegou ao poder. Conta o deputado decano Miro Teixeira, na altura na sua base de apoio, que os braços direitos de Lula, o da política, José Dirceu, e o da economia, Antonio Palocci, perguntaram em reunião "como vamos convencer os congressistas a deixar-nos governar: será pela via da qualidade dos nossos projetos ou pela via do dinheiro?". A pergunta era retórica, claro. E assim nasceu o mensalão: os parlamentares recebiam, em dinheiro público, pela aprovação de projetos..Acusado de promover o clientelismo contra o qual, uma vez na oposição, tanto bramira, Lula soltou uma das suas mais famosas pérolas. "Jesus, se fosse presidente do Brasil, até com Judas se aliaria.".Dada a fragmentação política no Congresso, em que mesmo o partido do presidente eleito não vale mais do que uns 15% do total de parlamentares, Lula, como Fernando Henrique Cardoso antes dele ou Michel Temer depois, entendeu que não governa sem ter deputados e senadores na mão e que o "toma lá dá cá" é a língua oficial de Brasília (Dilma Rousseff resistiu a falá-la e por isso, e não só, foi derrubada pelo legislativo)..Bolsonaro, passada a euforia, acabará necessariamente por cair nessa relação clientelista - dar cargos ou dinheiro em troca de apoios - que todos os presidentes censuraram quando estavam na oposição mas a que todos recorreram uma vez no poder..Mas e ele não tem alternativa ao clientelismo? Tem. São duas..Uma é não lhe ceder mas passar quatro anos sem aprovar reformas e a ver aquelas pautas milionárias serem aprovadas, vivendo plantado no Planalto, como um vegetal, à espera de que a legislatura acabe depressa. Terá Bolsonaro esse tipo de temperamento? Todo o seu passado leva a crer que não..A outra é perder a paciência e controlar, nem que seja à força, o Congresso - e depois o poder judicial, a imprensa, as manifestações de rua - promovendo um regime autoritário disfarçado de democracia. E esse tipo de temperamento, Bolsonaro tem?